domingo, 12 de julho de 2020

Artigo de Opinião - Covid - 19, Bolsonaro e o 520º ano de dizimação dos povos de Pindorama -


Por José de Ribamar Virgolino Barroso*, na Carta Capital
Faz mais de cem dias que convivemos, de um lado, com a ameaça sanitária da covid-19 e, de outro, com as ofensivas dos donos do poder e do mercado que se aproveitam desse momento para fragilizar nossas resistências. Multiplique-se essa contagem de tempo por 520 — o total de anos transcorridos desde que Pindorama foi tomada de seus habitantes originários e começou a se tornar Brasil — e se poderá ter uma vaga ideia das ameaças que os povos indígenas enfrentam há séculos. Provavelmente, nem assim.
Historiadores e antropólogos apontam, não de hoje, o papel devastador que gripe, pneumonia, varíola, sarampo, parasitas intestinais e um sem-número de outras infecções (sobre as quais os xamãs não tinham conhecimento de cura) tiveram na dizimação de populações indígenas nestas terras. Com o novo coronavírus não é diferente. O número de indígenas contaminados no país já ultrapassou a casa do milhar e a quantidade de mortos se amplia a cada dia. Entre os quilombolas, a situação também é grave e, segundo noticiado pelo portal G1 no último dia 6 de julho, só o Pará concentra 36% dos mais de 2.500 dos moradores de comunidades remanescentes de quilombos que estão com covid-19 no Brasil.
Apesar disso, no último dia 8, o governo de Jair Bolsonaro vetou uma série de medidas destinadas à saúde dos povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais durante esta pandemia. Ou talvez a conjunção escolhida aqui não devesse ser concessiva, mas causal. Bolsonaro não vetou as medidas de auxílio “apesar” do cenário devastador, mas “porque” essa devastação faz parte de seu projeto de dominação e exploração predatória: da Amazônia pelos madeireiros e pelos pecuaristas descomprometidos com a preservação do meio ambiente, e do subsolo das terras indígenas — como o próprio presidente já declarou publicamente seu entusiasmo — pelo garimpo.
Os vetos desobrigam o governo de fornecer água potável, materiais de higiene e limpeza, instalação de internet, cestas básicas, sementes, ferramentas agrícolas, bem como de liberar verba emergencial para a saúde dessas populações e de fornecer mais leitos hospitalares e de UTI e equipamentos de ventilação e de oxigenação sanguínea para atender os povos indígenas e quilombolas. Abandoná-los sem qualquer amparo ao novo coronavírus é o equivalente bolsonarista às roupas contaminadas com os vírus da varíola e do sarampo com as quais fazendeiros do século XIX “presenteavam” aldeias para dizimá-las. Nas mãos do governo Bolsonaro e dos grupos que o apoiam, a Covid-19 se transforma em arma biológica para seu projeto de extermínio.
Isso ficou bem claro na fala do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, naquela famigerada reunião ministerial de 22 de abril, quando defendeu que o governo aproveitasse a “oportunidade” trazida pela pandemia para “passar a boiada” e fazer uma baciada de mudanças nas regras ligadas à proteção ambiental. Em maio deste ano, o desmatamento na Amazônia completou 13 meses consecutivos de aumento em relação aos mesmos meses do ano anterior, conforme dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Só entre 1º de janeiro e 31 de maio, foram registrados alertas de desmatamento em 2.032 km² da Amazônia Legal, o maior valor desde 2015. Por isso mesmo, o Ministério Público Federal (MPF) pediu, também no último dia 6, que a Justiça Federal afaste Ricardo Salles do comando do ministério, sob a acusação de “desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente”.
À causa sanitária e à ambiental se soma a educacional. O mesmo descaso com a saúde dos povos da floresta acontece também com relação à educação e, enquanto são atacados pelas mineradoras e pelo agronegócio, permanecem sem perspectivas de apoio de políticas públicas em relação a esses direitos constitucionais básicos. No mês de junho, dezenas de entidades e fóruns educacionais do Pará divulgaram um amplo documento conjunto, em resposta ao Conselho Estadual de Educação, destacando as especificidades da educação desses povos, para os quais o ensino remoto é uma impossibilidade e um absurdo.
O documento denuncia que as resoluções do CEE para a situação atual, para além de meras orientações, “operam ações concretas e diárias com vistas ao retorno das aulas pós-pandemia, nas comunidades indígenas, tradicionais e camponesas, sem correspondência com a realidade e os anseios da comunidade educacional paraense” e, mais especificamente, dessas populações.
“Como é sabido, as comunidades indígenas, quilombolas, tradicionais e camponesas, incluídas entre os seguimentos sociais mais vulneráveis, sofrem as consequências da pandemia de forma muitos mais acentuada, principalmente por não possuir as condições materiais necessárias para a realização do distanciamento social, e em alguns territórios e regiões do Estado, com consequente aumento das contaminações e mortes neste período”, diz o documento. “Razão a mais para reafirmarmos a defesa da vida como imperativo categórico, evitando-se assim que a precarização do trabalho dos educadores seja intensificada com o retorno das atividades escolares nessas comunidades, como em todo o Estado, vez que ausentes as condições de saúde, higiene e segurança para que isso aconteça.”
A pauta ambiental tem enorme apelo internacional e é preciso que a façamos, juntamente com a denúncia de todos os seus desdobramentos, chegar a todos os organismos mundiais competentes. A luta pela preservação da Amazônia e dos povos tradicionais do Brasil é — e precisa ser — uma luta de todo os país e de todo o mundo. O massacre precisa ser evitado. No perspectivismo ameríndio — na visão que a nós chega pelas palavras de Davi Kopenawa, de Ailton Krenak, de Raoni Metuktireos, de Eduardo Viveiros de Castro e de tantas outras vozes —, xamãs fazem sua parte para conter a queda do céu. Mas é preciso que ergamos nossas mãos e ajudemos a sustentá-lo também.
*José de Ribamar Virgolino Barroso é diretor do Sindicato dos Professores do Pará (Sinpro-PA) e coordenador da Secretaria de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

Artigo de Opinião - Violação de direitos humanos contra o povo negro e de terreiro em tempos de pandemia - Hugo Silva Caetano

Povos de terreiro historicamente foram excluídos de políticas públicas e invisibilizados 
Por Hugo Silva Caetano*, na CPT NE2
Contraditoriamente, o vírus, antes estrangeiro, sobrevoou a América Latina e vem contaminando uma diversidade de países em significativas condições de pobreza, entre os quais o Brasil vem liderando as estatísticas de mortes e superlotação de hospitais, ocupados não menos pela população preta e pobre das periferias das capitais do país.
Parte dessa população são membros de terreiros que, obrigatoriamente, tiveram que reorientar não somente as relações com a espiritualidade e com a comunidade, mas também modificar práticas comuns ao complexo religioso de matriz africana, haja vista a interrupção de ritos fúnebres, de cerimônias festivas e outros procedimentos internos não realizados nesse período.
Yalorixás e babalorixás que, em sua maioria, sobrevivem de donativos angariados pela própria religião, proporcionando o bem estar de pessoas através de consultas e rituais, estão impossibilitados de continuar realizando tarefas como ir à feira para comprar objetos, folhas e outros utensílios comumente utilizados nas práticas religiosas lá encontrados.
O que há de contraditório entre ricos viajantes e os pretos de candomblé é justamente a forma racista costumeira do tratamento dispensado aos não brancos e, partindo dessa observação, o modo como políticas públicas são organizadas para atender classes minoritárias.
Segundo matéria do jornal O Globo, de 21 de junho de 2020, a maioria dos estados brasileiros não tem informações sobre raça/etnia das vítimas de covid 19.
Tal situação denuncia não apenas a despreocupação com dados que atestam as condições de pobreza e insalubridade da população negra no tocante à saúde pública como coloca em relevo a histórica exclusão dessa população em diversos âmbitos do direito.  
Povos de terreiro historicamente foram excluídos de políticas públicas e invisibilizados não somente do cenário religioso nacional.
A motivação da invasão e derrubada de templos acontecida recentemente em terreiros de umbanda e candomblé não está desvinculada de uma visão massificada do negro como uma classe inferior e desprovida de direito. Essa é uma visão que reproduz os primórdios da escravização de africanos em tempos de colonização.  
Motivada pela marcada intolerância religiosa hegemonicamente evangélica, essas ações vêm dando sinais da vulnerabilidade porque passa a grande maioria da população de periferia no Brasil.
Em Salvador (BA), um pastor evangélico vem divulgando nas redes sociais, em tom raivoso e impositivo, a retirada do povo de santo da gestão do projeto do Parque em Rede Pedra de Xangô, localizado no bairro de Cajazeiras, com a justificativa da laicidade religiosa, fato que denuncia mais uma vez a tentativa de manutenção da hegemonia cristã e neopetencostal na condução dos projetos políticos apoiados pelo atual governo federal e pela direita conservadora escravagista.
O modus operandi de pastores e da bancada evangélica, em parceria com setores conservadores, não tem permitido o avanço de políticas públicas que permitam uma agenda mais plural e progressista, que garanta a participação dos diversos grupos que compõem a sociedade brasileira, incluindo os povos de terreiro.
Nesse sentido, não se pode tratar as questões raciais desfocadas da questão do direito humano. O que acontece com a maioria da população negra, incluindo os povos de terreiro, não está desfocado de uma concepção capitalista e neoliberal, que prioriza o lucro e a riqueza de poucos em detrimento do sacrifício de uma maioria. 
As práticas de discriminação perpetradas contra a população negra fazem parte de um racismo estrutural, desenvolvido historicamente para viabilizar formas de inferiorização das camadas populares não brancas, as quais dificultam a inserção desses sujeitos nos diversos campos do direito, seja na educação, na economia, na cultura e na saúde.
Quando se trata de saúde pública, mesmo que se considere a importância dos protocolos orientados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde no Brasil, nenhum diálogo com as diversas culturas tradicionais, como as religiões de matriz africana, deve ser realizado sem a escuta desses grupos, mesmo que seja para dizer da importância dos cuidados com a saúde coletiva. 
Apesar da falta de diálogo com esses povos, diversos terreiros têm elaborado estratégias para o enfrentamento da covid 19, como a doação de cestas básicas, bem como dialogado, autonomamente, com os membros da comunidade e outras pessoas que procuram auxílio nesse tempo de conflito emocional. 
Nesse aspecto, as comunidades tradicionais vêm encontrando formas de promover o direito, mesmo sem a existência de políticas públicas efetivamente específicas para esse setor. Essa ação torna-se uma alternativa de combater práticas comuns de racismo, de incluir a população de terreiro e de lutar contra os abusos cometidos pelo Estado conservador.
Situações desse tipo contribuem para que a sociedade esteja atenta às formas de mascaramento do racismo, assim como intensificam as estratégias de enfrentamento  e de mobilização dos terreiros, do movimento social, da educação, através das universidades e da escola, e fazer valer a lei que garante a igualdade de direitos de todos os brasileiros perante à constituição.
*Hugo Silva Caetano é ogã de Ogunjá do Terreiro Ilê Axé Ogum Ominkayê e professor de Filosofia SMED/Salvador.

Artigo de Opinião - Bolsonaro não é louco. Por Ruth de Aquino


Vamos chamar a coisa pelo nome. O presidente eleito por milhões de brasileiros não é louco. Psicóticos e neuróticos podem ser classificados assim. Eles sofrem e enxergam o sofrimento do outro. Eles não têm método. Bolsonaro é diferente. Pelos estudos da psiquiatria inglesa no século XIX, Bolsonaro se encaixaria em outra categoria: a dos psicopatas.
Conversei com o psicanalista Joel Birman para entender essas fronteiras entre transtornos mentais. “A psicopatia não é uma loucura no sentido clássico, mas uma insanidade moral, um desvio de caráter de quem não tem como se retificar porque não sente culpa ou remorso”. Os psicopatas são “autocentrados, agem com frieza e método”. “Não têm empatia em relação ao outro, o que lhes interessa é o que lhes convém”. A palavra psicopatia vem do grego psyché, alma, e pathos, enfermidade.
A pandemia só tornou esses traços de Bolsonaro mais gritantes. Desde os primeiros grandes gestos do presidente, ficou claro, disse Birman, que seus atos “são marcados por crueldade e violência”. Proposição de liberar fuzis para civis. Proposição de acabar com os radares nas estradas. Proposição de não multar a falta de cadeirinha para crianças. Proposição de acabar com os exames toxicológicos para motoristas de caminhão, ônibus e carretas. Proposição de legalizar o garimpo predatório nas florestas e terras indígenas. Tudo isso é um atentado à vida.
Eu poderia lembrar o que muitos teimam em esquecer. Que Bolsonaro já era assim antes de ser eleito. Quem defende torturador e condena as vítimas, publicamente, no Congresso, não é uma pessoa que preza a vida. Não surpreende, portanto, que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, denuncie, sem meias palavras, a “política genocida” de Bolsonaro. O presidente pode trocar seu ministro da Saúde, mas será barrado pelo STF se insistir em condenar o isolamento social e ameaçar a saúde pública.
Ao criar uma realidade paralela, Bolsonaro desfruta sua liberdade de ir e vir sem se importar com as consequências de seu exemplo. Não só para velhos mas para jovens que também não resistem ao vírus. Ele refuta a ciência, ignora as normas sanitárias nacionais e internacionais, receita remédios polêmicos sem autoridade para isso, ironiza quem se isola, chamando a mim e a você de “moleques”. Coloca em maior risco os pobres e vulneráveis. O presidente é uma temeridade ambulante.
Ao se recusar a divulgar o resultado de seu exame, despreza a população, se acovarda e age diferente dos homens públicos que honram seus cargos. Pode até ser que esteja imune após uma versão branda da Covid-19 e por isso se sinta apto a saracotear pelas ruas e padarias, mexendo em dinheiro e comida, enxugando o nariz e apertando as mãos do povo aglomerado. Bolsonaro não é tosco. Nem burro. Nem inconsequente, leviano ou louco. Vamos chamá-lo pelo adjetivo correto? Bolsonaro é perverso, ao estimular um comportamento de altíssimo risco.
A OMS classifica a psicopatia como um transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais. A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, autora do livro Mentes perigosas, diz que a “psicopatia não é uma doença, é uma maneira de ser”. O psicopata, segundo ela, sempre vai buscar poder, status e diversão. Enxerga o outro apenas como um objeto útil para conseguir seus objetivos.
Todos nós precisamos reagir a Bolsonaro. É urgente. Não podemos nos tornar cúmplices no crime de lesa-humanidade. Omissão também mata.

Suástica desenhada no interior da bandeira do Brasil foi removida após recomendação de promotores públicos de Düsseldorf. Foto: DW


Jornal O Globo - 18 de abril de 2020

Carta de João Bosco


“Peço desculpas aos que têm me procurado hoje. Não tenho condições de falar. Aldir foi mais do que um amigo pra mim. Ele se confunde com a minha própria vida. A cada show, cada canção, em cada cidade, era ele que falava em mim. Mesmo quando estivemos afastados, ele esteve comigo. E quando nos reaproximamos foi como se tivéssemos apenas nos despedido na madrugada anterior. Desde então, voltamos a nos falar ininterruptamente. Ele com aquele humor divino. Sempre apaixonado pelos netos. Ele médico, eu hipocondríaco. Fomos amigos novos e antigos. Mas sobretudo eternos. Não existe João sem Aldir. Felizmente nossas canções estão aí para nos sobreviver. E como sempre ele falará em mim, estará vivo em mim, a cada vez que eu cantá-las. Hoje é um dos dias mais difíceis da minha vida. Meu coração está com Mari, companheira de Aldir, com seus filhos e netos. Perco o maior amigo, mas ganho, nesse mar de tristeza, uma razão pra viver: quero cantar nossas canções até onde eu tiver forças. Uma pessoa só morre quando morre a testemunha. E eu estou aqui pra fazer o espírito do Aldir viver. Eu e todos os brasileiros e brasileiras tocados por seu gênio.”

João Bosco - 04/05/2020

Você sabia disso? - Um problema de cor - Revista Carta Capital - 11 de julho de 2020







Artigo de Opinião - O capitalismo transforma doença e morte em oportunidades - Esther Solano


Uma amiga muito querida me enviou uma mensagem com raiva, com tristeza, com angústia. A história era a seguinte. Minha amiga é uma ótima profissional, mãe de um filho pequeno e trabalha em casa de forma online desde o começo da pandemia. A quantidade de trabalho atual tem sido o triplo do normal. Trabalha virtualmente, trabalha na manutenção de sua casa e trabalha cuidando de seu filho. Tudo ao mesmo tempo, em paralelo, sem distâncias nem direito a descansos. A única coisa que não cabe nessa vida multitarefa imposta para a minha amiga é cuidar dela própria.
Acontece que o chefe dela, com a empatia de um mosquito, havia lhe “sugerido” que podia trabalhar para além de suas horas designadas, porque “estava em casa” e não perdia tempo em deslocamentos e outras formas de vida “não produtivas”. Lógico, não? Detalhe: o chefe é homem, branco, com grana e sem filhos sob seus cuidados. O raciocínio é bem simples: você está aí comodamente trabalhando no sofá, qual é o escândalo em trabalhar um pouco mais?

Minha amiga, mulher que admiro, teve um papo reto com o chefe e explicou a situação. Imagino que o chefe tenha pensado que ela era histérica, louca ou exagerada. Mulheres que não escutaram alguma vez na vida esses adjetivos indignos e asquerosos, que o patriarcado nos joga como pedradas, que levantem a mão. Nenhuma, né? Vários estudos elaborados durante a pandemia indicam que as mulheres com filhos pequenos são as principais vítimas do trabalho online. Elas, sempre as mesmas vítimas, aos milhões, silenciosas, esquecidas na maternidade, no machismo, no abuso da lógica do hiperprodutivismo.

A produtividade no mundo tem caído de forma brutal e isso é intolerável. A loucura é tanta que nós mesmos nos cobramos se, no meio a este horror, passamos um dia sem produzir algo mercadologicamente aceitável. Passar o dia descansando, conversando com a família que se confina conosco, cuidando de nossa saúde mental, namorando, fazendo nada, é inconcebível. O fazer nada é inaceitável.

O trabalho virtual me parece ser uma das potenciais “furadas” desta pandemia. Inegavelmente necessário para evitar uma contaminação massiva, temo que ele se torne parte da lógica da produtividade online na vida pós-pandemia: se você trabalha de casa, por que não trabalhar um pouco mais? Por que não ter um salário um pouco menor? Sabemos como esse tipo de história termina, com os mesmos de sempre pagando a conta das crises e os mesmos de sempre ganhando dinheiro com elas. Desesperador.

Começam a pipocar globalmente, além do mais, outras modalidades de capitalismo pandêmico. Inauguram-se em algumas cidades lojas especializadas em produtos Covid. As grifes mais importantes produzem máscaras. Aparentemente uma máscara da Loewe protege mais contra o coronavírus do que uma máscara sem marca. Que coisa curiosa. O bicho é repelido por um desinfetante Gucci mais do que por um comprado no supermercado Extra. Hotéis, restaurantes e outros serviços ao redor do mundo cobram uma inventiva “taxa-Covid”. Espera-se que o cliente pague docilmente, domesticado, submisso, sem perguntar nada, o preço extra por um local e um atendimento “Covid free”. O capitalismo é especialista em precificar o medo e transformá-lo em mercadoria. E o medo agora é planetário, imaginem a oportunidade. O capitalismo se constrói na absoluta certeza de que os consumidores somos imbecis irremediáveis. Talvez sejamos mesmo.

A doença e a morte são oportunidades de ouro para o capital. A gente enterra nossos mortos, aliás, nem enterrar nossos mortos podemos em meio à pandemia, e o sistema pensa em como lucrar com o horror. É impressionante como o capitalismo sobrevive a tudo e sempre parece sair mais forte a cada crise, a cada abalo, com uma capacidade de metamorfose que deixa qualquer gênio de queixo caído. Confesso que me dá um desânimo gigantesco quando vejo que tudo é mercado, tudo é preço, tudo é produção. Nem ficar doente se pode. Nem morrer pode.

O que pode esta Língua ? - Célebro ou Cérebro?

A forma correta de escrita da palavra é cérebro. A palavra célebro está errada. O substantivo masculino cérebro se refere ao órgão mais importante do sistema nervoso central dos animais, ou seja, à maior parte do encéfalo. Refere-se também à capacidade intelectual das pessoas, sendo sinônimo de inteligência, gênio, intelecto, cuca, percepção, entendimento, mente,… Pode indicar ainda um mentor intelectual, ou seja, o cabeça da atividade, bem como juízo, siso, tino.

A errada pronúncia de célebro em vez de cérebro é um erro de fonética e se deve a uma troca entre a consoante r e a consoante l. Este tipo de erro é frequente no português, sendo considerado um erro de ortoépia, ou seja, erro na correta articulação dos grupos vocálicos e dos fonemas consonantais.

A palavra cérebro tem sua origem na palavra em latim cerebrum, devendo assim ser escrita com r na segunda sílaba, não com l (cé-re-bro). Também assim deverão ser escritas as palavras cognatas de cérebro, como cerebral, cerebralizar, cerebrino, cerebrite, cerebração,…

Exemplos:
Devemos exercitar nosso cérebro com leitura, memorização, cálculos,…
O cérebro humano se divide no hemisfério esquerdo e no hemisfério direito.
O cérebro masculino é maior do que o cérebro feminino.

Não confundir!
Não existe a palavra célebro, mas existe a palavra celebro, forma conjugada do verbo celebrar na 1ª pessoa do singular do presente do indicativo: eu celebro. A sílaba tônica da palavra celebro é a sílaba le, sendo uma palavra paroxítona.

Palavra relacionada: cérebro.