terça-feira, 28 de junho de 2016

Personalidades - Monteiro Lobato - o escritor revolucionário




José Bento Monteiro Lobato, nascido em 18 de abril de 1882, na cidade de Taubaté - São Paulo -, filho de pai fazendeiro, ficou popularmente conhecido por Monteiro Lobato, tornando-se um contista, ensaísta e tradutor de sucesso na história da literatura infantojuvenil brasileira


por Maria Helena Farage Ferreira Aguiar* e Mírian Gomes de Freitas**


Lobato é um escritor bastante popular entre as crianças, pois se dedicou a construir um estilo de linguagem coloquial, mais próxima à fala e às expressões cotidianas, mesclando assim, realidade e fantasia em um só universo literário.

Pode-se dizer que ele foi o precursor da literatura infantil no Brasil.

Lobato graduou-se em Direito, e exerceu por alguns anos, o cargo de promotor público. Porém, ao receber a herança deixada pelo avô, tornou-se fazendeiro e optou por um estilo de vida que estivesse relacionado com a escrita e a leitura, pois essas eram as duas coisas que mais lhe instigavam o pensamento. Por isso, iniciou a saga das publicações de seus primeiros contos em jornais e revistas, sendo que, alguns anos mais tarde, tais histórias foram reunidas no livro Urupês, considerado pela crítica como uma de suas mais importantes obras.

Naquela época, era comum os livros brasileiros serem editados na Europa, em Paris ou Lisboa, que possuíam um mercado editorial muito mais desenvolvido diante do nosso, que era quase inexistente. Em face disso, Monteiro Lobato decidiu se tornar também um editor e, desde então, entrou definitivamente para o mercado editorial brasileiro, passando a editar os nossos próprios livros.

Com isso, ele implantou uma série de renovações nos livros didáticos e infantis, como ilustrações mais ampliadas e capas melhor elaboradas, criando uma nova versão do livro no Brasil e do seu layout. Sua obra-prima, Urupês, reuniu 14 contos e foi publicada em 1918. Um dos textos dessa obra, cujo título dá nome ao livro (Urupês), traz sua mais famosa personagem "Jeca Tatu", encenando a figura do caboclo em contraposição ao índio surgido no período do Romantismo que, na fase indianista, representa o ícone da brasilidade. O caboclo, ao contrário, passa a ser a figura do modelo ideal do modernismo, e não era uma figura idealizada como era o indígena nas obras dos escritores românticos.

POR DENTRO
URUPÊS
Urupês é uma coletânea de contos e crônicas (no total de 14) escritos por Monteiro Lobato. Publicada em 1918, é considerada sua obra-prima. É um marco na literatura brasileira, pois dá início a um regionalismo crítico e mais realista em comparação ao que se vinha publicando até então, no período do Romantismo. O "Urupês" do título é também o nome de uma das crônicas presentes na obra. Ela mostra uma visão depreciativa do caboclo brasileiro. Lobato chama o caboclo de "fazedor de desertos", um estereótipo oposto ao que era mostrado na visão romântica de autores do Modernismo. 

ORIGEM
CABOCLO
O termo é usado para designar o mestiço de branco com índio. Chamado também de "mameluco, caiçara, cariboca ou curiboca". Pode ser também sinônimo de "caipira". Segundo algumas fontes, etimologicamente o nome "caboclo" vem do tupi kari'boka, que significa "descendente de branco". Mas não há consenso quanto a essa origem. Há etimólogos que sugerem que a palavra vem do tupi "kuriboka", que significa "filho de mãe índia e pai branco". Mas a expressão, segundo alguns, pode vir do tupi "caa-boc", que significa "o que vem da floresta". Ao longo do tempo, a palavra"caboclo" foi ganhando maior abrangência em seu siginificao; o termo também é usado para denominar a figura do homem do sertão brasileiro, que possui modo rústico, desconfiado ou traiçoeiro.

Jeca Tatu representava todo o atraso e miséria socioeconômica do país. Lobato era, antes de tudo, um homem que polemizava pelas suas ideias irreverentes e críticas que costumavam sacudir os intelectuais brasileiros numa época de reações progressistas e modernas na década de 1930. Seu artigo "Paranoia ou mistificação?", em que faz severas críticas à exposição dos quadros da pintora futurista Anita Malfatti, em São Paulo, foi um ponto de partida para demonstrar suas concepções contrárias à arte de vanguarda que estava sendo produzida no Brasil, sob os excessos das influências de pintores e artistas europeus.

O escritor viajou para os Estados Unidos logo após o sucesso de sua carreira literária, com a publicação de Urupês, Cidades mortas e Negrinha. Lá, viveu por alguns anos e teve uma decepção após ter sido menosprezado pelo seu livro O presidente negro e o choque de raças, em que, polemicamente, narra a história de um candidato negro à presidência dos EUA. Após a frustrante experiência na América do Norte, retorna ao Brasil em 1931, e dá prosseguimento aqui à sua carreira literária.

Lobato foi um dos escritores responsáveis pelo surgimento de uma nova roupagem ficcional da literatura brasileira, porque seu olhar e suas percepções sempre buscavam o progresso, a modernidade, o novo, e por isso, deixou fluir o pensamento e o estilo da criatividade livre, sem restringir-se às vanguardas europeias ou a outras influências que não fossem brasileiras.

A REVOLUÇÃO NA LITERATURA E NA PEDAGOGIA INFANTIL
Considerado o "Pai" da literatura infantil brasileira, foi o criador de histórias que convidam as crianças a sonhar e imaginar o mundo e sua realidade. Tais histórias eram um ponto de partida para que a liberdade do pensamento reflexivo rompesse com a pedagogia tradicional da época, que era impositiva e direcionada a preceitos educacionais nem um pouco libertadores.

Lobato se preocupava muito com a formação dos leitores jovens e sempre esteve à frente das iniciativas da difusão do livro no Brasil, pois foi editor e contribuiu muito com a distribuição de livros no território nacional.

Preocupava-se em criar edições ilustradas, capas coloridas com imagens interessantes e bem desenhadas. Era comum, em seus livros, os personagens lerem e discutirem as histórias, sendo esta uma proposta do autor para retratar a prática da leitura, a consciência crítica do leitor e a troca de experiências através do texto lido. Pois, em Sítio do Pica-Pau Amarelo, Dona Benta era contadora de histórias, e Pedrinho, Narizinho e a boneca Emília são ouvintes/ leitores que escutavam atentos e curiosos às histórias narradas pela interlocutora e recriavam o sentido da mesma, sempre de maneira livre e criativa. Muitas vezes, até Rabicó e Quindim iam para a sala escutar as histórias lidas por Dona Benta, que era a porta-voz de Lobato, a realçar o cunho educativo das leituras e no intercâmbio de ideias e fantasias dos seus netos e demais ouvintes/leitores do sítio. Dessa forma, o autor encontrava um meio democrático para difundir a leitura por meio de seus próprios livros.

Seus personagens possuem ideias independentes e críticas, como é o caso da boneca de pano Emília. Visconde de Sabugosa é o sábio, representado por uma espiga de milho, com ideias geniais, atitudes de adulto responsável e intelectual. Tia Nastácia, a simpática cozinheira do sítio, simboliza a pedagogia do afeto, pois era protetora e falava em sua linguagem de "negra" as coisas que as crianças gostavam de ouvir. A Cuca, um jacaré, que aterrorizava de maneira cômica, a todos no sítio. Pedrinho e Narizinho eram duas crianças curiosas e questionadoras. O Saci-Pererê era a representação da alegria e da molecagem no sítio da Vovó Benta. Todos esses personagens integram a obra Sítio do Pica-Pau Amarelo, que ainda hoje é lida por muitas crianças, jovens e adultos. Essa obra foi adaptada, diversas vezes para a televisão, a partir de 1952 e traduzida na Argentina, Itália e Rússia.
No período em que os holandeses ocuparam o Nordeste (entre 1630 e 1650), eles tiveram a intenção de instalar uma tipografia. Até trouxeram um tipógrafo, mas que faleceu pouco tempo depois de chegar ao Brasil. Apenas 60 anos depois Recife teve uma impressora, que funcionou de 1703 a 1706. Há registros de que no Rio de Janeiro, em 1747, eram impressos folhetos, além de outros tipos de impressos, o que era proibido por Portugal. Por isso, os livros de escritores brasileiros eram feitos na Europa. Esse fato impediu também a instalação de livrarias em nosso país: em 1792 havia somente duas, no Rio de Janeiro, e a maior parte dos livros que vinham para cá era contrabandeada.

Em janeiro de 1808 a família real portuguesa chegou ao Brasil fugindo da invasão napoleônica, trazendo 60 mil volumes da Biblioteca Real portuguesa. A inauguração da imprensa régia no Brasil se deu em 13/05/1808, com a publicação de um folheto de 27 páginas, acompanhado da Carta Régia. O jornal "Gazeta do Rio de Janeiro" foi o primeiro jornal impresso no Brasil, fundado em 10/09/1808. Durante 14 anos, a impressão foi um monopólio do governo português instalado no Brasil. Mas antes da imprensa régia, ocorrera a primeira impressão de livro na província de Vila Rica, em Minas Gerais, em 1807.

Em 1810 o governo criou aqui a Biblioteca Real, atual Biblioteca Nacional. Em 1821, foi revogada a proibição de imprimir: folhetos, revistas e jornais começaram a aparecer cada vez mais. Contudo, até a Primeira Guerra Mundial, os livros brasileiros eram impressos, em sua maioria, na Europa. As editoras e livrarias brasileiras dedicavam-se mais aos livros didáticos e poucos livros eram impressos no Brasil.

Foi aí que Monteiro Lobato teve a iniciativa de imprimir por conta própria, nas oficinas do jornal "O Estado de S. Paulo", seu livro "Urupês", em 1918. Na época, havia no Brasil pouco mais de 30 livrarias. Lobato escreveu para todos os agentes postais do Brasil (1300 ao todo) solicitando nomes e endereços de bancas de jornais, papelarias, armazéns e farmácias interessadas em vender livros. Quase todos os agentes postais responderam. Isso levou à criação de uma rede de quase dois mil distribuidores espalhados pelo país. Lobato então publicou, além de seus próprios livros, obras de seus amigos e de escritores iniciantes.

PERFIL
ANITA MALFATTI
Nasceu em São Paulo, a 2 de dezembro de 1889 - faleceu em São Paulo, a 6 de novembro de 1964. Ela foi artista plástica, pintora, desenhista, gravadora e professora. Estudou pintura em escolas de arte na Alemanha e nos Estados Unidos. Na Alemanha, onde esteve em 1910, teve contato com o expressionismo. E nos Estados Unidos, teve contato com o movimento modernista. Essa mistura de referências influenciou sua formação artística. Em 1917, quando de uma exposição individual, foi duramente criticada por Monteiro Lobato em uma matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.

REPRODUÇÃO | INTERNET
POR DENTRO
PETER PAN 
Personagem criado por J. M. Barrie para sua notória peça de teatro intitulada "Peter and Wendy", que deu origem ao livro infantil de mesmo nome, publicado em 1911, e a várias adaptações para o cinema. O personagem é um garoto que se recusa a crescer e passa a viver a vida como uma aventura repleta de aventuras fantásticas. Barrie havia inventado o personagem enquanto contava histórias para os filhos de sua amiga Sylvia Davies. Depois, em 1902, o personagem aparece no livro "The Little White Bird" - que por sua vez deu origem à peça de teatro já citada. Até que em 1911, a história ganha seu formato definitivo, cujo texto é o conhecido até hoje. 

O mais interessante nos episódios é que os personagens em determinados momentos da história deixam o sítio para explorar outros mundos imaginários, como o subaquático Reino das Águas Claras, a Terra do Nunca, povoada por seres da Grécia Antiga, e outros, sempre diversificando as experiências dos personagens e relacionando-os a outros mundos e realidades diferentes das que eles vivem.

O fantástico é muito explorado por Lobato nas suas histórias, pois acreditava que o mundo habitado pelas crianças era lúdico e dotado de todas as possibilidades do imaginário. Através desse viés, o autor criou uma nova pedagogia infantil para nossas crianças, pautada na descentralização do poder autoritário do professor e centrada em uma nova filosofia da aprendizagem, em que as leituras devem ser compartilhadas enquanto experiências, ideias e pontos de vista, de maneira democrática, livres de pré-conceitos. Seus textos infantis são dotados de cunho ideológico, voltados para a recriação da literatura brasileira e com diálogo pertinente com a pedagogia infantil, na intenção de romper com os padrões tradicionais da educação nas primeiras décadas do século XX.

A INTERTEXTUALIDADE, O DIÁLOGO COM OS CLÁSSICOS INFANTIS E AS POSSIBILIDADES DO IMAGINÁRIO
Nas obras de Lobato percebe-se o contágio de livros lidos pelo autor e o constante diálogo com obras clássicas da literatura infantil, as quais são incorporadas em suas histórias, como é o caso de Peter Pan, Pinóquio e Dona Carochinha, que povoam seus textos rompendo as fronteiras do espaço literário e ganhando voz nas suas narrativas.

Podemos citar, também, no percurso da literatura universal, o Barão de Munchausen, Dom Quixote e o Minotauro, entre outros. Todos esses personagens representam as vozes dos intertextos que fazem parte da obra Sítio do Pica-Pau Amarelo, e são parceiros das aventuras e experiências fantásticas que os personagens do sítio vivenciam. Lobato foi tradutor dos clássicos infantis Pinóquio e Alice no país das maravilhas, e essa experiência com a tradução foi muito utilizada para dialogar com as histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

A literatura de Lobato proporciona um encontro muito significativo com o leitor, pois o mesmo se preocupava com a elaboração de sua escrita e com a linguagem, que era contextualizada no aspecto mais oral (língua falada) e menos formal, estruturada em múltiplos diálogos e vozes polifônicas. Além disso, havia uma complexidade no enredo, na construção cuidadosa dos personagens e na diversidade de temas.

As obras de Lobato, em sua maioria, apontam para temas humanitários, sugerindo reflexões e críticas aos sistemas político e social do Brasil. Apesar das fantasias e sonhos que o autor insere em seus textos, há amplamente o espaço para o diálogo com a realidade. As fronteiras da realidade e da ficção se entrecruzam e são vivenciadas de maneira natural, sem contrapontos diferenciados entre um e outro mundo.
Em suas narrativas, os animais falam, os bonecos ganham vida, e os personagens recebem a visita de personagens de outras histórias. Tudo isto, em um percurso entre as infinitas possibilidades do imaginário infantil, onde há a subversão das regras e das verdades do mundo "normal" dos adultos. Segundo Lobato, "Um país se faz com homens e livros", e é este legado que o autor nos deixou, porque por meio de sua obra ele pôde difundir a leitura como fonte de prazer, conhecimento e transformação. Sendo que, sua obra proporciona uma nova visão de mundo e contribui para a formação do diálogo crítico.

Lobato, pois, acreditava em um leitor imaginativo, capaz de compreender e interpretar uma mensagem, sem copiá-la ou decorá-la, por isso, suas obras infantis possuíam enredos capazes de conduzir os leitores a uma ampla esfera de questionamentos que fluem, naturalmente, em suas mentes em desenvolvimento. Graças a Lobato, a literatura infantil brasileira, hoje, tomou novos rumos e levou centenas de professores e pedagogos a refletirem sobre o verdadeiro sentido da leitura e o real papel do leitor.

AS OBRAS DE LOBATO APONTAM PARA TEMAS HUMANITÁRIOS, SUGERINDO REFLEXÕES E CRÍTICAS AOS SISTEMAS POLÍTICO E SOCIAL DO BRASIL.

MEMÓRIA 
SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO
Esta série de livros de Monteiro Lobato pode ser considerada uma das "franquias literárias" de maior sucesso, compreendendo uma coleção de 23 livros escritos entre 1920 e 1947. Sobreviveu ao tempo e à mudança de gerações, permanecendo como um dos mais importantes referenciais da literatura infantil em nosso país. O conceito da série vem do conto "A Menina do Narizinho Arrebitado", de 1920, que depois veio a se tornar o primeiro capítulo do livro "Reinações de Narizinho" publicado no mesmom ano. Além dos livros, teve diversas outras versões impressas, inclusive histórias em quadrinhos. Teve também sucesso na TV, com duas séries com atores reais, além de desenhos animados.

POR DENTRO 
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS 
Alice chegou ao Brasil pelas mãos do escritor Monteiro Lobato (1882 - 1948). Foi ele quem fez a primeira adaptação de Alice no País das Maravilhas em 1931 com ilustrações de A.L. Bowley e a de Alice no País do Espelho em 1933 com ilustrações de Tenniel. Mas a presença de Alice na obra de Lobato vai mais além, ela visita algumas de suas estórias e interage com os personagens num jogo intertextual de alcance inusitado.

Nas versões originais de Alice, observam- se traços culturais da Inglaterra vitoriana. Monteiro Lobato adapta, transforma e reambienta esses traços para se aproximarem da realidade brasileira de sua época, adequando o texto aos seus leitores. - fonte: site "Alicenagens" - http://alicenagens.blogspot.com.br/

*Maria Helena Farage Ferreira Aguiar é mestre em Literatura Brasileira pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, MG. Professora da rede municipal de ensino da cidade de Juiz de Fora. 
**Mírian Gomes de Freitas é doutoranda em estudos de Literatura (UFF). Professora do Núcleo de Línguas do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia de Juiz de Fora, MG.

Conhecimento Prático Literatura


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