sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Crônicas do Dia - As personalidades e as redes - Walcyr Carrasco

Ando surpreso como as redes sociais transformam as pessoas. Ou revelam outros lados da personalidade. Os nudes, por exemplo. Sou de uma época em que havia prós e contrários à nudez. Uma atriz famosa, ao posar nua, provocava escândalo – e maravilhamento. Algumas se negavam: nua, jamais. Homens, nem pensar. Hoje ficar nu é habitual. As pessoas postam fotos sensuais. Enviam junto com o primeiro “oi, tudo bem”. Eu não caí na tentação do nude devido a minha barriga. Explico. Quando olho para baixo, vejo somente meu umbigo. Não me sinto habilitado a posar para um clique pelado. Já se tornou comum certo tipo de escândalo: um ator famoso é flagrado num vídeo íntimo. Viraliza nas redes. Eu me pergunto: foi mesmo uma câmera oculta? Ou um vídeo transmitido pelo próprio para alguém? Pior: quem sabe o próprio alvo do escândalo seja autor do vazamento?

Likes viciam tanto quanto o crack. Tenho um amigo que posta fotos de si mesmo sem camisa, na academia, na praia etc. É um executivo de mais de 40 anos. Em sua loucura, posta também as viagens de fim de semana, que começam na sexta-feira e terminam na tarde de segunda-­feira. Perdeu um emprego, por motivos nebulosos. Fez entrevista para outro. O futuro chefe pediu:



Adiantou? Não. Meu amigo segurou duas semanas. Admitido, voltou a publicar fotos sem camisa, com a expressão de quem se acha a suprema beleza neste Universo. Por que acredita que seus seguidores têm interesse em vê-lo na academia praticamente todos os dias? Ou de sunga na praia? Conversei.

– Cuidado ao postar todas as fugidas de fim de semana, inclusive a outros países. Vai causar descontentamento e inveja entre quem trabalha com você.

Ficou duas semanas sem postar. Agora não resiste mais. Exibe os cliques. Não causa só inveja. Evidencia que está matando tempo do trabalho. Não há mais o que dizer. A internet transformou um homem até tímido num exibicionista. Outro amigo já sabe analisar a personalidade de alguém por meio de quem segue. Examina os amigos nas redes sociais. Descobre qual é seu campo de interesse. Recentemente, estávamos falando sobre uma pessoa que se aproximou de mim. Como costuma acontecer, há muita gente que forja uma amizade, garantindo que não tem a menor vontade de ser ator ou atriz... para depois dar o bote e pedir um papel. Faz parte da minha vida. Em geral, são pessoas sem experiência na área artística, para quem o sucesso na mídia é algo instantâneo e milagroso. Não uma profissão. Esse amigo de quem falei abriu o Instagram de alguém que tentava uma nova amizade.  Ela só seguia famosos.


Conhecem-se as profundezas e até os desvios do caráter analisando as redes sociais de alguém. Essas mesmas pessoas, muitas vezes, na vida cotidiana são tímidas. Têm profissões comuns. Por que postam cada pedaço de pizza no fim de semana? Óbvio. A possibilidade de aparecer estimula o exibicionismo. São poucos os que postam livros. Frases, há muitos. Mas a maioria gosta de mostrar a si mesmo. Ou até de estabelecer uma relação de poder. Recentemente, um amigo de muito tempo separou-se. Pediu a todos os seus amigos que excluíssem seu ex das próprias redes. Argumentou que era uma atitude para deixar claro ao rapaz que já não pertencia a seu mundo. Pessoalmente, sou adepto do velho ditado: “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Adaptado para os novos tempos, quer dizer simplesmente: quando um casal se separa, melhor não tomar partido. E se depois os dois voltam? Terei feito péssimo papel. Também considerei a questão do ponto de vista ético. Um queria dar uma demonstração de poder sobre o outro. Por que devia participar disso? E não excluí o outro.

Resultado: recebi de meu ex-amigo, pela internet, uma mensagem que até me chamava de “alma trevosa”. Francamente, alguém falaria isso ao vivo? O distanciamento da internet é que permite tal nível de hostilidade. Se estivéssemos conversando, discutiríamos e a amizade continuaria. Mas, diante de tal mensagem, reagi. Excluí meu antigo amigo de todas as minhas redes, bloqueei etc. Mas me assustei com a maneira como as redes sociais evidenciam aspectos de alguém, que não conheceríamos de outra maneira. Mais. Estimulam esses aspectos a emergir.

Continuo a ser um admirador da internet e de tudo que ela proporciona. Mas não me engano mais. É perigosa até para minha própria personalidade. Ainda bem, já me dei conta. É um vício.

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