quarta-feira, 15 de julho de 2020

Artigo de Opinião -É a Ciência, estúpido


Artigo de Opinião - Como vencer o racismo institucional


“Racismo institucional no mapa da violência
Execuções sumárias quase sempre vítimas pretas
A desigualdade não é só social
É sistêmica e cultural étnico racial
Homicídios entre nós naturais banais
Violações de direitos julgamentos marginais
A agenda do governo ignora com intenção
Nenhum compromisso com a reparação.”
(Genocídios, Vera Veronika)


A luta contra o racismo institucional passa por mudanças que dependem diretamente dos espaços de tomada de decisão da sociedade. O racismo é tão institucionalizado entre nós que, quando alguém tenta questioná-lo, geralmente recebe a violência como resposta. Aconteceu novamente no episódio em que um deputado federal atacou um quadro com imagem que chamava a atenção para o alto número de jovens negros mortos em razão de intervenção policial, numa exposição em plena Câmara dos Deputados. Foi mais um triste exemplo do quanto o questionamento de uma ordem que banaliza a violência contra a população negra pode incomodar.

A obra vandalizada trazia uma ilustração do cartunista Carlos Latuff. Mostrava em primeiro plano um homem negro, estirado no chão, vestindo a camisa do Brasil, algemado, e ao fundo um policial com a arma ainda fumegando na mão. A arte atacada não tem o condão de ofender os policiais, mas de ilustrar um problema que nos acompanha há séculos: o racismo fortemente institucionalizado nas instituições policiais.

Vivemos num país em que as principais vítimas da violência são os jovens negros. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 100 pessoas assassinadas em nosso país, 75 são negras. Enquanto o índice de homicídios segue estável ou cai entre não negros, cresce mais de 33% entre os negros. A chance de um jovem negro ser assassinado é 2,7 vezes maior do que a de um jovem branco. Ainda de acordo com os dados, 75,4% das pessoas mortas em razão de intervenção policial são negras.

A charge atacada não faz nada mais do que ilustrar esse problema — com grande maestria, diga-se de passagem. Um problema denunciado há décadas pelas rimas e pela arte das minas e dos manos da periferia, como na estrofe que abre este texto.

No lugar de tentar esconder a dura realidade, o parlamentar deveria utilizar o espaço que ocupa para identificar soluções para o problema. Infelizmente, preferiu a violência, como costumam fazer os que se beneficiam do racismo institucional quando questionados. Acompanhado de outros colegas, fez questão de demonstrar o completo desprezo que nutre pelas vidas de nossos jovens negros.

A truculência desse parlamentar e de outros segmentos sociais e políticos não será capaz de esconder os dados da nossa triste realidade. A dor e o sofrimento impostos ao povo negro estão sempre presentes nas quebradas, nas periferias e nas operações policiais.

Para mudar isso, precisamos fazer com que a sociedade pare de negar o problema, abordando a temática do racismo na formação de profissionais das mais diversas instituições, como propõe o Projeto de Lei n. 5.885, de 2019, apresentado por parlamentares negros no início do mês. Também seria fundamental aprovar o Projeto de Lei 4.471, de 2012, que põe fim ao uso dos autos de resistência, os quais têm como objetivo evitar a apuração das circunstâncias das mortes resultantes de intervenção policial.

Essas e muitas outras medidas poderiam ser adotadas para mudar a realidade ilustrada na charge, mas infelizmente não é o que pretendem parlamentares como o que atacou a exposição. Muito pelo contrário, usam seus mandatos para tentar robustecer a impunidade de policiais e militares que praticarem crimes, apresentando propostas que ampliam a excludente de ilicitude para eximir os profissionais de punição, bastando alegarem ter agido por medo, surpresa ou violenta emoção.



Os obstáculos para dar visibilidade ao problema do racismo institucional e para aprovar medidas de enfrentamento a esse problema demonstram que não superaremos essa chaga sem que negras e negros ocupem os espaços de tomada de decisão da sociedade.

É nosso povo que segue chorando seus mortos. São as mulheres negras, guerreiras que fazem um esforço sobre-humano para dar um futuro melhor para os filhos, que recebem o telefonema informando que sua criança foi atingida a caminho da escola por uma bala, apelidada de “perdida”, mas que sempre tem endereço certo.

O racismo institucionalizado na polícia e em tantas outras instituições somente será enfrentado quando tivermos no parlamento mais Marielles, Talírias, Áureas, Beneditas e menos capitães e coronéis que sobem à tribuna para exibir todo seu racismo e truculência.


https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2019/11/30/internas_opiniao,810906/artigo-como-vencer-o-racismo-institucional.shtml

Artigo de Opinião - Protestos “Black lives matter” e outras manifestações contra o racismo sistêmico e a brutalidade policial

Um apelo desesperado a uma mãe que partiu há muito tempo. Implorando desde as entranhas profundas da frágil humanidade. Respirando com dificuldade. Implorando por misericórdia. O mundo inteiro ouviu o grito trágico. A família de nações viu seu rosto bater contra o asfalto duro. Dor insuportável em plena luz do dia. Um pescoço preso sob o joelho e o peso da história. Um gigante gentil, desesperadamente agarrado à vida. Desejando poder respirar, livremente, até seu último suspiro. 
 
Como líderes africanos nas Nações Unidas, as últimas semanas de protestos pelo assassinato de George Floyd sob custódia policial, deixaram-nos indignados com a injustiça da prática do racismo que continua difundida em nosso país anfitrião e em todo o mundo.

Jamais haverá palavras para descrever o profundo trauma e o sofrimento intergeracional que resultou da injustiça racial perpetrada ao longo dos séculos, particularmente contra pessoas de ascendência africana. Apenas condenar expressões e atos de racismo não é suficiente.

Devemos ir mais além e fazer mais. 

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou que “precisamos de alçar a voz contra todas as expressões de racismo e casos de comportamento racista”. Após o assassinato do senhor George Floyd, o grito 'Black Lives Matter' [As vidas de pessoas negras importam] que ecoou nos Estados Unidos e em todo o mundo é mais do que um slogan. Realmente, eles não são apenas importantes mas são essenciais para o cumprimento de nossa dignidade humana comum. 

Chegou a hora de passar das palavras às ações. 

Devemos isso a George Floyd e a todas as vítimas de discriminação racial e brutalidade policial por desmantelar instituições racistas. Como líderes do sistema multilateral, acreditamos que nos cabe a nós falar por aqueles cujas vozes foram silenciadas e advogar por respostas efetivas que contribuam para combater o racismo sistémico, um flagelo global que se perpetuou ao longo dos séculos.
O assassinato chocante de George Floyd está enraizado num conjunto mais amplo e intratável de questões que não desaparecerão se as ignorarmos. É hora da Organização das Nações Unidas intervir e agir, decisivamente, para ajudar a acabar com o racismo sistêmico contra pessoas de ascendência africana e outros grupos minoritários “na promoção e incentivo ao respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião”, conforme estipulado no primeiro artigo da Carta das Nações Unidas. A base das Nações Unidas é a convicção de que todos os seres humanos são iguais e têm o direito de viver sem medo de perseguição.
Foi no auge do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos e durante a emergência das nações africanas independentes pós-coloniais, que ingressaram nas Nações Unidas, que a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Icerd) entrou em vigor em 1969.
Este foi um momento crucial na história. O colapso do apartheid na África do Sul, impulsionado em parte pelas Nações Unidas, foi uma das realizações de maior orgulho para a organização.
Os direitos humanos e a dignidade das pessoas negras na África e em toda a diáspora africana ressoaram como um poderoso sinal para as gerações futuras, de que as Nações Unidas não fechariam os olhos à discriminação racial nem tolerariam a injustiça e o fanatismo sob a proteção de leis injustas. Nesta nova era, as Nações Unidas devem, da mesma maneira, usar sua influência para lembrar novamente os assuntos inacabados de erradicar o racismo e instar a comunidade das nações a remover a mancha do racismo na humanidade.
Saudamos as iniciativas do secretário-geral para fortalecer o discurso global anti-racismo, que nos permitirá enfrentar o racismo sistêmico a todos os níveis, bem como seu impacto onde quer que exista incluindo a própria Organização das Nações Unidas.
Se quisermos liderar, devemos fazê-lo pelo exemplo. Para iniciar e sustentar mudanças reais, também devemos ter uma avaliação honesta de como defendemos a Carta da ONU na nossa instituição.
A nossa expressão de solidariedade está de acordo com nossas responsabilidades e obrigações como funcionários internacionais de se defender e se manifestar contra a opressão. Como líderes, partilhamos as crenças centrais e os valores e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas que não nos deixam a opção de permanecer em silêncio.
Comprometemo-nos a fazer uso da nossa experiência, liderança e mandatos para abordar as causas profundas e as mudanças estruturais que devem ser implementadas se quisermos acabar com o racismo. 
Quase 500 anos após o início do revoltante comércio transatlântico de africanos, chegamos a um ponto crítico no arco do universo moral, quando nos aproximamos em 2024 do final da Década Internacional para Pessoas de Ascendência Africana, a apenas quatro anos. Vamos usar a nossa voz para cumprir as aspirações das nossas comunidades que esperam que as Nações Unidas exerçam o seu poder moral como instituição para impulsionar a mudança global. Vamos usar nossa voz para contribuir para a realização da própria visão transformadora da África contida na Agenda 2063, que é consistente com a Agenda 2030.
A África é o berço da humanidade e o precursor das civilizações humanas. A África como continente deve desempenhar um papel definitivo se o mundo quiser alcançar o desenvolvimento sustentável e a paz. Esse era o sonho dos fundadores da Organização da Unidade Africana, que também era a forte crença de líderes importantes como Kwame Nkrumah e intelectuais eminentes como Cheikh Anta Diop. 
Nunca devemos esquecer as palavras do Presidente Nelson Mandela: "Negar às pessoas seus direitos humanos é desafiar sua própria humanidade". Vamos sempre ter em mente a advertência da líder de direitos civis Fannie Lou Hamer: "Ninguém é livre até que todos sejam livres", ecoado pelo Dr. Martin Luther King Jr., "A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares".
As suas palavras foram incorporadas mais tarde ao arco-íris da diversa nação da África do Sul, como soletrado pelo pacificador Arcebispo Desmond Tutu, quando afirmou que `` a libertação dos negros é um pré-requisito absolutamente indispensável para a libertação dos brancos - ninguém será livre até que todos sejamos livres . ”
 
(*) Todos os signatários listados abaixo são altos funcionários da ONU que ocupam o cargo de subsecretário-geral. Eles assinaram este artigo de opinião como indivíduos independentes. Este artigo não expressa a opinião das Nações Unidas.
Tedros ADHANOM GHEBREYESUS 
Mahamat Saleh ANNADIF 
Zainab BANGURA 
Winnie BYANYIMA 
Mohamed Ibn CHAMBAS 
Adama DIENG 
François Lounceny FALL 
Bience GAWANAS  
Gilbert HOUNGBO 
Bishar A. HUSSEIN  
Natalia KANEM 
Mukhisa KITUYI 
Jeremiah Nyamane MAMABOLO 
Phumzile MLAMBO-NGCUKA 
Mankeur NDIAYE 
Parfait ONANGA-ANYANGA 
Moussa D. OUMAROU 
Pramila PATTEN 
Vera SONGWE 
Hanna TETTEH 
Ibrahim THIAW 
Leila ZERROUGUI

Redação baseada na tradução do Escritório da ONU na Guiné-Bissau, Uniogbis.