domingo, 25 de setembro de 2016

Artigo de Opinião - Discurso único e roubo do futuro


Nossa escola vai mal. Faltam a ela garantias elementares para seu desenvolvimento

O DIA


Uma vez mais estamos diante da mágica segundo a qual “uma mentira mil vezes repetida torna-se verdade”. Dita pelo governo e repetida por consultores de plantão, a Reforma do Ensino Médio, contida na MP 746/2016, apresenta-se como urgente, óbvia e única.

Esclareço. Há décadas discutem-se no Brasil propostas de reforma mais ou menos progressistas. Não por acaso, projetos consistentes de construção da educação integrada ou politécnica ganharam lugar por todo o país. Envolvidos no seu processo de formação humana, jovens gritaram no Movimento Ocupa que precisam de aulas, de espaços limpos e livres para refletir e crescer e de seus professores, valorizados e sãos.

Ao contrário do que afirma a MP, afastam-se da decepção do desemprego juvenil não os que têm formação mais pragmática e sim os que têm acesso às disciplinas da área humana, à diversidade de idiomas, aos laboratórios, às bibliotecas e eventos culturais; os que possuem mobilidade.

Nossa escola vai mal. Faltam a ela garantias elementares para seu desenvolvimento: faltam salas, janelas. Faltam bibliotecas, laboratórios, cursos livres. Falta respeito aos professores. Faltam eleições livres que afastem direções ilegítimas. Dramaticamente, falta papel higiênico.

O cinismo do discurso oficial parece querer ocultar essas verdades e nos impor como urgente, óbvia e única uma reforma que, feita em outros países, como Portugal, vem resultando no aprofundamento da diferença entre ricos e pobres, na desqualificação precoce dos filhos dos trabalhadores — enviados para os cursos profissionalizantes rasteiros, na imbecilização de uma geração que de si e dos outros não conhece mais do que vem nas frases curtas das mídias sociais.

Nossos jovens precisam de ajuda. Precisam de governantes, pais, professores... comprometidos com a distribuição de riqueza e dos meios de vida, com projetos que remetam ao futuro, e não ao passado de exclusão e hierarquização contidos nas Reformas Capanema (1942) e nas Leis Orgânicas do Ensino (até 1961); ou ao amesquinhamento que reduziu as disciplinas de Filosofia, Geografia, História e Sociologia ao quartel estreito dos estudos sociais. Você está comprometido com o futuro dos nossos jovens? Então informe-se, mobilize-se. A farsa está em ação.

Cláudia Affonso é professora de História do Pedro II

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