domingo, 6 de setembro de 2020

Você sabia disso ? - O risco de uma catástrofe geracional

 


Não, ainda não é hora de voltar às aulas. O risco de contágio pelo coronavírus continua altíssimo. Mas como será o futuro? Como ficará o processo de aprendizado? Estamos perdendo tempo? Alguns dos principais pesquisadores do assunto no País dizem que para sair dessa enrascada educacional e pavimentar uma retomada sólida nos próximos meses, será preciso desenvolver, daqui para frente, novas modalidades de ensino híbrido, que combina atividades presenciais e não presenciais. O maior problema, porém, é que no Brasil há milhões de estudantes digitalmente excluídos, que estão, no momento, sem qualquer atividade escolar

A pandemia e o isolamento social colocaram a educação num impasse. Ou ela se transforma, porque o velho mundo acabou, ou ela não vai mais funcionar. As coisas nunca mais serão como antes e é preciso recuperar o tempo de aprendizado que está sendo perdido e estabelecer uma estratégia de retomada. É um momento de alta tensão, mas há luz no horizonte. Será necessário um trabalho duro e capacidade inovadora para superar as consequências do isolamento prolongado e oferecer para as crianças e adolescentes novas perspectivas de ensino. A volta das atividades presenciais está se iniciando em algumas cidades e, em outras, existe muita incerteza e preocupação sobre um eventual retorno. Mas independentemente do momento da retomada, o ensino, daqui para frente, se tornará cada vez mais híbrido, combinando atividades presenciais e não presenciais.

O problema é que no Brasil há uma desigualdade gritante e milhões de alunos de todos os níveis estão excluídos digitalmente. Calcula-se que um quinto dos estudantes brasileiros estejam, hoje, sem realizar qualquer atividade escolar. O desafio que se tem pela frente é mundial e tão grave, que, há duas semanas, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, disse que o mundo está diante de uma “catástrofe geracional” por causa da interrupção ou da precarização das aulas em todo o mundo. Segundo Guterres, até meados de julho, as escolas estavam fechadas em 160 países, afetando diretamente mais de 1 bilhão de estudantes. Pelo menos 40 milhões de crianças perderam a pré-escola neste ano. “Agora, encaramos uma catástrofe geracional que pode desperdiçar incontável potencial humano, prejudicar décadas de progresso e exacerbar desigualdades entrincheiradas”, disse o secretário-geral da ONU, ao lançar a campanha “Salve nosso Futuro”. “Assim que a transmissão local de Covid-19 estiver sob controle, colocar os alunos de volta às escolas e instituições de ensino, com o máximo de segurança possível, precisa ser uma prioridade”, disse. Apesar de prioritária, não há consenso de quando e de que forma ela deve ser feita. Tudo depende da evolução da pandemia. E, por enquanto, o risco é alto e não vale a pena arriscar. Pesquisa do Instituto Datafolha mostra que 79% da população são contra uma abertura precipitada.

“Para que haja a volta às aulas é necessário que a transmissão esteja em queda”, afirma o infectologista Leonardo Weissmann, médico do hospital Emilio Ribas e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). “E a situação ainda está fora de controle”. Manaus (AM), lugar onde, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, já se verifica uma tendência de desaceleração da pandemia, foi a primeira capital do País a tomar a decisão de reabrir as escolas públicas e privadas, na segunda-feira 10. Vários cuidados estão sendo tomados, como regras de distanciamento, uso de máscaras, medição de temperatura, recomendação de lavagem frequente das mãos e disponibilidade de álcool em gel. Mesmo assim, o sentimento de risco de infecção é alto e se percebe um medo generalizado dos alunos de voltar a frequentar as aulas. ”É um grande desafio fazer com que as crianças respeitem as regras durante todo o tempo”, diz Weissmann. Um estudo recém-concluído pela Escola de Medicina da Universidade de Harvard mostra que as crianças têm alta carga viral e podem ser mais contagiosas do que adultos.

Na capital amazonense, retornaram às aulas cerca de 110 mil estudantes do ensino público e 60 mil do privado. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas descartou a reabertura das escolas antes de outubro. No Rio de Janeiro, as aulas presenciais estão previstas para voltar dia 15 de setembro nas escolas privadas e dia 5 de outubro nas públicas. “Temos pouco conhecimento sobre a Covid-19 e por isso a população está contra a volta das escolas. Há insegurança e incerteza”, diz Raquel Teixeira, conselheira do Conselho de Gestão de Educação do governo de São Paulo. A capital paulista chegou a anunciar a retomada do ensino presencial, mas a reação negativa fez com que a medida fosse adiada. A volta, antes prevista para o dia 8 de setembro, será dia 7 de outubro. Baseado em pesquisas e análises de profissionais da área, o governo estadual optou pela autonomia dos municípios na gestão da crise. “Talvez, em um primeiro momento, a escola fique disponível para um, dois, três alunos e professores que precisem usufruir de uma boa internet e melhor infraestrutura”, prevê.

Para a educadora Maria Helena Castro, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), o ponto de partida da retomada das aulas é o respeito às decisões das autoridades sanitárias. “A preocupação da ONU com uma catástrofe é real e o maior problema imediato que temos é a evasão dos alunos do ensino médio”, diz. “Estudantes mais vulneráveis, com dificuldade de acesso à internet, poderão ser prejudicados pelo resto da vida”. Em 2018, o índice de abandono, no primeiro ano do ensino médio, foi de 28%. Os desistentes, em geral, são adolescentes com atraso escolar e idades que variam de 16 a 18 anos. A pressão sobre esse grupo, que já é alta, devido ao abandono da escola para entrada no mercado de trabalho, se intensificou mais com a pandemia e causou perda de motivação e dificuldades adicionais para continuar nos estudos. Segundo Maria Helena, a desistência nessa fase da vida estudantil é verificada em várias partes do mundo. Em Nova York, diz, 20% dos alunos abandonaram o curso.

Maior desigualdade

Maria Helena também destaca que se a retomada não for bem feita pode aumentar a desigualdade escolar, um problema grave do sistema de ensino. Atualmente, 85% dos 48 milhões de estudantes brasileiros estão em escolas públicas. É esse grupo que está sendo mais afetado pela interrupção das atividades presenciais. Nas escolas privadas, que contam com as ferramentas necessárias para desenvolver atividades remotas, os avanços em direção a um modelo de ensino híbrido foram intensificados. Há, também, apoio de consultorias, prestadas por hospitais como Albert Einstein e Sírio Libanês, para estabelecer protocolos de retorno personalizados. Na rede pública, porém, a situação é diferente e bastante desigual. Além do ensino médio, os alunos de alfabetização também formam um grupo com alto risco de sofrer graves prejuízos com a interrupção das atividades presenciais. São estudantes que precisarão de uma educação intensiva e de um plano individual de recuperação. “O ano não está completamente perdido, os alunos estão desenvolvendo habilidades socioemocionais e se familiarizando com atividades remotas e interativas”, diz Maria Helena. “Daqui para frente, o grande desafio da escola pública será garantir a conectividade”.

Na zona sul da capital paulista, Catarina, Eduarda e João, 11, 8 e 6 anos, respectivamente, vivem o ensino à distância de maneiras distintas. João, o caçula, que está em fase de alfabetização, é o pólo mais fraco quando a questão é estudo remoto. A pouca idade faz com que ele fique irritado e disperse muito mais rápido do que os outros irmãos.

Para João, computador virou sinônimo de incômodo. A tela não é atrativa, os amiguinhos estão distantes e o professor já não mais acompanha ao vivo o seu desenvolvimento. “Dos meus três filhos, o João é o que mais está sofrendo, principalmente porque ele está começando a vida escolar”, diz Paulo Curio, diretor executivo do aplicativo iFood. Dentro do apartamento, Curio pôde observar o ensino remoto pela perspectiva de três faixas etárias diferentes e viu que, com os mais velhos, ela é eficaz. De qualquer forma, a rotina está tumultuada. E a imediata volta às aulas é descartada. “É muito difícil não ter essa vontade para que eles voltem, mas gostaria de um horizonte mais claro. Não tem a menor possibilidade de a escola ser normal até todo mundo estar vacinado”, diz Curio.

“Um legado da pandemia será o ensino híbrido. Vamos integrar a tecnologia com a aprendizagem presencial”, diz Mozart Neves, professor catedrático da USP. O coronavírus está possibilitando um jogo de tentativa e erro para a construção de um novo modelo escolar. As mudanças feitas no susto, a partir da pandemia, poderão se tornar um bom caminho para traçar novas metas e possibilidades de desenvolvimento para os alunos. A tecnologia, antes vista como adversária de um modelo tradicional, passou a ser a principal aliada de estudantes e professores. Sendo assim, o ensino presencial e o não presencial passarão a andar juntos. “O mundo digital faz parte do século XXI. Dizer que isso não fará parte da educação daqui para a frente é desconsiderar tudo o que foi feito ao longo da pandemia”, diz Neves. A ideia é transformar o aluno em tempo integral, para que os recursos presenciais e tecnológicos andem lado a lado, de forma a melhorar o desempenho. “Só o online não funciona, mas uma junção dos dois seria uma melhora importante”, diz Rodrigo Portella, estudante de 15 anos da rede privada que não vê a hora de retomar as atividades.

“Eu só aprendo 40% com o conteúdo tecnológico”. A empresária e mãe do adolescente, Juliana Portella, acompanha o desespero do filho de perto e, por isso, acredita que o ano letivo só será recuperado em 2021. “Se as escolas em São Paulo reabrirem agora serão só três meses de aulas antes das férias, o que vai impactar no aprendizado”, diz. Mesmo em meio a uma terrível crise sanitária, está todo mundo descobrindo novas formas interativas e interessantes de ensinar e aprender à distância. Ainda que o quadro de enorme desigualdade educacional que existe no Brasil tenda a se agravar e o risco de uma catástrofe geracional seja real, a experiência da pandemia contribui para transformar a escola, num movimento sem volta. Silenciosamente, a educação está sendo reinventada.

Se já não bastasse o conturbado cenário do ensino brasileiro, o ministro da Economia Paulo Guedes propôs uma reforma tributária que prevê uma taxação de 12% em livros, que eram isentos de impostos desde 2004. Detalhe: em um País em que a média de leitura é de somente dois livros por ano. Ainda assim, o ministro diz que isso beneficiaria a economia porque os consumidores pagarão mais impostos. Só que a matemática desse cálculo é clara: livros mais caros, menos leitores.

Revista Isto É - 26 de agosto de 2020 


Crônicas do Dia - Venha encher minha boca de porrada, Bolsonaro!

 Porque eu também quero saber: por que a sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz? Não entendeu? Quer que eu pergunte de novo? Então aí vai: presidente, por que a sua esposa, Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz? Me diga mais: e seu filho, dono de laranjal, operador de rachadinhas, o pimpolho Flávio Bolsonaro, tenta esconder e manobrar para não ser preso por qual razão? Aqueles 1.512 depósitos feitos em dinheiro vivo na lojinha de chocolate do filhote senador e aplicados na boca do caixa para esconder as manobras do fisco em pequenas quantias a cada lançamento se deu a troco de que? Desembolso aos milhões, capaz de pagar apartamento, salinhas comerciais, despesas familiares, escolas das filhas, médicos, hospitais. Tem até cheque de milícia armada e criminosa, presidente! Algumas de suas ex-mulheres também receberam. O outro rebento, Carluxo, idem. A família inteira metida na boquinha do dinheirinho fácil e marginal, tomado em esqueminhas chulos de servidores públicos que lhe prestavam vassalagem. Diáconos de um clã político baixo clero cujas revelações vêm se multiplicando aos montes e o senhor não quer responder? Vai ter de dar muita porrada na boca de muita gente para saciar tantas perguntas que surgem dos abusos em série. Até seu advogado, Frederick Wassef, e o amigão dileto de décadas de pescaria Queiroz dividem a cena das tramoias, milimetricamente armadas fora da ordem legal. Presidente, não adianta ser tão arrogante – autoritário como sua natureza sempre demonstrou. Isso não lhe ajudará a esconder a incongruência de atos desabonadores. Entenda que o papel público que lhe foi outorgado não é para déspotas. Não nos tempos de hoje, nem em uma democracia. A braveza e valentia caricatas, de arrabalde, deveriam ficar circunscritas àquelas encenações que antes o senhor fazia para recrutas da caserna. A vida civil pede compostura.

Você sabia disso ? - Caos na Educação

 


O Brasil vive uma das situações mais críticas de sua história na área do ensino, com escolas fechando as portas, faculdades demitindo e alunos sem aulas — até mesmo as virtuais. Tudo isso coloca em risco não apenas as gerações do amanhã, mas o próprio desenvolvimento do País

Crônicas do Dia - Cedilha é çuçeço

 Mario Frias, mal açumiu o cargo e disparou em seu twitter uma mençagem parabenizando o ministro da Infraestrutura, Tarçísio de Freitas, por ter açinado a conçeção de estradas em Çanta Catarina: “Parabéns, Tárçísio, Santa Cararina agradeçe”. Agradeçe, açim, com çedilha.

Crônicas do Dia - A série

 O roteirista e seu agente entram na sala de reuniões com o frio na barriga de um ator quando sobe ao palco.

Uma mesa com dezesseis cadeiras, só duas vazias, para eles.

Na sala de espera, o agente repete o conselho:

– Não enrola. Essa gente é muito ocupada. A Netf….

– A Netflix é a nova Hollywood… já sei, já sei, você já me disse umas 300 vezes.

A reunião era para apresentar, para o canal, a sinopse de uma série-documentário, em oito episódios, sobre o Brasil de Bolsonaro.

O roteirista inicia a apresentação com um PowerPoint feito especialmente para a reunião.

– A série, como os senhores sabem, trata do Brasil durante o governo Bolsonaro. O primeiro episódio é exatamente no dia da posse e apresenta a rotina do presidente adaptando-se ao Palácio do Planalto, cenas prosaicas como seu café da manhã passando leite condensado no pão, combinadas com reuniões de nomeação dos ministros. Destaque ao ministro Moro, o juiz da Operação Lava Jato e responsável pela prisão de Lula.

Os americanos conversam entre si.

Um deles até já tinha ouvido falar do Lula.

Outro explicou que leite condensado é o que se usa para fazer “bregaderou”

O agente, discretamente, gesticula para que o roteirista acelere.

– No segundo episódio faremos um flashback contando a campanha para presidente.

O slide mostra um clip com cenas reais, legendadas. Termina com o presidente dizendo que não entende nada de economia e que para isso escolheu o ministro Paulo Guedes.

Neste ponto o roteirista improvisa para explicar o significado de “Posto Ipiranga”.

Os americanos riem, divertidos.

A apresentação continua mostrando tudo que já conhecemos.

A ideia de nomear o filho sem experiência para embaixador em Washington, as primeiras reações do presidente à pandemia, as entrevistas no cercadinho, a saída do ministro Moro.

Conversam entre eles, passam notas, e em algumas cenas, como nos erros de português do ministro Weintraub, riem a valer.

O roteirista está transpirando.

Olha para o agente tentando entender porque estão todos rindo, mas o agente, como bom negociador, já assumiu o clima dos anfitriões e conta sobre o dia em que a ministra Damares disse que viu Jesus num pé de goiaba.

A sala explode em gargalhadas.

A apresentação continua.

O roteirista, tentando dar a devida seriedade ao assunto, apresenta um clipe da reunião de abril e os impropérios ditos pelo presidente.

Um dos executivos sugere que na produção final, o texto seja suavizado para que a série possa ser vista por um público mais jovem.

Bom sinal, pensa o agente.

A apresentação vai chegando ao fim

A apresentação vai chegando ao fim, com a fuga do ministro Weintraub para Miami e as mentiras apresentadas pelo ministro Carlos Alberto Decotelli em seu currículo.

As risadas agora são uma constante.

Confuso, o roteirista conclui dizendo que a série dá margem a uma segunda temporada, com o que acontecer daqui para frente.

A sala explode em aplausos.

O principal executivo, na ponta da mesa toma a palavra:

– Parabéns! E que grata surpresa. Acreditávamos que seria um documentário e vocês trouxeram uma comédia que é exatamente o gênero que está faltando na nossa grade!

Conclui informando que a série está aprovada e que a produção deve começar o quanto antes.

Saindo da reunião, o roteirista pensa em dizer que não fará parte daquela farsa.

A série é um documentário e não uma comédia. Ele tem um nome a zelar.

Mas seu bolso fala mais alto e ao invés disso, pergunta ao agente:

– Acho que não rola mais o Fagundes pro papel de presidente, né?

O agente não responde. Estava mandando um WhatsApp para o Marcelo Adnet.


Mentor Neto - Revista Isto É - 08 de julho de 2020 

Entrevista - José Vicente - "Há uma verdadeira limpeza étnica contra os negros"

 O professor e empresário José Vicente, 61 anos, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, atua de maneira destacada na valorização da educação inclusiva e equânime da população historicamente abandonada. Esse é o tema de sua vida: a condição dos negros brasileiros e tudo que permeia essa questão. “Em todos os espaços de poder, as pessoas negras são minoria, seja dentro do ambiente empresarial, seja nos três Poderes da República, seja em qualquer instituição pública ou privada”, disse José Vicente, em entrevista à ISTOÉ. A estrutura de comando universitário segue essa regra. José Vicente está entre os poucos reitores negros do Brasil e o único de uma instituição privada. Ex-bóia-fria, ex-policial e educador por excelência, ele discorre linearmente sobre o Brasil e os EUA explicando quais são as razões que levaram a ações de barbárie, quase diárias, que o mundo inteiro viu pela imprensa. Para o professor, a selvageria que vitimou George Floyd, em Minneapolis, e a violência que atingiu o menino João Pedro, no Rio de Janeiro, pertencem à mesma matriz ideológica. Ao falar sobre políticas, especificamente a respeito do governo Bolsonaro, ele é contundente. “O governo já tornou público que não tem nenhuma disposição para resolver a questão da discriminação e do racismo. Pelo contrário, tem reservas”, afirma. “Com Bolsonaro não é permitido o livre pensamento. Esse é o governo da negação”.