O bom exemplo foi dado. Mas quem disse que seria fácil?, como perguntam os ingleses… Com cerimônia oficial e pose para foto, o ministro da Educação, Mendonça Filho, e a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, anunciaram ato de doação de 20 mil livros para formação de bibliotecas em 40 presídios brasileiros. Um bom exemplo. Mas este é um assunto espinhoso.
Vamos às contas: são apenas 500 livros para cada unidade prisional. Uma biblioteca módica deve ter, no mínimo, três vezes mais, segundo orientação da ONU. Outra: o MEC informa que o acervo está disponível, ou seja, já estava lá, guardado. É uma boa notícia. Mas se estavam lá, não houve curadoria, não houve escolha dos títulos. Livros, preferencialmente, de literatura de ficção brasileira.
Outra dúvida, localizada no coração do problema: por que o Ministério da Educação, sozinho? Todos sabem que os órgãos ligados ao mundo do livro e da leitura estão subordinados ao Ministério da Cultura. Fazem parte do seu organograma há décadas. Este programa deveria ser entregue ao cargo do ministro Roberto Freire, que, certamente, fará uma gestão balizada e tecnicamente adequada, dada a qualidade de seus pares, como Mansur Bassit, que militou anos na Câmara Brasileira do Livro, e o bibliotecário Cristian Santos, responsável pela Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas.
Está em vigor, há anos, a Lei de Remissão de Pena Através da Leitura. Basta o preso ler um livro por mês, fazer um resumo e entregar. Em contrapartida, dias da sua pena serão subtraídos. Por que não informar isso, no anúncio, como um dos motivos? Milhares de encarcerados pelo país já desfrutam deste benefício. São inúmeros os projetos e programas de incentivo ao hábito da leitura no âmbito dos presídios no Brasil. Da pequena Araxá, no sul de Minas, à periferia de Porto Alegre.
O mais importante desta iniciativa é o exemplo. A força de transformação contida no livro é imensa. E de todas as atividades do campo da cultura, a única realmente factível para o presidiário é a leitura, devido ao fator óbvio do confinamento. A leitura é campo fértil para a mudança. Não é por acaso que a Bíblia é o objeto mais caro, mais bem cuidado, mais protegido, ali.
Voltando às iniciativas exitosas, a Penitenciária de Montenegro, no Rio Grande do Sul, criou o ofício de facilitador de livros. Tal atividade é necessária por uma questão de segurança: os presos não podem circular até as salas de leitura para buscar os exemplares.
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O que o facilitador faz? Enche uma caixa de feira com livros e roda a penitenciária à procura de leitores. Devido à presença dos facilitadores, quase todo o acervo está emprestado. E o melhor: a cada três dias no ofício, um dia a menos na prisão, como remissão de pena. Isso é exemplo.
E como não é fácil, é necessário facilitar: convidem os bibliotecários, especialistas em leitura e responsáveis pelas inúmeras iniciativas já existentes no país no campo do livro no mundo prisional para participar. Por quê? Porque é um bom exemplo. Porque os brasileiros querem ajudar. Porque todos querem participar de uma possibilidade de transformação concreta que a leitura nos presídios proporciona. Façam deste bom exemplo uma ação comunitária, pública, participativa. E confiram os resultados. Será um incêndio de transformação literária, humana e cidadã. Querem apostar?
Afonso Borges é escritor
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/redencao-pela-leitura-20826638#ixzz4Xk4WAb82
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