terça-feira, 11 de agosto de 2020

Artigo de Opinião - O silêncio de quem se diz sem preconceito é gritante

 


“Não podemos apenas dizer que não somos racistas, que não temos preconceito, precisamos ser radicalmente contra tudo aquilo que tenta oprimir, que gera intolerância e até fere a existência de alguém”, diz autora de petição que pede justiça pela morte de Miguel.


Não podemos apenas dizer que não somos racistas, que não temos preconceito, precisamos ser radicalmente contra tudo aquilo que tenta oprimir, que gera intolerância e até fere a existência de alguém”, declara a estudante Dani Brito, de 22 anos, criadora da petição online que em apenas cinco dias reuniu mais de 2,5 milhões de apoiadores num grito de justiça pelo menino Miguel Otávio, morto após cair do 9º andar do prédio onde sua mãe trabalhava.

Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos, negro e filho da empregada doméstica. Deixado por 10 minutos aos cuidados da patroa de sua mãe, branca e moradora de um condomínio de luxo na cidade de Recife (PE), caiu de uma altura de 35 metros após ser abandonado em um elevador e perder-se nos andares do edifício em busca de refúgio. Em meio ao movimento antirracista Vidas Negras Importam, a morte da criança tornou-se símbolo.

O símbolo de uma sociedade estruturalmente racista que condena frequentemente à morte inúmeros George Floyd, João Pedro, Amarildo e Ágatha Félix pela cor de sua pele, em países onde vidas negras importam menos. Foi depois de acompanhar as mobilizações gigantescas que se formavam em torno dos protestos #BlackLivesMatter e notar que pouco se falava sobre o caso Miguel, que Dani decidiu lançar a campanha pedindo justiça pelo menino.  

“O que aconteceu com Miguel não poderia passar despercebido e logo ser esquecido. Pelo momento que temos vivido, pela dor de uma família e também pela justiça necessária, daí surgiu a vontade de criar e compartilhar esse desejo de que o caso ganhasse a visibilidade necessária”, comenta a estudante, que também mora na capital pernambucana e passou a se inteirar do ocorrido assim que os jornais locais começaram a noticiá-lo na tarde do dia 2.  

Dani, que trabalha como atendente em uma lotérica e estuda para prestar o vestibular na área de comunicação, não é negra, não é filha de empregada doméstica e não tem uma história de vida que se assemelhe aos tantos “Miguéis” produzidos pela sociedade brasileira. Mas acredita que a luta antirracista precisa do envolvimento dos brancos. “Precisamos fazer parte, muito além que só assistir”, foi o que pensou quando decidiu lançar a campanha.  

Precisamos fazer parte, muito além que só assistir.

“Ficar só assistindo de longe, na bolha do nosso mundinho, em situações de injustiça, é realmente ensurdecedor e não podemos fazer parte disso. Esse momento que o mundo grita cada vez mais alto por algo que a história já vem gritando tem tempo, nos mostra que já passou da hora de agir de maneira mais enérgica. Parar de empurrar para debaixo do tapete tantos assuntos que precisam ser discutidos e mudados na nossa sociedade”, desabafa. 


A petição foi aberta pela jovem, na plataforma Change.org, na última quinta-feira (4) e um dia depois já ultrapassava a marca de mais de 1 milhão de assinaturas. No dia seguinte (6), dobrou de tamanho e, na tarde desta terça-feira (9), alcançou o total de 2,5 milhões de pessoas engajadas. De imediato, a mobilização ganhou as redes sociais e foi compartilhada por famosos, como as atrizes Monica Iozzi e Patricia Pillar e a cantora rapper Tássia Reis.   

Inspirada por outros abaixo-assinados que também repercutiram nos últimos dias reforçando o debate sobre o racismo, Dani se diz admirada pelo alcance da campanha. “Fiquei muito surpresa e também com o coração muito grato por ver cada vez mais e mais pessoas se juntando e unindo forças para pedir por justiça. Sei que a petição foi o mínimo que poderia ser feito, mas foi uma forma de solidarizar e mobilizar o maior número de pessoas, e contribuir para que essa dor que essa mãe e essa família estão sentindo não seja silenciada”, conta.

A mobilização via petição online também foi o meio que outros cidadãos encontraram para transformar a indignação em luta e reforçar o movimento antirracista. Um abaixo-assinado por justiça a George Floyd, morto asfixiado durante abordagem policial nos Estados Unidos, engajou 17 milhões de pessoas, tornando-se o maior em toda a história mundial da Change.org. Na mesma plataforma, uma campanha em atenção a João Pedro, adolescente fuzilado em operação policial no Rio de Janeiro, já ultrapassa 2,7 milhões de apoiadores. 

Para Dani, a mobilização ofereceu a possibilidade de informar as pessoas sobre o fato e divulgar a causa. Também permitiu um alcance mais amplo da sociedade, bem como a chance de juntar “uma só voz” para pedir por esclarecimento e justiça e, ainda, gerou uma discussão sobre como a história do garoto Miguel se encaixa no debate emergencial sobre racismo estrutural e sobre como os brancos precisam tomar responsabilidades nesta pauta.    

“Tenho ciência de que esse não é meu lugar de fala, mas não muda o fato que precisa e deve ser meu lugar de aprendizado”, diz a jovem. “A causa é importantíssima e o que precisa ser combatido é o que vem sendo propagado de forma estrutural, na nossa cultura, na maneira de falar, em certas opiniões e olhares”, acrescenta, opinando que esse “aprendizado” é que precisa “impregnar” na estrutura da sociedade para o futuro que está sendo construído hoje.

Dani espera que a campanha #JustiçaPorMiguel mostre às autoridades responsáveis pela apuração do caso que a família da criança não está sozinha nessa luta. Indignada pela fiança de R$ 20 mil paga pela patroa da mãe do menino, Sarí Gaspar Côrte Real, a jovem estudante ressalta que a vida de Miguel importa e vale muito mais. “Cobramos por justiça e para que os responsáveis paguem pelo crime”, fala sobre a motivação da mobilização. 

Apesar de não poder confortar a dor que Mirtes Renata Santana de Souza está sentindo pela morte de seu único filho, Dani deseja que a ação faça com que ao menos a “dor da injustiça e da impunidade” não seja sentida pela empregada doméstica. “Também para que todo o assunto sobre racismo, desigualdade, direitos humanos e tudo que envolve o caso, continue sendo discutido e mais pessoas possam ser conscientizadas e transformadas”, afirma. 

A estudante se opõe a atos racistas que acontecem “debaixo do nosso próprio nariz”, partindo de pessoas que “estão ao nosso lado”. “Não é porque não sentimos na pele que não devemos nos importar, muito menos menosprezar”, diz. E condena piadas de cunho racista. “Pequenas ‘brincadeirinhas’, que nunca são apenas brincadeirinhas, e tantos outros exemplos que são justificados com: ‘não tenho preconceito, tenho até amigos que são negros’”. 

As investigações

As investigações dos fatos que levaram à morte do menino Miguel estão sob responsabilidade do delegado Ramon Teixeira, da Polícia Civil de Pernambuco. Sarí, que é primeira-dama da cidade de Tamandaré (PE), foi presa em flagrante por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e liberada após o pagamento da fiança.

A equipe da Change.org entrou em contato com a Polícia Civil de Pernambuco para cobrar um posicionamento quanto à mobilização por justiça. Em nota, a assessoria de imprensa da corporação informou que a polícia está “dedicada ao avanço e conclusão das investigações”. De acordo com a resposta, depoimentos, imagens, perícias criminais e outros elementos de prova estão sendo colhidos e analisados para, no “menor tempo possível e com qualidade”, apresentar o inquérito policial ao Ministério Público de Pernambuco (MP/PE).

“A Polícia Civil se solidariza com familiares, amigos e sociedade neste momento de imensa dor e irreparável perda. E ressalta que está atuando com intensidade, técnica e dentro da legalidade para esclarecer as circunstâncias da trágica morte e colaborar para que a justiça seja feita. A corporação rechaça qualquer insinuação de favorecimento ou proteção dentro dessa investigação”, diz a nota. “A Polícia Civil de Pernambuco reforça que está trabalhando com dedicação, seriedade e isonomia, e dará respostas à sociedade no momento oportuno”. 

Sobre a não divulgação de imagens da acusada, fato que chegou a ser questionado pela sociedade visto que, normalmente, fotos de presos são amplamente divulgadas, o órgão informou atender à Lei de Abuso de Autoridade (nº 13.869). “Esse procedimento e alinhamento institucional valem para todos, sejam ricos, pobres, brancos, negros, pessoas influentes ou não, homens, mulheres, praticantes de crimes contra a vida, roubos ou corrupção”, fala a nota.  

petição criada pela jovem estudante pernambucana segue aberta e fazendo pressão. “O silêncio de quem se diz sem preconceito é totalmente gritante”, aponta. “Precisamos ser totalmente intolerantes com a intolerância”, finaliza Dani citando um texto que a jornalista Joana Rozowykwiat postou no Twitter sobre o caso Miguel, no qual ressalta como a morte do garoto carrega inúmeros símbolos que mostram como o racismo é estrutural no Brasil. 



https://www.huffpostbrasil.com/entry/peticao-racismo-caso-miguel_br_5ee03893c5b6b9cbc769753b

Você sabia disso? - Morte de Miguel expõe o racismo estrutural por trás das desigualdades no Brasil

 Por  em 04/06/2020, 13:45.

Você sabia disso? - Movimentos e advogada criminalista apontam racismo na condução do Caso Miguel

 


Menino de cinco anos morreu na terça-feira (02) enquanto estava sob os cuidados da patroa de sua mãe

Brasil de Fato | Recife (PE) |
 
O caso envolvendo a morte da criança Miguel Otávio, de cinco anos, gerou uma onda de protestos contra o racismo em Pernambuco. Filho da empregada doméstica Mirtes Renata, o menino caiu do 9º andar do condomínio de luxo conhecido como “Torres Gêmeas” no Recife. A fatalidade foi resultado da negligência de Sarí Corte Real, patroa da mãe de Miguel, que mandou a criança sozinha de elevador para a cobertura do prédio enquanto Miguel estava sob seus cuidados.