'Quelé, A voz da cor’ é uma homenagem não só à cantora, mas também a milhares de pessoas humildes que fazem a nossa cultura ganhar o mundo e nem sempre são reconhecidas por isso
03/02/2017
O DIA
Rio - Na falta de questões relevantes a resolver, cabeçudos intelectuais querem proibir que blocos toquem clássicos como ‘Cabeleira do Zezé’ e ‘Maria Sapatão’. Dizem eles que as letras são preconceituosas e induzem o povo a não aceitar as diferenças. Besteira.
As marchinhas apenas revelam um humor bobo, infantil, típico de outros carnavais. O erro não está nelas, mas no ser humano. Aliás, acho curioso, nesse contexto, que ninguém se manifeste contra excrescências que hoje emporcalham nossos ouvidos, como “Meu pau te ama”.
Por essas e por outras, preferi fugir do Facebook por uns dias e mergulhar em dois livros que ocuparam muito bem o meu tempo. O primeiro foi a biografia da Clementina de Jesus, uma das vozes mais legítimas da música brasileira. ‘Quelé, A voz da cor’ é uma homenagem não só à cantora, mas também a milhares de pessoas humildes que fazem a nossa cultura ganhar o mundo e nem sempre são reconhecidas por isso.
Clementina nasceu em 1901. Ganhava a vida como doméstica, até ser descoberta, aos 62 anos, numa festa na Glória. A partir daí, levou para os palcos um tesouro em forma de sambas, jongos, curimbas, partidos-altos e outros tantos ritmos esquecidos. Seu canto é inconfundível. E tem poder.
Baseado em pesquisa intensa e muitas fotos, ‘Quelé’ é assinado pelos jovens Raquel Munhoz, Luana Castro, Janaína Marquesini e Felipe Castro. Um trabalho impecável. Merece até um CD com os grandes momentos da intérprete.
A segunda sugestão é para quem tem nervos fortes — tanto que está impresso na capa: “Se você tem medo de avião, não leia este livro”. Trata-se de ‘Voo cego’, de Ivan Sant’Anna e Luciano Mangoni. É uma história real. E tensa. Em outubro de 1990, avião com 158 pessoas saiu de Bogotá, na Colômbia, rumo a Nova York. Seriam apenas cinco horas de voo, mas série de erros provocou uma tragédia que marcou a aviação.
É praticamente o roteiro de um filme de suspense. Ivan é mestre nessas narrativas, costurando emoção, curiosidades e informações técnicas. Essa habilidade tornou-o referência no país quando se trata de livros sobre acidentes, como em ‘Bateau mouche’ e ‘Caixa-preta’. Impossível desgrudar das páginas, por mais que a gente conheça o fim da conversa.
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‘Voo cego’, a propósito, já estava quase na gráfica quando houve a tragédia com o avião da Chape, em novembro. O livro acaba mostrando que erros se repetem à exaustão. Em ambos os acidentes, falta de comunicação e pane seca fizeram dezenas de vítimas.
Nelson Vasconcelos é jornalista
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