sexta-feira, 13 de abril de 2018

Entrevista - Leandro Karnal

Historiador fala como o mundo virtual influencia na vida real



O historiador Leandro Karnal está rodando o país com a palestra “Felicidade e Liberdade: a Busca por um Mundo de Significados Reais”. Para o pensador pop, que tem mais de um milhão de seguidores no Facebook, as redes sociais criam modelos para serem seguidos semelhantes aos estabelecidos por religiões. Em entrevista, o escritor classificou como ‘cafona’ a ‘obrigatoriedade’ de felicidade constante, afirmou que a tristeza faz parte da caminhada para ser feliz e refutou a ideia de felicidade plena. Aos 55 anos, Karnal se considera mais feliz e admite que a grande vantagem de envelhecer é adquirir sabedoria.

Como pode ser definido o conceito de felicidade nos dias atuais?
Onde houver seres humanos, o conceito vai variar. Temos vivido a ascensão de dois valores fortes que regulam certo padrão de felicidade: o consumo e a popularidade via redes sociais. Sou adepto da ideia clássica de que a felicidade não é aleatória, mas deriva de opções e ações efetivas e de como lidamos com fracassos e sucessos. A velha ideia de que a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional contém parte da crença da nossa participação ativa nas coisas.

E o conceito de liberdade?
Hamlet (personagem do dramaturgo inglês William Shakespeare) define como independente do espaço: posso ser livre em uma casca de noz. Há coisas que limitam minha liberdade, como os vícios, por exemplo, e por isso devem ser combatidos. Drogas, álcool, excesso de qualquer coisa que se imponha à minha vontade é algo complexo. Apesar de parecer contraditório, por vezes, o controle de si garante mais liberdade. Somos sempre livres, mas gostamos de atribuir limitações.

Como as redes sociais influenciam ideais de felicidade e liberdade?
Criam modelos, como grandes religiões e pensamentos criam. Estabelecem um tempo líquido (conceito do sociólogo polonês Zygmunt Bauman) no qual “ser” é ser notado. É difícil saber se é bom ou ruim, porque a minha geração, mais velha, ainda distingue perfeitamente entre um amigo real, de carne e osso, e um amigo virtual. Isso não ocorre mais (nos dias atuais) e a própria percepção do real está ligada a redes. Temos um outro paradigma, um novo modelo. As redes formaram outra percepção de mundo e, como toda novidade, encontra detratores, especialmente entre adeptos da velha ordem.

Qual é a importância da tristeza para nossa vida?
A tristeza é um estado natural e não indesejável. Não se confunda tristeza com depressão, esta última é uma doença que escapa ao controle do indivíduo e que necessita de atenção profissional. A tristeza é parte essencial ao projeto de felicidade. Por exemplo, não importa o que você faça, você perderá alguém importante na sua vida. O luto mostra a importância das pessoas e é um amor com vetor trocado. Sou feliz porque já estive infeliz. A tristeza marca um ponto a partir do qual você estabelece a perspectiva da felicidade. Desejar que todos os momentos sejam de êxtase total é infantilidade. Perder meu pai e minha mãe rasgou meu coração e mostrou o quanto eu os amava. Hoje sou melhor como pessoa pelo amor deles.

Como a liberdade e a felicidade influenciam em nossa vida como sociedade?
Estabelecemos projetos públicos de felicidade. Todos querem a selfie do momento perfeito e com alguém famoso. Todos publicam e esperam likes. Ao contrário do que possa parecer, estamos em uma época de fraqueza narcísica. O verdadeiro narcisista não precisa da aprovação de ninguém.

É possível conquistar a felicidade plena?
A palavra plena não condiz com a condição humana. As religiões a projetam, no além paradisíaco. Em primeiro lugar, temos a finitude e, em segundo lugar, o caráter efêmero de tudo, do prazer à saúde. Único animal com consciência da morte, o ser humano vive em uma estrada determinada com fim conhecido. O que fazer antes do fim é o desafio de todo gesto de pensar.

Vivemos em uma sociedade em que somos, praticamente, obrigados a ser felizes o tempo todo, mas, em contrapartida, os níveis de depressão só aumentam. O que está acontecendo?
Isso é a grande cafonice contemporânea. Todos sorrindo o tempo todo, vestindo uma máscara dentária. Estamos com preconceito com a dor, inevitável ao viver. Achamos que a infelicidade é um acidente quando ela é inevitável em determinados momentos. Ter de parecer feliz sempre e postar sempre como estamos bem é algo muito, mas muito cafona.

De que forma a crise financeira e moral que enfrentamos no Brasil influencia na percepção de felicidade e liberdade das pessoas?
Temos uma época de pessimismo dominante, como a primeira década do século 21 foi de otimismo. Esse movimento é pendular na história. Mas essa é uma condição sociológica geral. Pode ser que você esteja muito bem hoje em meio ao pessimismo sobre as eleições de 2018. Pode ser que, no momento em que o Brasil parecia prosperar, em 2005, por exemplo, você estivesse mal. O pessimista, em geral, recolhe do real o que reforça sua posição pessimista.

Como você analisa a mudança de valores no Brasil ao longo da nossa história?
Toda época histórica constitui valores. Não apenas no Brasil, mas em todos os lugares, cada época ditou suas regras e sempre houve adaptados e transgressores. Cada rebelde e cada ajustado pagam um preço por aceitar ou não as molduras. Não existem pessoas integralmente livres e felizes, mas algumas olham pelas grades, outras lamentam e outras decoram a cela.

A população brasileira está envelhecendo. Muitos enxergam isto como algo ruim. Como envelhecer feliz?
Sou muito mais feliz aos 55 do que eu era com 18. Isso é subjetivo. A velhice tem mazelas, como a juventude tem. Quem anseia pela infância é o adulto, nunca a criança. A cor da morte combina com a cor da vida: jovens otimistas e estratégicos podem gerar, com mais facilidade, velhos otimistas e estratégicos. Há belezas e problemas no crepúsculo. Você tem mais dinheiro, menos colágeno, passa à frente nas filas, tem mais dores etc. Cada época é acompanhada de novas consciências. Pelo menos, o amadurecimento vem acompanhado de mais chance de ficar sábio. Ninguém é sábio com 15 anos.

Em um de seus vídeos, você fala que a solidão é o ‘lugar onde estou comigo mesmo’. Na sua concepção, isto é bom?
Solidão não depende de estar ou não com pessoas. Há solitários acompanhados e pessoas muito felizes sem ninguém. Solidão vista como defeito é a falta que eu sinto, uma ausência, um vazio insuperável. Solidão como virtude é estar consigo, bem, pensando ou fazendo coisas: absorvendo um livro, um chá, um vinho, um quadro ou uma música. Os diálogos do meu eu com o mundo não dependem dos outros. Se você nunca pode estar com ninguém e nunca pode ficar sem outra pessoa, temos um problema que não é com a solidão, mas com você.


Jornal Extra

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