sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Artigo de Opinião - Hércules Cotidianos - Luiz Antonio Simas

Rio - Um dos 12 trabalhos de Hércules, certamente o mais fedido, foi fazer em um dia a limpeza dos estábulos do rei de Élida, Áugias. Com um rebanho de três mil bois, os estábulos não eram limpos havia 30 anos. Para realizar a proeza, Hércules desviou no muque o curso dos rios Alfeu e Peneu, para que eles passassem pelos estábulos. Fez, portanto, o inverso da Samarco, que encheu o rio de bostas tóxicas e anda dando um migué para que o tempo apague da memória coletiva o crime cometido.

Você é racista só não sabe ainda disso - Tulio Custodio

Uma mulher branca e uma negra dividem um banco de metrô. A negra tem o cabelo crespo solto, estilo black power. A branca repara, acha curioso e pede para tocar nas madeixas. A alguns metros dali, um negro vestindo uma blusa com capuz caminha pela avenida ao som do rapper Emicida. Um homem de negócios, de terno e ao celular, atravessa a rua quando o vê. Um idoso internado num hospital do outro lado da cidade reclama com uma negra vestida de branco sobre a demora da médica, sem saber que está falando com a própria. Na televisão, um programa humorístico tem um personagem chamado Africano que emite sons guturais e se comporta como uma besta. O que todas essas situações têm em comum? São casos cotidianos de racismo que passam despercebidos pelas pessoas por causa de um fenômeno que a psicologia social chama de unconscious bias, ou, em português, “viés inconsciente”.

O viés inconsciente é um conjunto de estereótipos sociais, sutis e acidentais que todas as pessoas mantêm sobre diferentes grupos de pessoas. É o olhar automático para responder a situações e contextos para os quais você é treinado culturalmente, como uma programação do cérebro. O ser humano tem a capacidade de pensar rápido ou devagar. Quando decidimos sobre a compra de uma casa, pesamos todos os lados para tomar a decisão. Ou seja, pensamos devagar. Mas, em outras situações do dia a dia, nos baseamos em julgamentos intuitivos que são processados rapidamente pelo cérebro, sem nos darmos conta. São como atalhos que a mente usa porque é mais fácil. O problema é que ele também nos prega peças. Toma decisões com base em associações com memórias antigas, noticiário, novelas, aulas, conversas com familiares e amigos. Nelas, há milhares de estereótipos. Não adianta se ofender e dizer que não é preconceituoso. Se você tem um cérebro, tem viés inconsciente. Sem que perceba, processos neurais e cognitivos tiram conclusões por você, e é aí que entra a discriminação disfarçada.

Claro, ninguém quer assumir que é preconceituoso. A expressão racismo parece remeter a algo de tanto tempo atrás que já não faz parte do nosso cotidiano. Tem relação com conflito: é a divisão das pessoas com base no ódio, o enfrentamento de brancos e negros, aquilo que a história contou sobre o sul dos Estados Unidos ou o apartheid na África do Sul. Obsoleto, démodé. Será? O racismo existe. Só porque não o vemos se manifestar o tempo todo não se pode dizer que ele não esteja aí. Na verdade, essa é parte do problema: o racismo que imaginamos não é simplesmente o que vemos. Ele se reproduz também no invisível e no cotidiano, no que se faz e não se percebe. No viés inconsciente.

No Brasil, essa questão atinge níveis mais drásticos por duas razões: o racismo é velado e vivemos numa sociedade hierarquizada com base em privilégios. Ter privilégios significa usufruir de oportunidades e escolhas sem ter que pensar sobre isso, como ligar a torneira de casa para ter água. Decisões que parecem banais, mas não são, por causa da existência de um conjunto de indivíduos da mesma sociedade que não têm as mesmas oportunidades. É justamente por possuir privilégios que é difícil entender que, apesar da liberdade para se esforçar e lutar pelo que se deseja, não são todos que atingem a linha de chegada com o mesmo sucesso.


Artigo de Opinião - A atualidade da negritude

Gustavo de Andrade Durão

 O encontro dos intelectuais negros fora de seus espaços geográficos gerou uma importante reunião de pensadores engajados na “questão negra”. Léopold Senghor, do Senegal, era o mais antigo do grupo, Aimé Césaire, da Martinica, o criador da palavra négritude, e Léon Gontram Damas, o divulgador das caracterizações desse conceito no ambiente cultural das Antilhas. Em meados de 1930, a négritude foi considerada como uma espécie de “patrimônio cultural dos negros”, levando Senghor e seus companheiros à busca de bases para uma contestação do domínio político-administrativo das populações negras.
O conceito de négritude deve ser diferenciado do Movimento da Négritude, pois, enquanto o primeiro ainda hoje encontra diversas definições, o segundo tem um lugar específico no tempo e no espaço. Esse movimento aconteceu uma única vez e, apesar das críticas, teve amplas repercussões no campo literário.

Artigo de Opinião - Por uma crítica das razões mestiças - Rafael Haddock Lobo

A recente publicação em 2013 do livro Crítica da razão negra, de Achille Mbembe, possui, entre tantos outros méritos, uma significativa importância para o pensamento ético-político contemporâneo por denunciar a vinculação estreita entre a racionalidade neutra e universal e um modo específico de se fazer filosofia, o europeu. Nesse sentido, a referência à célebre Crítica da razão pura, de Imannuel Kant, possivelmente um dos mais importantes livros da tradição ocidental, denuncia essa busca pela “pureza” em sua inevitável relação com a “brancura”, ou seja, como imperativo de uma certa cultura.

Crônicas do Dia - Saúde - Ruth de Aquino

Quando brindamos, o primeiro voto é “saúde!” – e não por acaso. Só depois vem “paz, amor”. Sem saúde, o resto não é possível. Por que, então, o Brasil é tão cruel com seus doentes? Crises na Saúde não são produzidas de um dia para o outro. O caos nos hospitais do Estado do Rio de Janeiro é apenas a vitrine de um sistema falido e desumano, e o governador Pezão é um dos culpados, não o único.