quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Charge - Crise hídrica


Aposto que você não sabia - Dia das Mães

A data surgiu em virtude do sofrimento de uma americana que, após perder a mãe, passou por um processo depressivo. As amigas mais próximas de Anna M. Jarvis, para livrá-la de tal sofrimento, fizeram uma homenagem para sua mãe, que havia trabalhado na guerra civil do país. A festa fez tanto sucesso que em 1914, o presidente Thomas Woodrow Wilson oficializou a data, e a comemoração se difundiu pelo mundo afora.

Quem, conta um conto - Negrinha - Monteiro Lobato

NEGRINHA


Monteiro Lobato



Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta?? Não. Fusca, mulatinha escura, de cabelos
ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos de vida, vivera-os pelos cantos escuros
da cozinha, sobre farrapos de esteira e panos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava
de crianças.
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada pelos padres, com lugar
certo na igreja e camarote de luxo no céu. Entaladas as banhas no trono uma cadeira de balanço na sala
de jantar, — ali bordava, recebendo as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma
virtuosa senhora, em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”,
dizia o padre.
Ótima, a D. Inácia.
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos,
não a calejara o choro da sua carne, e por isso não suportava o choro da carne escrava. Assim, mal vagia,
longe na cozinha, a triste criança, gritava logo, nervosa:
— Quem é a peste que está chorando aí?
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos?? O pilão?? A mãe da criminosa abafava a boquinha
da filha e corria com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões desesperados:
— Cale a boca, peste do diabo!!
No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que
entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...
Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com olhos eternamente assustados. Órfã aos
quatro anos, ficou por ali, feita gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes.
Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava
ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas não andava, quase. Com pretexto de que, às
soltas, reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num
desvão de porta.
— Sentadinha aí, e bico!! Hem??
Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas. — Braços cruzados, já, diabo!!
Cruzava os bracinhos, a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. O relógio batia
uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir
a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se, então, feliz um momento.

Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.
Que idéia faria de si essa criança, que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo,
coruja, barata descascada, bruxa, pata choca, pinto gorado, mosca morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha,
coisa ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve
em que foi — bubônica. A epidemia andava à berra, como novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada
assim — por sinal, achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que
não teria um gostinho só na vida, nem esse de personalizar a peste...
O corpo de Negrinha era tatuado de sinais roxos, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa,
todos os dias, houvesse ou não motivo. A sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões
a mesma atração que o ímã exerce para o aço.
Mão em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos
em sua cabeça, de passagem. Coisa de rir, e ver a careta...
A excelente D. Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora
de escravos e daquelas ferozes, amigas de ouvir contar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se
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afizera ao regímen novo — essa indecência de negro igual a branco; e qualquer coisinha, a polícia!!
“Qualquer coisinha”; uma mucama assada ao forno, porque se engraçou dela o senhor; uma novena de
relho, porque disse: — “Como é ruim, a sinhá!”....
O 13 de maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava,
pois, Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Simples derivativo.
— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade: cocres, mão fechada
com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a
concha (bom! bom! bom! gostoso de dar!) e o a duas mãos, o sacudido. A gama dos beliscões: do miudinho,
com a ponta da unha, a torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda
de tapas, cascudos, pontapés e safanões à uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante:
para doer fino, nada melhor.
Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para
desobstruir o fígado e matar saudades do bom tempo. Foi assim com aquela história do ovo quente.
Não sabem?? Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um pedacinho
de carne que ela guardava para o fim. A criança não sofreou a revolta e atirou-lhe um dos nomes
com que a mimoseavam, todos os dias.
— “Peste”?? Espere aí!! Você vai ver quem é peste. E foi contar o caso à patroa.
D. Inácia estava azeda, e necessitadíssima de derivativo. Sua cara iluminou-se.
— Eu curo ela! disse, desentalando as banhas do trono e indo para a cozinha, qual uma perua
choca, a rufar as saias. — Traga um ovo!!
Veio o ovo. D. Inácia mesma pô-lo na chaleira de água a ferver e, de mãos à cinta, gozando-se
na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a mísera
criança que, encolhidinha a um canto, trêmula, olhar esgazeado, aguardava alguma coisa de nunca visto.
Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora exclamou:
— Venha cá!! Negrinha aproximou-se. — Abra a boca!!
Negrinha abriu a boca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa então, com uma colher, tirou
da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, prática que era
D. Inácia nesse castigo, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente,
pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:
— Diga nomes feios aos mais velhos outra vez!! Ouviu, peste??
E voltou contente da vida para o trono, a virtuosa dama, a fim de receber o vigário que chegava.

— Ah! Monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha de
Cesária; mas que trabalheira me dá!
— A caridade é a mais bela das virtudes! exclamou o padre.
— Sim, mas cansa...
— Quem dá aos pobres, empresta a Deus! A virtuosa senhora suspirou piedosamente: — Inda
é o que vale...
Certo dezembro vieram passar as férias com “Santa” Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas,
lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.
Negrinha, do seu canto, na sala do trono, viu-as irromperem pela casa adentro como dois anjos
do céu, alegres, pulando e rindo numa vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente
para a senhora, certa de vê-la armada para desferir sobre os anjos invasores o raio dum castigo
tremendo.
Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era um crime brincar?? Estaria tudo
mudado e findo o seu inferno — e aberto o céu??!
No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria
dos anjos. 
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Mas logo a dura lição da desigualdade humana chicoteou sua alma. Beliscão no umbigo e nos
ouvidos o som cruel de todos os dias:
— Já, para o seu lugar, pestinha!! Não se enxerga?? Com lágrimas dolorosas, menos de dor
física que de angústia moral — sofrimento novo que se vinha somar aos já conhecidos, a triste criança
encorujou-se no cantinho de sempre.
— Quem é, titia? perguntou uma das meninas, curiosa. — Quem há de ser?! disse a tia num
suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus.. Uma
órfã... Mas, brinquem, filhinhas!! A casa é grande. Brinquem por aí a fora!!
“Brinquem!!” Brincar! Como seria bom brincar! refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa
martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco!
Chegaram as malas; e logo:
— Meus brinquedos!! reclamaram as duas meninas. Uma criada abriu-as e tirou-os fora.
Que maravilha! Um cavalo de rodas!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa
assim, tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que
fala “papá”... que dorme...
Era de êxtase, o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse
brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
- É feita??... perguntou extasiada.
E, dominada pelo enlevo, um momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a
arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão, o ovo quente, tudo, e aproximou-se da criaturinha
de louça. Olhou-a com assombro e encanto, sem jeito sem ânimo de pegá-la.
As meninas admiraram-se daquilo. — Nunca viu boneca??
— Boneca?? repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?? Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.

— Como é boba! disseram. — E você, como se chama?
— Negrinha.
As meninas, novamente, torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava,
disseram, estendendo-lhe a boneca:
— Pegue!!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, com o coração aos pinotes. Que aventura, santo
Deus! Seria possível?? Depois, pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor
Menino, sorria para ela e para as meninas, com relances de olhos assustados para a porta. Fora de si,
literalmente... Era como se penetrara o céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe viesse
adormecer ao colo. Tamanho foi o enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. D. Inácia entreparou,
feroz, e esteve uns instantes assim, imóvel, presenciando a cena.
Mas era tal a alegria das sobrinhas ante a surpresa estática de Negrinha, e tão grande a força
irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida
soube ser mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala, Negrinha tremera, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do
ovo quente, e hipóteses de castigos piores ainda. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos
olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo: estas palavras,
as primeiras que ouviu, doces, na vida:
— Vão todas brincar no jardim!! e vá você também!! mas veja lá!! Hem??
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu nela a fera
antiga. Compreendeu e sorriu-se.
Se a gratidão sorriu na vida, alguma vez, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E
para ambas é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o 
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momento da boneca — preparatório, e momento dos filhos, — definitivo. Depois disso está extinta a
mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha alma.
Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que ela trazia em si, e que desabrochava, afinal,
como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ser humano. Cessara de ser coisa e de
ora avante lhe seria impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!...
Assim foi, e essa consciência a matou.
Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa reentrou no ramerrão
habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada.
D. Inácia, pensativa, já a não atenazava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração,
amenizava-lhe a vida. Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita.
Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos,
cismarentos.
Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro de seu doloroso inferno,
envenenara-a. Brincara ao sol, no jardim. Brincara!...
Acalentara dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer papá e a cerrar os
olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.
A repentina retirada de tudo isso fora forte demais para a débil resistência de uma alma, com
um mês de vida apenas. Enfraqueceu, definhou, como roída de invisível doença consuntora. E uma
febre veio e a levou.
Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Ninguém, entretanto,
morreu jamais com maior beleza. O delírio rodeou-se de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de
anjos... E bonecas e anjos rodamoinhavam em torno dela, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada
por aquelas mãozinhas de louça, abraçada, rodopiada.
Veio a tontura, e uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num
disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e o cuco pela última vez lhe apareceu, de boca aberta.
Mas, imóvel, sem rufar as asas.
Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou... E tudo se esvaiu em trevas.
Depois, vala comum. A terra papou com indiferença sua carnezinha de terceira — uma misé-
ria, quinze quilos mal pesados...
E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das
meninas ricas:
— Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca??
Outra de saudade, no nó dos dedos de D. Inácia: — Como era boa para um cocre!...


Monteiro Lobato - 1927

Quem conta um conto - O caso do espelho - Ricardo Azevedo

O caso do espelho


 Versão do conto popular por Ricardo Azevedo



 Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé
esquecida nos cafundós da mata.
 Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho
pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o
espelho nas mãos:
― Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?
―Isso é um espelho – explicou o dono da loja.
Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai.
Os olhos do homem ficaram molhados.
― O Senhor... conheceu... o meu pai? – perguntou ao comerciante.
O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de
vidro e moldura de madeira.
― E não! – respondeu o outro – Isso é o retrato do meu
pai. É ele sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o
nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?
O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os
ombros e vendeu o espelho, baratinho.
 Naquele dia, o homem que não sabia de quase nada
entrou em casa todo contente. Guardou cuidadoso o espelho
embrulhado na gaveta da penteadeira.
 A mulher ficou só olhando.
 No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e
correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira,
desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o
sinal―da―cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida,
guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.
 ― Ah, meu Deus! – gritava ela desnorteada. – É o retrato de outra mulher! Meu
marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira
solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!
Quando o homem votou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher,
chorando sentada no chão, não tinha feito nem comida.
― Que foi isso, mulher?
―Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?
― Que retrato? –perguntou o marido, surpreso.
Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!
O homem não estava entendendo nada.
― Mas aquilo é o retrato do meu pai!
Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:
― Cachorro sem―vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre um
velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa?
A discussão fervia feito água na chaleira.
― Velho lazarento coisa nenhuma! – gritou o homem, ofendido.
A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo.
Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar para casa.
― Que é isso, menina?
― Aquele cafajeste arranjou outra!
― Ela ficou maluca – berrou o homem, de cara amarrada.
― Ontem eu vi escondendo um pacote na
gaveta do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver
o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!
A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o
retrato.
Entrando no quarto, abriu a gaveta,
desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos.
Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.
― Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha,
cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, caduca, torta e desdentada que eu já vi
até hoje!
E completou, feliz, abraçando a filha:
― Fica tranquila: a bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!


AZAVEDO, Ricardo. O caso do espelho. In: Nova Escola, maio 1999, p.28-9,

"Não" para os clichês

Alteridade indígena e africana ainda é pouco conhecida pelos professores e retratada de forma superficial nos livros didáticos

Danielle Bastos Lopes

Crônicas do Dia - O ano e os dias - Fred Coelho

Enquanto o vento veloz da História nos carrega para a frente, insistimos em olhar para trás

Tá na Hora do Poeta - Ode para o Futuro - Jorge de Sena

Ode para o Futuro



Falareis de nós como de um sonho. 
Crepúsculo dourado. Frases calmas. 
Gestos vagarosos. Música suave. 
Pensamento arguto. Subtis sorrisos. 
Paisagens deslizando na distância. 
Éramos livres. Falávamos, sabíamos, 
e amávamos serena e docemente. 

Uma angústia delida, melancólica, 
sobre ela sonhareis. 

E as tempestades, as desordens, gritos, 
violência, escárnio, confusão odienta, 
primaveras morrendo ignoradas 
nas encostas vizinhas, as prisões, 
as mortes, o amor vendido, 
as lágrimas e as lutas, 
o desespero da vida que nos roubam 
- apenas uma angústia melancólica, 
sobre a qual sonhareis a idade de oiro. 

E, em segredo, saudosos, enlevados, 
falareis de nós - de nós! - como de um sonho. 

Jorge de Sena, in 'Pedra Filosofal'

Crônicas do Dia - Um 2016 de concórdia - Milton Cunha

Somos iguais na diferença, que não nos anula ou nos torna inimigos. Nos reconhecemos em nossas humanidades