sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Artigo de Opinião - A atualidade da negritude

Gustavo de Andrade Durão

 O encontro dos intelectuais negros fora de seus espaços geográficos gerou uma importante reunião de pensadores engajados na “questão negra”. Léopold Senghor, do Senegal, era o mais antigo do grupo, Aimé Césaire, da Martinica, o criador da palavra négritude, e Léon Gontram Damas, o divulgador das caracterizações desse conceito no ambiente cultural das Antilhas. Em meados de 1930, a négritude foi considerada como uma espécie de “patrimônio cultural dos negros”, levando Senghor e seus companheiros à busca de bases para uma contestação do domínio político-administrativo das populações negras.
O conceito de négritude deve ser diferenciado do Movimento da Négritude, pois, enquanto o primeiro ainda hoje encontra diversas definições, o segundo tem um lugar específico no tempo e no espaço. Esse movimento aconteceu uma única vez e, apesar das críticas, teve amplas repercussões no campo literário.


A Négritude, como movimento, reuniu ao mesmo tempo um aspecto literário e filosófico por agregar pensadores negros que, apesar das diferentes origens, traziam questionamentos e reivindicações semelhantes. No início do século 20, sua abordagem, sob o prisma ideológico, possibilitou um embate em resposta aos valores intelectuais preconizados pela intelectualidade branca europeia. Já a négritude, pensada como conceito, era a soma total das características dos povos negros do mundo todo. Sendo também referenciadas nos textos como uma “maneira de se expressar do preto (nègre), o Mundo Preto, a Civilização Preta” (em Janet Vaillant. Vie de Léopold Sédar Senghor: Noir, Français et Africain. Paris, 2006).
A négritude não é simplesmente um conjunto de teorias elaboradas contra o colonialismo. Ela representa uma pró-africanidade, uma espécie de formação discursiva e uma produção pan-africana amplamente difundida, produzida por (e através de) sujeitos e instituições que formavam uma rede específica, historicamente constituída.

Léopold Sédar Senghor (Foto: Roger Pic, Biblioteca Nacional da França / Divulgação)
O conceito négritude foi lançado a partir de 1934, com a publicação do periódico L’Étudiant Noir (“O Estudante Negro”),  mas foi apenas na antologia poética de escritores negros para a qual Jean-Paul Sartre escreveu o famoso prefácio “Orphée Noir” (“Orfeu Negro”) que ele teve seu instante de maior força. Em verdade, o Movimento teve seu momento – efêmero – na união geográfica dos pensadores negros na França, nas décadas de 1930 e 1940. O conceito ainda seria debatido e divulgado nos Congressos Pan-Africanos e nos Congressos de Artistas e Escritores Negros de 1956, em Paris, e de 1959, em Roma.
As críticas ao Movimento
O Festival Pan-africano de Alger, em 1969, representou uma ocasião especial para o refinamento das apreciações sobre o conceito de négritude no qual se evidenciou a distância entre escritores negros de língua inglesa e de ascendência francesa. Os autores da Négritude eram, originalmente, das ilhas do Caribe e da África francesa sob colonização, e esse fator linguístico foi atacado por aqueles que queriam se distanciar da négritude associada à ideologia dos negros falantes do francês.
O nigeriano Wole Soyinka criticou o papel de acomodação que a négritude suscitava nos escritores negros. Ele dizia que o tigre não precisava declarar sua tigritude, que bastava saltar sobre sua presa. Como Soyinka, o escritor camaronês Marcien Towa também criticava esse sistema de ideias, que tinha certa influência em seu país, temendo que seu caráter messiânico não representasse uma resposta aos problemas de ordem nacional.

Stanislas Adotevi (Foto: Divulgação)
Stanislas Adotevi, do Benim, também criticou a négritude enquanto forma de homogeneização política e afirmava que não fazia parte dessa “fraternidade abstrata dos negros”, engendrada pelos representantes do Movimento. Adotevi compreendia que a noção de négritude não se referia aos problemas dos homens de Gana, da Costa do Marfim, de Ruanda ou do Daomé.
Frantz Fanon foi um grande opositor da négritude enquanto conceito, contudo, ele pode ter se apropriado dessa experiência filosófica e literária para cunhar sua visão própria de négritude. Ele não admirava a retórica senghoriana que ali se inseria, mas exigia uma identificação mais concreta para os homens negros de sua época.
Influenciado por Sartre, Merleau-Ponty e Simone de Beauvoir, Fanon identificou-se com o existencialismo e fez da experiência vivida específica do negro algo mais próximo de uma práxis da négritude. Ou seja, essa experiência tinha maior utilidade para Fanon do que uma mera teorização das capacidades intuitivas ou emocionais típicas dos negros, na visão de Senghor e Césaire.
Senghor, diretamente associado à França e, consequentemente, ao neocolonialismo, não concedia espaço algum para que esse conceito fosse levado em consideração. Apesar de tudo, tanto a négritude-conceito como a Négritude-Movimento inseriram os pensadores negros, falantes do francês, no diálogo intelectual com o Ocidente, formando-se assim as bases críticas para as novas gerações de filósofos africanos da atualidade.

Gustavo de Andrade Durão é mestre em História pela UNICAMP, doutorando em História Comparada pela UFRJ e membro do LEAFRICA – Laboratório dos Estudos Africanos, da mesma instituição.

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