Por alguma razão, ou várias, o Dia Internacional da Mulher foi comemorado no mundo com uma dosagem especial de militância. Se houver um motivo que possa explicar a multiplicidade de manifestações em grandes cidades globais, este terá sido a vitória de Donald Trump nas eleições americanas, depois de uma campanha nunca vista, em que ele desfiou um longo repertório de machismo, misoginia e sexismo. Semeou revolta e veio a reação.
No Brasil, a data serviu para que fossem relembradas características de uma sociedade marcada não apenas por disparidades de renda e de qualidade de vida, mas entre gêneros. O país urbanizou-se em alta velocidade, a partir da segunda metade do século passado, enquanto acelerava a industrialização. Mas não se exorcizaram, como seria saudável, preconceitos e barreiras na sociedade contra a mulher — no mercado de trabalho, na universidade, na divisão de tarefas familiares.
O direito ao voto feminino foi conquistado no Brasil em 1932, 12 anos depois de nos EUA. A solidez e continuidade da democracia americana ajudam na participação de todo cidadão, independentemente de gênero. Já os surtos de autoritarismo no Brasil prejudicaram todos. Porém, mais a mulher, neste aspecto, porque esses regimes atravancaram em certa medida o processo de avanço nos costumes. O fato de o Brasil ter sido governado por uma mulher se deveu mais a uma particularidade da conjuntura política — haver um líder, Lula, capaz de eleger qualquer um como sucessor. Dilma foi um ponto fora da curva.
Cresce, porém, a consciência da necessidade da abertura de novos espaços para as mulheres, mais da metade dos brasileiros, e de sua defesa, elas que são vítimas de inominável violência. Num carnaval especialmente violento, mulheres foram alvo especial de agressões: houve, segundo a PM, uma ocorrência a cada quatro minutos; 1.160 registros de ataques físicos, e 160, sexuais. Numa relação de 83 países, o Brasil é o quinto com a mais alta taxa de homicídios de mulheres (4,8 por cada grupo de 100 mil). Os indicadores são preocupantes. Há, no entanto, frentes em que direitos das mulheres têm sido fortalecidos. Um improvável terreno em que isso acontece é o Supremo Tribunal Federal, presidido desde o fim do ano passado pela ministra Cármen Lúcia, e que tem a companhia na Corte de Rosa Weber. O STF tem sido sensível à situação da mulher em momentos de extrema dificuldade: ao permitir, por exemplo, o aborto de feto anencefálico (que nasce sem cérebro), uma postura avançada que deve se repetir em julgamentos de casos semelhantes.
Resta, porém, a grande barreira existente no Congresso e suas bancadas conservadoras, a fim de que se abram novos espaços institucionais para a mulher. O começo de todo progresso, no entanto, e não só nesta questão de gêneros, passa por uma urgente melhoria do ensino básico, para permitir que meninas e meninos consigam emancipar-se por meio da qualificação.
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