segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Artigo de Opinião - Um Carnaval com ministro sem cultura

Os 'donos do Brasil' tratam a liberdade de expressão como uma dádiva que deferem ao povo quando querem ouvir

25/02/2017 
O DIA


Rio - O imbróglio no qual o ministro da cultura, Roberto Freire, se meteu na semana passada na solenidade de entrega do Prêmio Luiz de Camões ao escritor Raduan Nassar demonstra que o ministro não está à altura da pasta que ocupa. Se conhecesse o Brasil e a obra de quem se homenageava, o ministro teria ficado calado e não lhe teria buscado injuriar quando o momento era de celebração.

O ministro, senhor de Pernambuco, agiu como os chefes provincianos que apenas reconhecem o direito de fala do interlocutor quando quer ouvir e que mandam calar quando querem o silêncio. Os ‘donos do Brasil’ tratam a liberdade de expressão como uma dádiva que deferem ao povo quando querem ouvir.

Mas o povo inventou maneira de resistir e resiste. Darcy Ribeiro falou da classe dominante brasileira, inculta e por vezes com mero verniz de ilustração, razão de nosso subdesenvolvimento. Roberto Freire é exemplo dela: muita empáfia e pouco conteúdo; mero amanuense de um governo sem voto.

No ‘Manifesto Antropofágico’, certidão de nascimento da brasilidade, Oswaldo de Andrade escreveu que “nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval”. E fazer Carnaval é nosso jeito de zombar das ‘otoridades’ que se julgam sérias. 

O governo golpista que tenta manter a tentativa de catequização do povo brasileiro, com bons modos vindos com as caravelas, e suas mulheres “belas, recatadas e do lar”, não tem lugar nesta terra onde o povo não se lhe submete nem se deixa dominar.

Melhor que o recato lusitano são as imagens que circulam nas redes sociais da bela moça tão bem vestida quanto uma índia e que já rendeu condenação de quem vazou tais imagens próprias para esta época carnavalesca.

Num dos capítulos do livro ‘Lavoura Arcaica’, Raduan Nassar narra a estória de um faminto que pedira comida a um homem rico. Este, simulando lhe entregar comida, perguntava sobre o gosto do que simulava oferecer.

O faminto fingia degustar. Ao fim, o ‘mandão’ lhe deu pão, merecido porque demonstrou paciência. “O faminto, dobrando-se de dor, pensou com seus botões que os pobres deviam mostrar muita paciência diante dos caprichos dos poderosos, abstendo-se por isso de dar mostras de irritação”. Raduan não é faminto por prêmios e por isso irritou o ministro, senhor de sigla partidária que registrou para impedir que outros a usassem na luta do povo.

João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito

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