quarta-feira, 24 de julho de 2019

Charge


Charge



Você sabia disso? - Como um advogado se tornou um influenciador de leitura


Pedro Pacífico acumula seguidores em redes sociais falando de livros

A leitura nunca foi algo incomum para mim. Gostava de ler, mas não tinha um ritmo certo e ficava meio perdido na hora de escolher um livro. Acabava olhando as listas de mais vendidos e achava que, por serem os mais vendidos, lá também estariam os melhores. Também tinha vários preconceitos literários. Aquele trauma de quem precisou ler clássicos para o vestibular, por obrigação, que eu achava difíceis e chatos. Não tinha um hábito regular e, acima de tudo, não conversava sobre literatura com ninguém. Esse é um grande problema de nossa geração. Não falamos sobre a leitura. As coisas só começaram a mudar quando eu passei a conhecer alguns perfis literários nas redes sociais.

Sou advogado, tenho 26 anos, me formei na Universidade de São Paulo ( USP ) e minha rotina é muito corrida. As pessoas até têm essa imagem de que quem estuda Direito lê muito. Até lê, mas muita coisa técnica. A leitura por prazer é diferente.

Há uns quatro anos, querendo ler mais, comecei a pesquisar. Será que existe gente que recomenda livro? Eram pessoas mais ligadas ao mundo das letras. Muitas falavam sobre autores clássicos que não me interessavam, outras sobre contemporâneos que eu não conhecia, mas, pouco a pouco, as coisas começaram a se desmistificar para mim e passei a ir a uma livraria com um pouco mais de noção sobre o que escolher. Um dia escolhi Valter Hugo Mãe, por exemplo, que tinha uma escrita mais poética e desafiadora, e O estrangeiro , de ( Albert ) Camus, um clássico da literatura francesa. “Vou ver no que vai dar”, pensei. Para minha surpresa, comecei a gostar muito. Esses livros não tinham nada de difícil. Quando o hábito foi se consolidando, algo curioso aconteceu. A leitura começou a ser um assunto de meu dia a dia. E isso me fez querer ler muito mais. Então, de sete livros por ano, passei para 25, depois 35.

Ainda que eu tentasse falar de livros, as pessoas a meu redor nem sempre cultivavam o mesmo hábito. E os perfis que eu seguia, eu mais ouvia do que me comunicava. Foi aí que criei o perfil do @book.ster. Primeiro, anônimo. Pensava que as pessoas, se soubessem que eu havia criado um perfil literário, me achariam um doido. Fato é que criei o perfil e passei a postar minha experiência sobre os livros que lia. Não se trata de crítica, não sou um crítico. Sou um leitor comum. Com essas postagens, quando me dei conta, tinha mais de 10 mil seguidores e estava recebendo livros de editoras. Ainda anônimo. Até que me descobriram. Um amigo passou a seguir o perfil e me viu em um dos vídeos que postei. Aí tive de contar para todo mundo. Meus pais, minhas irmãs, meus amigos. Ninguém sabia. Um efeito prático dessa descoberta é que muito rapidamente meus amigos, minha família e pessoas que convivem comigo passaram a ler mais. Com dois anos de perfil, tenho mais de 100 mil seguidores.
“ACIMA DE TUDO, O QUE A LEITURA ME TROUXE FOI A EMPATIA, A CAPACIDADE DE ME COLOCAR NA CONDIÇÃO DO OUTRO, DE PASSAR A COMPREENDER E RESPEITAR O OUTRO PELO QUE ELE É. VOCÊ ACABA VIRANDO UMA PESSOA MUITO MAIS TOLERANTE E COM COMPAIXÃO”

Capitães de areia foi um livro que eu já tinha lido na escola, não tinha amado e decidi reler. E enxerguei-o com outros olhos. A máquina de fazer espanhóis , de Valter Hugo Mãe, é outro que me transformou. Pois me abriu os olhos para livros que achava que seriam muito difíceis e que não conseguiria ler. Quando as pessoas me perguntam o que a literatura me trouxe de bom, elas tentam vincular isso a alguma coisa concreta, como escrever melhor no trabalho, por exemplo. E, de fato, a literatura me ajuda na profissão porque me dá uma bagagem maior de conhecimento. Mas não é isso o mais importante. Acho que, acima de tudo, o que a leitura me trouxe foi a empatia, a capacidade de me colocar na condição do outro, de passar a compreender e respeitar o outro pelo que ele é. A partir do momento em que leio um livro de uma garota que nasceu na Somália e conta sobre ter sofrido mutilação genital quando criança e ter se casado com 13 anos, passo a enxergar as coisas sob o ponto de vista dela, um ponto de vista que eu jamais conseguiria ver. Isso muda nossa cabeça. Você passa a ver o outro, a entender suas dificuldades. Você acaba virando uma pessoa muito mais tolerante e com compaixão. Você entende o que o outro faz e desconstrói seus preconceitos.
O que começou como hobby acabou virando também um segundo trabalho. Apesar do mercado em crise, tenho feito parcerias com editoras e com grandes e-commerces, como a Amazon, em que ganho em cima dos livros que indico. Em muitos casos, quando indico, o livro se esgota — mesmo quando é literatura russa. Indiquei tanto os livros do Valter Hugo Mãe, de quem sou grande fã, que meus seguidores passaram a agradecer a ele, que começou a me seguir no Instagram. Passei a compartilhar com ele alguns comentários que recebo de seguidores sobre os livros e, um belo dia, ele me disse que queria me encontrar para um café. E me deu como presente um desenho que fez. É um baita reconhecimento, fiquei muito emocionado. Além de escritores, comecei a ver que formadores de opinião passaram a me seguir, como o Pedro Bial e o Luciano Huck. Hoje, quem aproxima o autor do leitor não é mais o intelectual inacessível, que fica num pedestal. A literatura precisa ser para todo mundo, não só para quem faz letras. As pessoas precisam saber que ler é para todos, seja o autor um russo, um africano ou algum ganhador de Nobel.

Muitas pessoas me perguntam que livros elas “devem” ler. Penso que você tem de ler o que gosta. Já me pediram para ler Olavo de Carvalho. Eu não leio Olavo de Carvalho porque não tenho vontade, neste momento, de saber as opiniões dele. Talvez um dia eu até leia para conhecer. Mas penso que tem tanto livro que quero ler, tanta coisa boa, que não faz sentido ficar lendo o que não quero.

Ler tem de ser um hábito diário. Não precisa ler três horas por dia. Três páginas, para quem tem rotina corrida, já é um bom começo. Não precisa deixar de sair, deixar as séries, deixar a academia. Basta ficar 15 minutos a menos no celular.

Artigo de Opinião - Dilema Moral

Como se separa a reforma da Previdência das gravíssimas investidas deste governo contra a imprensa, contra o Congresso, contra as instituições de nossa democracia?