segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Crônica do Dia - Todo escritor brasileiro é imortal


Há outros escritores para a Academia Brasileira de Letras e muitos deles não querem nem ser lembrados


DEONÍSIO DA SILVA


A Academia Brasileira de Letras (ABL) é notícia outra vez. Não poderia ser diferente – a centenária instituição é assunto com muita freqüência, seja por suas inegáveis virtudes, seja por seus insólitos tropeços. Com efeito, à semelhança dos homens, as instituições também pecam por palavras, atos e omissões.
Ela é notícia porque o projeto de Machado de Assis continua dando certo mais de um século depois de sua fundação. Com as óbvias controvérsias que cercam todos os sistemas de exclusão, a ABL reúne nomes que no conjunto resistem a complexos critérios de avaliação. Como nos hospícios, nem todos os que ali estão são; e nem todos os que são estão. Mas ainda assim os atuais 40 são mais representativos do que em passado recente.

As vacilações começaram ainda em sua fundação. Joaquim Nabuco, o primeiro secretário-geral, justificou a falta de modéstia de todos, disfarçada no eufemismo de um indicar o outro: “Nenhum de nós lembrou seu próprio nome; todos fomos chamados e chamamos a quem nos chamou; nós somos quarenta, mas não aspiramos a ser os ‘Quarenta’”. Assim, reconhecidos escritores não quiseram saber da ABL, como foi o caso de Erico Verissimo, no romance, e Carlos Drummond de Andrade, na poesia. Outros se candidataram e perderam, exemplo de Mário Quintana.

Houve outras exclusões mais célebres. Durante 79 anos a Academia não aceitou mulheres. Até que, em 1976, 24 acadêmicos aprovaram emenda do escritor Osvaldo Orico que restaurava “o sentido genérico e jurídico da palavra brasileiro”. E, em 1977, Rachel de Queiroz abria o novo caminho e se tornava a primeira mulher eleita para a ABL, seguida por Dinah Silveira de Queiroz (1980), Lygia Fagundes Telles (1985) e Nélida Piñon (1989). As vagas da ABL são assunto nacional. Um homem de cultura não pode achar ruim que de repente, não mais que Vinicius de Moraes, a literatura ganhe chamada de capa em jornais e revistas, ao lado dos destaques esportivos, da economia e da política. Como diz Fiori Gigliotti, o mais barroco de nossos locutores esportivos, “abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”. Pois é também de espetáculo barroco que se trata.

Parafraseando Osvaldo Orico, todos os nomes já lembrados para a vaga de Jorge Amado fazem jus ao “sentido genérico e jurídico da palavra escritor”. Mas isso é muito pouco para muitos deles. Tal definição cobre aqueles nomes que, por motivos extraliterários, são denominados escritores pelo simples fato de que escrevem, sim, mas que não é por isso que estão na berlinda. Há muitos outros escritores, além dos já lembrados, que à luz de qualquer juízo que se respeite – como gostava de dizer em suas aulas meu querido professor Guilhermino César – têm nomes e obras acima dos mais citados. E muitos deles não querem nem ser lembrados.

A Academia vai escolher quem ela quiser. E, de uma forma ou de outra, todo escritor brasileiro é imortal: ou porque está na Academia, ou porque não tem onde cair morto.

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