sexta-feira, 19 de julho de 2019

Pequena África, joia do Rio, pode ter proteção da lei

Texto, que aguarda análise do prefeito, prevê a demarcação da região e ações como a criação de um memorial
Renan Rodrigues
26/05/2019 






RIO — No centro do Largo de São Francisco da Prainha, na Saúde, a estátua de Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do Teatro Municipal, é um símbolo de resistência da herança africana. Sinais dessa ancestralidade também estão na Pedra do Sal, no Cais do Valongo ou no Morro da Providência. E, agora, poderão ser ainda mais valorizados com a demarcação de uma região de 1,13 quilômetro quadrado que ficou conhecida como Pequena África, por ter sido habitada, no passado, por escravos alforriados.

O reconhecimento está previsto em um projeto aprovado pela Câmara Municipal no último dia 14. O texto, de autoria dos vereadores Fernando William (PDT) e Teresa Bergher (PSDB), ainda será analisado pelo prefeito Marcelo Crivella. Se for sancionada, a lei exigirá reparações pelos crimes de escravidão, como a instalação de um Memorial da Diáspora do Africano e a reconstrução de ladeiras, becos e vielas de acordo com as características originais.

— Essa região é de extrema importância porque o período de escravidão no Brasil foi maior do que o posterior à abolição. Aprender com esse erro e analisar como ele ainda gera efeitos na população negra são importantes para pensar o combate ao racismo. Boa parte do legado foi perdida, mas a Pequena África ainda é um ponto de resistência da diáspora africana que está de pé — afirma o historiador Jorge Santana.

Entre os bairros de Santo Cristo, Gamboa e Saúde, o perímetro que deve ser demarcado abriga sítios arqueológicos como o Cemitério dos Pretos Novos. E é endereço de centros culturais, como o José Bonifácio e a Casa da Tia Ciata.



O Cais do Valongo é emblemático, reconhecido com o título de Patrimônio da Humanidade. Construído em 1811 para retirar da Rua Direita (atual Primeiro de Março) o desembarque e comércio de africanos escravizados, foi redescoberto em 2011, durante as obras de reurbanização do Porto Maravilha. Ali, segundo estudos, foi porta de entrada de aproximadamente um milhão de escravos no Rio.


Recuperação x Descaso
Mas, enquanto esse tesouro histórico começou a receber, na semana passada, obras de conservação e limpeza orçadas em R$ 2 milhões (com recursos do Fundo dos Embaixadores dos Estados Unidos para a Preservação Cultural), outro monumento enfrenta o abandono. No Jardim Suspenso do Valongo, inaugurado em 1906, são muitas as marcas da má conservação. Na encosta do Morro da Conceição, seu principal acesso está fechado, estátuas foram pichadas e parte da iluminação acabou roubada. Também virou dormitório de uma moradora de rua.


A lei que pretende dar mais visibilidade a lugares como esse, no entanto, não é unanimidade. Em um de seus artigos, o texto estabelece que imóveis podem ser incorporados para que tenham funções de preservação da memória. Na opinião da diretora do Instituto Pretos Novos, Merced Guimarães, há margem para interpretações de que casas podem ser desapropriadas:

— Temos que lutar por uma memória de um passado que ainda é muito presente. Mas a lei não pode punir pessoas.

O vereador Fernando William, porém, garante que o objetivo é outro.

— Não propus a desapropriação. A ideia é basicamente que o lugar seja preservado e recuperado — afirma.

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