‘Ministros’ do Supremo recorrem a escala de cores para definir como classificar os brasileiros na aplicação das cotas raciais
Ulysses, ministro do Supremo, entra na sala do colega, Sérgio, que já o esperava.
— O que houve, Sérgio?
— Bom... como você deve ter lido, o negócio das cotas nas universidades tá dando problema de novo.
— O que houve agora?
— Aqueles merdas de sempre.
— Sociedade civil?
— Sociedade civil.
— Esses bostas.
— Sempre eles. Querem que a gente determine de novo, que a gente classifique de novo, que a gente documente de novo...
— Tudo de novo?
— Tudo de novo.
— Por que, hein?
— Porque precisa saber quem é preto e quem é branco. Tem preto que é preto, preto que não quer ser preto, branco que acha que é preto e ainda tem os tais dos albinos pra esculhambar tudo.
— E aí?
— Aí que eu resolvi usar a escala Pantone dessa vez.
— Escala quem?
— Escala Pantone. É que a filha da ministra Do Carmo faz design na PUC e tem um livretinho com tudo que é cor separada por número, letra e o cacete. É até bonitinho o negócio.
Sérgio pega o telefone e fala com a secretária.
— Dona Solange, a senhora pode trazer aquela escala Pantone aqui? Isso. Aquele livrinho das cores. Obrigado.
— Mas Sérgio... acho desnecessário. Preto é preto e branco é branco.
— Você sabe que não é bem assim, Ulysses. O Pelé, por exemplo. É preto. Seu Jorge? Preto. Mas aí a gente cai para um terreno mais nebuloso. O senador Romário é o quê? E o Neymar ? A Preta Gil mesmo às vezes eu olho e acho que é meio cinza.
Solange, a secretária, entra na sala com um bloquinho.
— Seu Sérgio, eu não achei a escala que o senhor falou, mas achei aquele bloquinho da Suvinil que a gente usou pra pintar o gabinete. Tem umas cores também.
Sérgio coloca os óculos, observa o bloquinho, parece satisfeito e agradece, Solange sai da sala e os ministros começam a examinar a tabela de cores.
— Ulysses, batendo aqui com o que a gente tinha antes, podemos então fechar que de “Tarde de Outono” pra baixo é preto e pra cima é branco?
— Peraí. “Pra baixo” é mais escuro? Tem que ver isso aí pra não dar problema.
— Pra baixo aqui a gente já cai em “Crepúsculo” e “Cuia de Chimarrão" que eu, sinceramente, acho ofensivo.
— Quer saber? Isso é uma grande palhaçada, Sérgio. Isso não é questão de cor. É questão social. Quer ver? Você joga golfe, certo?
— Certo.
— Muito bem. E pelo que eu tô vendo aqui, o Tiger Woods é... deixa eu ver nesse bloquinho... cor de “Beijo Baiano”. Agora eu pergunto: ele precisa economizar na mensalidade? Não. Não precisa. Ele precisou de pistolão? Não. Nem ele, nem o Barack Obama, nem a Oprah, nem o Michael Jordan. É meritocracia, pô!
— Então você acha que a gente deve estabelecer cota baseada em renda e não em cor de pele?
— Evidente!
— Pensando bem, você tem razão.
De repente, José, o único ministro negro do STF, abre a porta.
— Gente, desculpe o atraso. Bastou eu trocar de carro pra ser parado em cinco blitzes vindo pra cá.
— Cinco?!? — perguntam os dois.
— Cinco! Na primeira, ainda levei um tapa na cara de um policial achando que eu era bandido. Acreditam?
— Mas você não disse que era ministro do STF? — Perguntou Sérgio.
— Disse. Mas aí ele riu e me deu outro. Essa violência tá demais, né?
Ulysses e Sérgio ficam constrangidos. Sérgio fecha o bloquinho e pergunta encerrando a conversa com Ulysses.
— Vamos de “Tarde de Outono” então?
— Por mim, ok.
José não entende.
— “Tarde de outono”? Do que vocês estavam falando?
Sérgio e Ulysses se entreolham.
— Desse clima louco, né, Ulysses?
— Brasília, né, Sérgio? Muito seca.
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