quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Crônicas do Dia - Sobre as esperas - Gabriel Chalita

io - Esperar é um verbo que, necessariamente, é conjugado por todas as pessoas. Por toda a vida. A espera pode ser agradável como pode ser penosa. A espera de um amor que vem ao longe, acenando, trazido por uma maré boa.


A espera de um filho. O tempo do peso. O tempo da dor. O tempo das incertezas há de ser recompensado com uma vida nova que surge. Quantas esperas se sucederão por esse mesmo filho. Noites indormidas em intermináveis adolescências. E o barulho da chegada avisa à espera que volte em uma outra ocasião. Sono bom quando o filho descansa ao lado. A espera de um amigo. Afetos amenizam ausências e acalmam ansiedades. Os ansiosos sofrem mais com as esperas. Querem, para hoje, o que só o amanhã pode resolver. Brigam com o tempo. Brigas inglórias. O tempo é que decide o tempo de decidir.

Feridas têm o seu tempo de cicatrização. Dores de amor, também. Um amigo chorava, há alguns dias, pela mulher que resolveu partir. “Como viver sem ela? Como mudar o rumo de tudo? E os projetos em comum? E os sonhos compartilhados? E os entardeceres prometidos?”, chorou dias e noites. Poucos, penso eu. E eis que subitamente surgiu um novo amor. “Dará certo?”, perguntava-me ele. “Comece, espere para ver o que acontece. Tente não comparar, tente usufruir a brisa nova, desconhecida.” Um amor novo traz sentimentos contraditórios. Há uma avidez para que tudo dê certo. Há um medo pelo recomeço. Tudo de novo. Tudo diferente.

A espera de um encontro. Um encontro desses encontrados em maneiras antigas ou novas. Em uma esquina ou em uma página. Em um olhar ou em um revelar. Quem somos nós que buscamos sempre? Que carecemos sempre? Que nos acotovelamos para ver quem passa na avenida? Quantas avenidas presenciaram desfiles de presenças aguardadas. Nas janelas, debruçavam-se sonhos, esperanças, espera.

A queda de um avião é dor horrenda. Que ousadia é essa da morte de levar o meu amor? O amor da outra, do outro. O pai, a mãe, o filho, a filha, o amigo, o jogador, o torcedor. Torcemos para que o nosso amor seja protegido. Para que fique. Para sempre.

Não há como ficar para sempre. Depois do adeus, o luto, a dor. Depois, a espera de dias melhores. O inverno não dura para sempre. O frio cobra seu preço e depois vai. É preciso viver as outras estações. 

A espera da idade certa para se sentir livre. Um dia se saberá que a liberdade é muito mais complexa do que poder fazer o que se quer. A liberdade é exigente, é caprichosa. Ela nos desafia todos os dias. E quem não sabe esperar jamais será livre.

A espera da vez em uma fila qualquer. A espera no carro para que o sinal se abra. Quantos sinais fechados surgem sem que compreendamos que é melhor esperar. É um erro dar a partida sem esperar que o sinal abra. Acidentes podem ocorrer. O correto é permanecer o tempo certo e, depois, ir em frente com um pouco mais de segurança. 

A espera do amanhecer. A noite pode bagunçar a visão. Pode nos confundir. Opções erradas nos trarão dor. O amanhecer há de clarear muita coisa. A maré revolta também passa. Ir adiante não demonstra coragem, mas temeridade. É melhor esperar o convite do mar e só assim a ele se lançar.

As árvores esperam o tempo certo de oferecer os seus frutos. Os ramos que enfeitarão com suas flores também sabem disso.

E por que nós, os chamados racionais, queremos para ontem o que pertence ao amanhã? Por que brigarmos por antecipações? Tempo bom aquele em que cartas eram esperadas. Românticas cartas de amor. Chegavam no tempo que queriam.

Ouvi de um pai, irritado com o filho, gritos anunciando que ele não era mais criança. Imaginei a mente em ebulição daquele menino de 6 anos. Seria o quê, então?

Antecipar a maturidade é um poder que não temos. Como também não temos o poder de segurar as estações nem as idades nem os bons momentos de euforia. O rio tem seu curso. A vida também. 

Esperar que o rio pare é não compreender a essência do rio. Serve para a vida. Serve para a boa calmaria. Tão necessária nas relações. Por que dizer com pressa sobre o ódio que nos domina? Por que falar do que não se tem certeza? Por que atacar quem amamos? Por que essa verborragia agressiva? Se esperássemos um pouco mais, diríamos sem o tom cortante, sem as palavras bagunçadas, sem as expressões erráticas. 

Quantos afetos fogem depois de dizeres apressados. Desperdício. Afetos são conquistas que vieram para permanecer. Inclusive no tempo das esperas. Para perfumar, quem sabe.

Só sei que esperar é um verbo que, necessariamente, é conjugado. Então, aprende — outro necessário verbo.

Gabriel Chalita é professor e escritor

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