sábado, 23 de março de 2019

Artigo de Opinião - Leo Lupi: Quem mata o Brasil?

Rio - A prisão de suspeitos do assassinato de Marielle, na semana em que se completou um ano da morte da vereadora, não foi, nem será o suficiente para aplacar toda a indignação popular em relação ao caso.


Marielle se tornou símbolo de um país que não aceita mais a mesma impunidade de antes. Ela não é a primeira vítima de um crime político. Gostaria que tivesse sido a última. Infelizmente, ativistas e líderes comunitários são mortos todos os anos.

Fazer política, lutar por mais direitos e defender os mais frágeis é, no Brasil, uma atividade com alto risco de vida. Os valores democráticos no Ocidente estão em crise em todo o mundo.

Cientistas políticos têm se desdobrado para entender a ascensão de figuras que questionam e ameaçam constantemente a própria democracia.

O best-seller norte-americano “Como as democracias morrem” (Steven Levitsky & Daniel Ziblatt), lançado em 2018, busca compreender esse fenômeno. Porém, mais do que uma ameaça e mera retórica de líderes populistas, a falência desse regime já é uma realidade há muito tempo.

Se o desafio é tentar explicar isso, talvez não haja exemplo mais explícito do que o assassinato de Marielle. Não há atentado maior ao Estado Democrático de Direito do que o cerceamento da liberdade de expressão

por meio da coação e da força. É importante lembrar que Marielle lutava pelo cumprimento da Constituição, pela garantia de direitos, pelo combate às milícias e outras entidades criminosas. Quando o poder econômico se sobrepõe à Justiça, estamos assistindo, na prática, à corrosão completa do Estado de Direito.

Se a democracia está em crise no mundo, podemos dizer que no Brasil ela nunca passou de uma abstração. Ainda somos uma República de castas, onde alguns permanecem intocáveis façam o que fizerem e outros, por sua vez, são punidos simplesmente por existirem. Segundo relatório de 2017 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, um ativista brasileiro é morto a cada cinco dias, em média. Em pleno “Brasil democrático”, questionar a ordem ou simplesmente exigir a lei é algo praticamente impossível.

A maior parte das vítimas está na área rural, normalmente devido a conflitos por terra. São indígenas, pequenos agricultores, ambientalistas – o lado mais vulnerável da sociedade. Darcy Ribeiro já dizia décadas atrás que estávamos “matando o nosso povo” e que “vivemos um processo genocida que faz vítimas preferenciais entre as mulheres, os negros, índios e caboclos”. A Estação Primeira de Mangueira cantou a mesma tragédia em seu desfile campeão no Carnaval deste ano. O samba dizia que chegou a hora de ouvir as “Marielles”.

Espera-se que toda a comoção em torno do assassinato da vereadora sirva como pressão para a Justiça e que traga luz a todos os outros crimes semelhantes pelo resto do Brasil. Se Marielle não foi a primeira nem a última vítima, a elucidação do seu caso pode se tornar um símbolo do combate à impunidade. Mais do que saber quem matou Marielle, é preciso saber quem mandou matar. Quem mata o Brasil?

Leo Lupi é jornalista

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