sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Crônicas do Dia - Fim de ano, tempo de descobertas - Marcus Tavares

Se você leciona nas etapas finais da Educação Básica ou Superior, é muito gratificante pode acompanhar o desfecho de uma dessas fases

25/11/2017 
O DIA

Crônicas do Dia - O preconceito grita - Walcyr Carrasco

Frequento alguns bons restaurantes, principalmente na região dos Jardins, em São Paulo.  Não me lembro de ter visto, em todos estes anos, sequer um negro como cliente. Como garçom sim, muitos. Talvez se vasculhar minha memória encontre um ou dois. Mas o fato se repete todas as noites. As mesas são ocupadas por brancos. Senti o mesmo quando fui à Africa do Sul, há alguns anos. Passei por comunidades negras, onde as casas eram contêineres de lata. No sol escaldante. Hospedei-me em um hotel seis estrelas, um dos melhores do mundo. No café da manhã, nenhum negro entre os hóspedes. Os garçons, negros. O Apartheid acabou? Sei. Aqui, sempre fomos hipócritas. Em minha novela O outro lado do paraíso, a personagem Nádia (Eliane Giardini) expulsa a empregada Raquel (Erika Januza) por namorar seu filho. Não admite que ele se case com uma negra. Quando escrevi as cenas, houve quem dissesse que eram fortes demais. Que até o movimento negro rejeitaria. Insisti. Foram ao ar exatamente dois dias depois do escândalo que aniquilou o apresentador William Waack. Exatamente por dizer, sem notar que era gravado, palavras semelhantes às de Nádia. Foi uma coincidência, as cenas foram gravadas meses antes. Mas a ficção espelha a sociedade. Sinceramente. Jamais esperaria que alguém como o apresentador, de tanta respeitabilidade, expressasse o preconceito tão fortemente. A Rede Globo foi ágil. Simplesmente o retirou do telejornal.

Artigo de Opinião - O jornalismo e a atualidade de Guimarães Rosa - Helio Gurovitz

Críticas à imprensa se tornaram corriqueiras – a maioria, pelos motivos errados. O principal defeito dos jornais e revistas brasileiros não está na ideologia nem nos procedimentos editoriais (em que pesem queixas legítimas). Está na deterioração do texto. O Brasil talvez seja o único país em que alguém pode ser jornalista bem-sucedido sem saber escrever direito. Sempre pôde contar com editores abnegados, dispostos a reescrever qualquer aberração, depois assinar com o nome alheio. Nas últimas décadas, nem isso tem bastado. Por uma conjunção madrasta de forças econômicas e culturais, a imprensa se vê nas mãos de uma geração que não foi educada para a escrita. É algo visível no nível mais básico, tal a profusão de erros de concordância e regência, de palavras e partículas desnecessárias (“que”, “se” ou “de”), de textos viscosos e confusos. Mas também num nível mais grave e insidioso. Fora os deslizes sintáticos, ortográficos ou estilísticos, em certa medida inevitáveis diante da pressão dos prazos, o texto jornalístico se tornou refém da preguiça mental e dos chavões. Não passa um dia sem que alguém cometa, nas páginas da grande imprensa, uma “ponta de iceberg”, uma “joia da coroa”, um “divisor de águas” ou uma “rota de colisão”. Quando falta apuro na linguagem, natural que falte também nas ideias. O problema da imprensa é, na essência, um problema de linguagem.


Daí a relevância e a atualidade de Guimarães Rosa, morto há 50 anos. Na divisão clássica, há escritores que se impõem pela força da narrativa, como Dickens ou Tolstói, outros pela linguagem, como Joyce ou o nosso Rosa. Ele destilava cada frase, cada palavra, cada vírgula para alcançar seu estilo singular. É um erro crer que apenas reproduziu o falar característico do sertão. Seu texto derivava de vasto conhecimento linguístico, em que a estrutura sintática do alemão podia se aliar a uma expressão do francês ou a um neologismo importado do russo para expressar o pensamento ou a ação do sertanejo. Tal mecanismo sofisticado, presente em todas as suas obras, faz de muitas uma leitura difícil, por vezes maçante. Parecem escritas num idioma estrangeiro, em tudo similar ao português. Ninguém jamais escreverá como ele. Mas é leitura fundamental, recompensadora até, para quem deseja ou precisa, como os jornalistas, dominar as engrenagens e a artesania da linguagem escrita.


Nenhuma das obras de Rosa é tão didática a respeito de sua relação com a linguagem quanto o último livro que publicou em vida, meses antes de morrer, a coletânea de contos Tutameia. Em 44 textos, chamados de “estórias”, Rosa produziu seu testamento literário. Quarenta deles haviam sido publicados anteriormente – a maioria na revista médica Pulso, dois no jornal O Globo, onde também publicara os contos da coletânea Primeiras estórias. Quatro são novos, classificados como prefácios, embora apenas um ocupe a posição convencional na abertura do livro. O leitor encontra os outros três entremeados às demais estórias. Na edição original, publicada pela Livraria José Olympio, há dois índices: um no começo, com as estórias em ordem alfabética (ou quase); outro no final, o “índice de releitura”, com os prefácios separados. Esse segundo índice é um recado do autor: apenas uma leitura não basta. A vantagem prática de Tutameia é justamente poder ser lido e relido aos poucos. A restrição de espaço nas publicações originais obrigou Rosa a produzir textos curtos e independentes, num esforço de condensação que aproxima sua prosa da poesia. Ler um por dia contribui para melhorar a escrita de qualquer um.

O cenário das estórias é o ambiente familiar a Rosa, os descampados, matas e cenários ermos do sertão mineiro. Os personagens, na descrição do crítico Paulo Rónai, são também familiares: “Vaqueiros, criadores de cavalos, caçadores, pescadores, barqueiros, pedreiros, cegos e seus guias, capangas, bandidos, mendigos, ciganos, prostitutas, um mundo arcaico onde a hierarquia culmina nas figuras do fazendeiro, do delegado e do padre”. É nos quatro prefácios, cheios de ironia, que ele nos deixa seu legado explícito. São textos urbanos, reflexões de um escritor em eterno embate com as palavras. O primeiro é uma discussão algo filosófica, sobre como representar algo por meio da ausência. No segundo, ele defende os neologismos. No terceiro, narrativa trôpega sobre a volta de um bêbado a sua casa, demonstra nas palavras e no ritmo a importância da forma para o conteúdo. É no quarto, reunião de sete histórias pessoais, que traduz o título, no final de um glossário. A palavra “tutameia” pode aparecer no dicionário com o sentido de “ninharia”, mas era para Rosa “mea omnia” (toda minha, em latim), a síntese de toda a sua obra. Publicada, em boa parte, pela imprensa.

Conheça a história da feminista Pagu, a musa da liberdade



Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, hoje, vamos mostrar um pouco a história de uma, dentre tantas guerreiras femininas, que lutou em busca de igualdade e valorização deste gênero, Pagu, uma mulher revolucionária que desafiou a sociedade oligárquica dos anos 30.

Crônicas do Dia - Uma questão moral - Walcyr Carrasco

Vivemos tempos escuros. Todos os dias, alguém me fala sobre o papel da televisão na construção da família e do caráter das crianças. A internet sempre repleta de notícias falsas. (Vale um alerta: sites que não são feitos por empresas de comunicação, com notícias verificadas, mentem. Inventam.) Logo no início da minha novela, O outro lado do paraíso, um pastor evangélico conhecido da mídia fez um artigo dizendo que, entre outras coisas, um homossexual transaria com um bode. Seria para rir, se tanta gente não levasse a sério. Mesmo que eu, em um momento de absoluta loucura, escrevesse uma cena dessas, ela nunca iria ao ar na TV aberta. A própria emissora tem uma responsabilidade social. Mas em torno de uma novela, de programas de televisão, há sempre uma gritaria. Não é novidade. O livro O amante de lady Chatterley, de D.H. Lawrence, esteve proibido por anos devido ao conteúdo erótico. Ulisses, de James Joyce, uma obra-prima da literatura, sofreu processo. A literatura é atacada, o cinema é atacado, a TV é atacada. Agora, exposições de arte também são, acusadas inclusive de deformar os valores da criança.

Artigo de Opinião - Esqueça a maconha, o problema é a bebida -

A medicina conseguiu provar pela primeira vez, de forma inquestionável, que a bebedeira compromete o desenvolvimento cerebral dos jovens. Confirmando indicações de estudos anteriores, pesquisadores de cinco universidades americanas analisaram o cérebro de 483 voluntários, entre 12 e 21 anos, em dois momentos: quando ainda não consumiam bebida alcoólica e até dois anos depois. Concluíram que os “grandes bebedores” – aqueles que bebem até se embriagar – tiveram redução no ritmo de crescimento cerebral e perderam massa cinzenta no córtex pré-frontal. Última região do cérebro a se formar, até os 25 anos, o córtex é associado à tomada de decisões, ao autocontrole e ao comportamento social. Ainda não é possível afirmar, com certeza, que essa perda faz alguma falta. Mas é um claro sinal de alerta: quem exagera na bebida durante a adolescência pode perder habilidades fundamentais para uma vida madura e saudável.

Crônicas do Dia - As personalidades e as redes - Walcyr Carrasco

Ando surpreso como as redes sociais transformam as pessoas. Ou revelam outros lados da personalidade. Os nudes, por exemplo. Sou de uma época em que havia prós e contrários à nudez. Uma atriz famosa, ao posar nua, provocava escândalo – e maravilhamento. Algumas se negavam: nua, jamais. Homens, nem pensar. Hoje ficar nu é habitual. As pessoas postam fotos sensuais. Enviam junto com o primeiro “oi, tudo bem”. Eu não caí na tentação do nude devido a minha barriga. Explico. Quando olho para baixo, vejo somente meu umbigo. Não me sinto habilitado a posar para um clique pelado. Já se tornou comum certo tipo de escândalo: um ator famoso é flagrado num vídeo íntimo. Viraliza nas redes. Eu me pergunto: foi mesmo uma câmera oculta? Ou um vídeo transmitido pelo próprio para alguém? Pior: quem sabe o próprio alvo do escândalo seja autor do vazamento?

Likes viciam tanto quanto o crack. Tenho um amigo que posta fotos de si mesmo sem camisa, na academia, na praia etc. É um executivo de mais de 40 anos. Em sua loucura, posta também as viagens de fim de semana, que começam na sexta-feira e terminam na tarde de segunda-­feira. Perdeu um emprego, por motivos nebulosos. Fez entrevista para outro. O futuro chefe pediu:



Adiantou? Não. Meu amigo segurou duas semanas. Admitido, voltou a publicar fotos sem camisa, com a expressão de quem se acha a suprema beleza neste Universo. Por que acredita que seus seguidores têm interesse em vê-lo na academia praticamente todos os dias? Ou de sunga na praia? Conversei.

– Cuidado ao postar todas as fugidas de fim de semana, inclusive a outros países. Vai causar descontentamento e inveja entre quem trabalha com você.

Ficou duas semanas sem postar. Agora não resiste mais. Exibe os cliques. Não causa só inveja. Evidencia que está matando tempo do trabalho. Não há mais o que dizer. A internet transformou um homem até tímido num exibicionista. Outro amigo já sabe analisar a personalidade de alguém por meio de quem segue. Examina os amigos nas redes sociais. Descobre qual é seu campo de interesse. Recentemente, estávamos falando sobre uma pessoa que se aproximou de mim. Como costuma acontecer, há muita gente que forja uma amizade, garantindo que não tem a menor vontade de ser ator ou atriz... para depois dar o bote e pedir um papel. Faz parte da minha vida. Em geral, são pessoas sem experiência na área artística, para quem o sucesso na mídia é algo instantâneo e milagroso. Não uma profissão. Esse amigo de quem falei abriu o Instagram de alguém que tentava uma nova amizade.  Ela só seguia famosos.


Conhecem-se as profundezas e até os desvios do caráter analisando as redes sociais de alguém. Essas mesmas pessoas, muitas vezes, na vida cotidiana são tímidas. Têm profissões comuns. Por que postam cada pedaço de pizza no fim de semana? Óbvio. A possibilidade de aparecer estimula o exibicionismo. São poucos os que postam livros. Frases, há muitos. Mas a maioria gosta de mostrar a si mesmo. Ou até de estabelecer uma relação de poder. Recentemente, um amigo de muito tempo separou-se. Pediu a todos os seus amigos que excluíssem seu ex das próprias redes. Argumentou que era uma atitude para deixar claro ao rapaz que já não pertencia a seu mundo. Pessoalmente, sou adepto do velho ditado: “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Adaptado para os novos tempos, quer dizer simplesmente: quando um casal se separa, melhor não tomar partido. E se depois os dois voltam? Terei feito péssimo papel. Também considerei a questão do ponto de vista ético. Um queria dar uma demonstração de poder sobre o outro. Por que devia participar disso? E não excluí o outro.

Resultado: recebi de meu ex-amigo, pela internet, uma mensagem que até me chamava de “alma trevosa”. Francamente, alguém falaria isso ao vivo? O distanciamento da internet é que permite tal nível de hostilidade. Se estivéssemos conversando, discutiríamos e a amizade continuaria. Mas, diante de tal mensagem, reagi. Excluí meu antigo amigo de todas as minhas redes, bloqueei etc. Mas me assustei com a maneira como as redes sociais evidenciam aspectos de alguém, que não conheceríamos de outra maneira. Mais. Estimulam esses aspectos a emergir.

Continuo a ser um admirador da internet e de tudo que ela proporciona. Mas não me engano mais. É perigosa até para minha própria personalidade. Ainda bem, já me dei conta. É um vício.

Artigo de Opinião - Mais racionalidade na discussão sobre aborto - José Gomes Temporão










No dia 27 de novembro, a Academia Nacional de Medicina (ANM) enviou uma carta aberta para a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), em que defende a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A ANM, cuja fundação em 1829 antecede à do STF em mais de 60 anos, sempre contribuiu para balizar o debate sobre saúde com base em evidências. A prática do aborto é bem mais antiga que a Academia e o STF e, pelo menos, desde a Antiguidade está entre as opções que as mulheres têm para controlar sua reprodução. A interrupção voluntária da gravidez sempre foi praticada e não diminui só porque uma parte da população a desaprova.