sábado, 23 de março de 2019

Artigo de Opinião - Alexandre João Appio: Dilemas da educação

Rio - A qualidade na educação vai melhorar com as “novas ideias” para seu incremento, como a militarização ou educação domiciliar?

Artigo de Opinião - Leo Lupi: Quem mata o Brasil?

Rio - A prisão de suspeitos do assassinato de Marielle, na semana em que se completou um ano da morte da vereadora, não foi, nem será o suficiente para aplacar toda a indignação popular em relação ao caso.

A História que a História não conta - Dirley Fernandes

O samba da campeã Mangueira cita fatos, pessoas e modos de ver a trajetória do Brasil que são diferentes da visão consagrada pela historiografia clássica. O DIA traça um mapa para  compreensão desse país construído por "heróis de barracões".


História para ninar gente grande

Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Rone Oliveira e Danilo Firmino





Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos Brasis que se faz um país de Lecis (1), jamelões (2)
São verde e rosa, as multidões

Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões
São verde e rosa, as multidões

Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra

Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento (3) 
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres (4), tamoios (5), mulatos (6) 
Eu quero um país que não está no retrato

Brasil, o teu nome é Dandara (7)
E a tua cara é de cariri (8)
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati (9)

Salve os caboclos de julho (10) 
Quem foi de aço nos anos de chumbo (11) 
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias (12), Mahins (13), Marielles, malês

(1) - Leci Brandão é cantora e compositora com 50 anos de carreira. Foi a primeira mulher a integrar a gloriosa Ala dos Compositores da Mangueira. Sua carreira é marcada por canções de forte cunho social, retratando a realidade das comunidades e a condição do negro, o que a levou a ter problemas com gravadoras que dificultaram, mas não impediram a sua trajetória. O samba dela mais conhecido das novas gerações é "Zé do Caroço" , de 1981, que fala da reorganização das associações de moradores, nos finais do regime militar. 

(2) Jamelão foi cantor de orquestras, com carreira iniciada nos anos 1930, conhecido pela voz tão bela quanto poderosa. Mas entrou para a história da Mangueira e do samba como o maior dos intérpretes da avenida. Começou a cantar nos desfiles de 1949 e foi até 2016. É autor de sambas como "Cântico à Natureza" ( de 1955, em parceria com Nelson Sargento e Alfredo Português), talvez o mais belo da Verde e Rosa. José Bispo dos Santos, conhecido por seu proverbial mau humor, faleceu em 2008, coberto de glórias e como presidente de honra da escola. O surdo sem contratempo da Mangueira acompanhou o seu funeral. 

(3) A noção de que o Brasil foi 'descoberto' em 1500 é uma forma de contar a História a partir do ponto de vista europeu. Na verdade, quando a frota de Cabral chegou ao litoral, com a missão de tomar posse da terra em nome do Rei e da Igreja, havia mais de 3 milhões de índios de etnias e organizações diversas, que poderia ser chamadas de nações, no território. Os portugueses invadiram e ocuparam o país, negociaram com algumas das nações e fizeram guerras com outras, como contou o padre Anchieta louvando os feitios do general Mem de Sá. "Quem poderá contar os gestos heroicos do Chefe à frente dos soldados, na imensa mata! Cento e sessenta as aldeias incendiadas, mil casas arruinadas pela chama devoradora."

(4) Entre as várias mulheres cuja história é pouco conhecida e não está em grande parte dos livros didáticos, o carnavalesco Leandro Vieira lembrou duas em particular:
Tereza de Benguela e
Esperança Garcia. A primeira liderou o Quilombo do Quariterê, o maior do Mato Grosso, entre 1750 e 1770 e se destacou pela habilidade política . O dia 25 de julho foi estabelecido como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Benguela é um  porto angolano de onde partiram muitos escravos para o Brasil. A segunda é uma mulher escravizada que vivia no Piauí e, em 1770, escreveu uma carta ao governador denunciando os maus tratos dos senhores de engenho aos cativos. A madrinha da bateria Evelyn Bastos encarnou, majestosamente, aquela que foi consagrada, mais tarde, como a primeira advogada do Piauí. 


(5) O termo, que significa ' o mais velho', designa os tupinambás, índios que ocupavam vastas áreas do litoral brasileiro ao tempo do descobrimento. Uma das alas do desfile da Mangueira homenageava Cunhambebe, o mais famoso de seus guerreiros. Aliados dos franceses, ele era o chefe de uma aldeia onde hoje é Angra dos Reis e reuniu dezenas de tribos na chamada ' Confederação dos Tamoios', que deu combate feroz à invasão da terra pelos portugueses, tendo devorado muitos inimigos. O embate terminou com a vitória lusitana, quando o grande chefe já tinha morrido, vitimado pela varíola. Em seguida, deu - se a ocupação da Guanabara, com a morte de todos os tamoios que por aqui viviam - com exceção de poucos escravizados. Na batalha decisiva, a de Uruçumirim, na atual Glória, mais de 600 índios, inclusive o chefe Aimberê, pereceram. 

(6) - São muitos os mulatos que fizeram história no Brasil. A Mangueira destacou em uma ala um dos mais ilustres e esquecidos: o poeta e advogado abolicionista Luiz Gama 


(1823 - 1882). Apesar de se dizer filho de uma liberta ( a mítica Luiza Mahin ) , ele foi vendido pelo pai português e cresceu como 'escravo da casa', em São Paulo. Mais tarde, conseguiu ser libertado na Justiça - caminho seguido por muitos negros no século XIX. Virou escrevente e estudou até tornar - se rábula ( advogado sem diploma ). Especializou - se em defender escravos, tendo conseguido a libertação de centenas. Como poeta, foi pioneiro em assumir a negritude. E defendeu o fim do cativeiro até a morte.

(7) - A história da mulher de Zumbi é envolta em lendas e fatos difíceis de comprovar. Mas ela é símbolo da resistência das mulheres negras. Do que se sabe como verdade histórica, Dandara foi criada no Quilombo dos Palmares, atual estado de Alagoas, e se tornou mulher do grande chefe militar as comunidades agrupadas na serra da Barriga e por um século resistiram à escravização. Ao lado de Zumbi, e muitas vezes no comando de tropas com homens e mulheres, participou de embates até 1694, quando Palmares foi dizimada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho e seus homens. Teria se suicidado logo após a derrota, para escapar da morte pela mão inimiga ou do cativeiro. 

(8) -  Chico da Matilde era um barqueiro que ganhou o epíteto de 'Dragão do Mar' por ter, na condição de prático, se recusado a guiar diante do porto de Fortaleza navios que levavam escravos na direção do sul do país. A greve liderada por Francisco José do Nascimento paralisou o mercado escravista e fortaleceu o movimento abolicionista, o que levou o Ceará a ser  a primeira província brasileira a abolir a escravidão, em 18884. 

(9) - Os indígenas da nação Kariri resistiram por 30 anos à ocupação de suas terras e à captura para fim de escravização, no Nordeste, entre 1683 a 1713. A série de revoltas ficou conhecida como a Confederação dos Cariris e só foi sufocada com o assassinato em massa dos indígenas. 

(10) - O Caboclo, figura mítica que tem estátua em Campo Grande, em Salvador, representa os índios, sertanejos e negros que lutaram nas batalhas pela independência do Brasil que ocorreram na Bahia após a declaração de 1822 e que culminaram com a vitória sobre os portugueses, em 2 de julho de 1823. Os caboclos são celebrados na Bahia durante os grandes festejos da data cívica. A cabocla, representando Catarina Paraguaçu, foi inserida nos festejos nos anos de 1840, depois de seu par. 

(11) - Referência aos anos do regime militar, entre 1964 , durante o qual houve "crimes contra a humanidade" e "graves violações dos Direitos Humanos", segundo relatório da Comissão da Verdade, com 434 mortes e desaparecimentos de opositores, entre os quais Stuart Angel, morto sob tortura, e irmão da jornalista Hildegard Angel, que foi destaque de um dos carros da Mangueira , e filho da famosa estilista Zuzu Angel. 

(12) - Maria Felipa é heroína popular da Independência. Moradora de Iparica, na Bahia, marisqueira, negra, comandou um grupo de 40 mulheres que destruiu 42  barcos da esquadra portuguesa, em ação determinante para a vitória brasileira. Figura mítica cuja existência histórica é pouco provável.

(13) Luíza Mahin foi participante, com posto de liderança, na Revolta dos Malês, em 1835, em Salvador. Era, segundo os relatos, egressa da Costa da Mina ( mahin é uma das tribos locais ) e tinha a profissão de quituteira. Participou das revoltas que aconteciam quase em ritmo anual , em Salvador, até 1935. A cidade tinha quase 80% da população formada por negros e mestiços. 

(14) - Vereadora, Marielle Franco era conhecida pela desfesa dos Direitos Humanos, das mulheres e das comunidades faveladas. Foi assassinada há um ano. Não se sabe ainda quem mandou matá - la.