terça-feira, 23 de agosto de 2016

Crônicas do Dia - As faixas e as vaias da discórdia - Ruth de Aquino

Mal os brasileiros haviam enxugado lágrimas de emoção verde-amarela pela abertura olímpica que exaltava a tolerância e celebrava “nossas diferenças”, duas polêmicas mostraram que nós não somos bem assim. As faixas políticas e as vaias esportivas revelaram o que já sabemos. Nossas paixões transcendem regras, leis e padrões de conduta. Somos indisciplinados, metidos e provocadores.

O Sistema de cotas raciais é injusto ?




O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa duas ações que pedem a anulação da política de cotas raciais no Ensino Superior. Atualmente 34 universidades públicas mantem ações afirmativas no vestibular voltadas para estudantes negros. Opositores e defensores do sistema encaminharam abaixo - assinados ao STF defendendo suas posições. Conheça trechos de cada texto. 

Acham que SIM 

113 Cidadãos Anti - Racistas contra as Leis Raciais

Questão sócio - econômica - São diferenças de renda, com tudo que vem associado a elas, e não de cor, que limitam o acesso ao ensino superior. As cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias. Proporcionam a um candidato definido como negro a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como branco, mesmo se o primeiro provier de família de alta renda e o segundo provier de família de baixa renda.

Genética - Raças humanas não existem. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de dez genes. Não é legítimo associar a cor da pele a ancestralidades e afirmar que as operações de identificação de "negros" com descendentes de escravos e com "afrodescentes" são meros exercícios da imaginação ideológica.

Martin Luther King. "Eu tenho o sonho de que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação na qual não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter." Há 45 anos Martin Luther King abriu um horizonte alternativo para os americanos, ancorando - o no princípio político da igualdade de todos perante a lei, sobre o qual foi fundada a nação.

Privilégio. As cotas raciais proporcionam privilégios a uma ínfima maioria de estudantes de classe média e conservam intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino, mas, sobretudo, romper o abismo entre as escolas de qualidade, quase sempre situadas em bairros de classe média, e as escolas devastadas das periferias urbanas, das favelas e do meio rural.

Racismo. Leis raciais criam uma fronteira brutal no meio da maioria absoluta dos brasileiros. Essa linha divisória atravessaria as salas de aulas das escolas públicas, os ônibus que conduzem as pessoas ao trabalho, as ruas e as casas dos bairros pobres. Neste início de terceiro milênio, um Estado racializado estaria dizendo aos cidadão que a utopia da igualdade fracassou. 

Acham que NÃO

Manifesto em Defesa da Constitucionalidade das Cotas

Questão sócio - econômica. As cotas significam uma mudança do Estado brasileiro na superação de um histórico de exclusão que atinge de forma particular negros e pobres. Os 113 anticotas ignoram a correlação sistemática que todos os estudos estatísticos indicam entre linhas de cor e curvas da pobreza. A maior vergonha de sua posição ( dos opositores da política de cotas ) é negar que a condição de branco signifique vantagem na vida brasileira.

Genética. Se uma pessoa negra é vítima de racismo e se tivermos um passado de 350 anos de escravidão, é mais do que legítimo tentar eliminar a obra da escravidão, que é a discriminação sofrida até hoje pelos que portam a aparência física dos africanos escravizados. Os argumentos genéticos são invocados ainda na tentativa de desqualificar a reivindicação por reparações aos descendentes de escravos no Brasil.

Martin Luther King. King sempre calçou seu sonho universalista na necessidade de políticas compensatórias. Numa entrevista para a Playboy defendeu o sistema de cotas: "Se uma cidade tem 30% de população negra é lógico supor que os negros devem ter pelo menos 30% dos postos de trabalho; e trabalho não somente nas áreas mais humildes".

Privilégio. Nos últimos cinco anos houve um índice de ingresso de negros no ensino superior maior do que jamais foi alcançado em todo o século 20. A caracterização desse avanço como um privilégio de raça menospreza o fato de que as medidas responsáveis por esse cenário trouxeram um conjunto novo de oportunidades que estavam vedadas a pessoas que ocupam os extratos mais baixos de nossa sociedade.

Racismo. Essa retórica da catástrofe é exatamente a mesma que circulava no Brasil na última década da escravidão, quando cresci o movimento abolicionista. Os 113 reacionários nada têm a propor a não ser adiar para um futuro incerto, quem sabe para daqui a 120 anos, a possibilidade de uma igualdade de oportunidades. 

26 de maio de 2008/ www.revistadasemana.com.br