terça-feira, 28 de junho de 2016

Crõnicas do Dia - Balas perdidas sobre Brasília - Arnaldo Bloch

A nudez dos coronéis e a morte da 'pureza' petista e da 'auréola' tucana


Resolver com chumbo grosso (falando claro: à bala) conflitos fundiários, disputas familiares, questões judiciais e divisões de poder político tem sido, através da História, um dos métodos preferidos pelas oligarquias deste Brasil grande sempre que as tratativas convencionais fracassam e abre-se a porteira aos jagunços. Nossa literatura de ficção ou histórica, as biografias não autorizadas, os arquivos de nossa imprensa, os anais dos tribunais, o cinema e até as novelas de época e minisséries são ricos mananciais sobre os banhos de sangue que se perpetraram em nome do poder dos chamados “coronéis”, que começa no terreno privado e se estende à estrutura do Estado. Com a evolução do nosso tortuoso processo de construção democrática, o sangue passou a ser drenado do lombo e das veias do contribuinte para os sofisticados oligodutos que se espraiam, até os dias de hoje, pelo corpo político-partidário-empresarial.

Deve ser por essa afinidade de origem que o coronelato contemporâneo — formado por deputados, senadores, ministros, governantes, burocratas e empresários, todos engravatados e locupletados num mesmo bolo disforme —, tem usado com frequência termos relacionados a armas como metáforas para os eventos que ameaçam, em cavalgada, o status quo e a influência de que ainda desfrutam, largamente, na cena da pátria.

Na conversa com Sérgio Machado, José Sarney, coronel-mor, ex-senador e ex-presidente do Brasil, disse que a iminente delação da Odebrecht teria o efeito de uma imaginária metralhadora ponto 100 (o maior calibre existente é 50, capaz de derrubar helicópteros, para se ter ideia do tamanho do medo).

Desde que os grampos de Sarney, Renan e Jucá vazaram, observadores e cronistas do cotidiano palaciano relataram que o presidente em exercício, Michel Temer, vinha repetindo a torto e a direito, em círculos íntimos, que tinha plena confiança de que não seria atingido por nenhuma “bala perdida”, apesar de estar no centro do tiroteio de delações da operação Lava-Jato. Enganou-se: a bala zuniu, ao vivo e em alta definição. O que a bala de prata, inaugural, vai provocar, além do desgaste que já se vê, não é possível prever, nem se virão outras antes da publicação deste texto, cujo fechamento foi na quinta-feira. Mas uma coisa é certa: baleado, Michel Temer nunca mais vai repetir a metáfora.

O desejo e a prática de sair atirando, ainda que simbolicamente, começa a ser vociferado pelos que, antes de Temer, já vêm sendo alvejados pelo canhão cada vez mais giratório (pois parou de apontar numa só direção) da Lava-Jato: Cunha já cochicha que vai cair atirando. Se atirar, metralhadora ponto 100 vai ser café pequeno: uma delação do lunático coronel dos nanicos, dos falsos messias, do lobby das armas, dos ruralistas, dos homofóbicos e dos vendidos (bancada dominante) viria carregada numa ogiva atômica. Apesar disso, uma visita à página do Facebook de Cunha só encontrará mensagens religiosas, congratulações a cidades que fazem aniversário e reproduções de suas notas e negativas à imprensa. A da jornalista Cláudia Cruz só tem chocolates.

O coronel do Senado, Renan Calheiros, por sua vez — que até a divulgação da delação de Machado, com valores exatos de sua suposta merenda de calibre 32 (milhões), mantinha seu elã de serenidade e sabedoria — perdeu as estribeiras e se tornou uma figura de faces rubras, ameaçadora, chula. Num ataque de nervos quase marcial, ameaçou abater Rodrigo Janot, usando os pedidos de impeachment do procurador que Fernando Collor enviou à mesa. Com um gestual parecido com o que o pessoal da umbanda e do candomblé usa para aplacar os espíritos, Cristovam Buarque pediu calma. Já Jucá, um mestre em desmembrar terras indígenas e distribuir a mineradores, parece mais atônito que disposto a sacar pistolas.

Tradicionalmente, mas não sempre, em cima do muro, o tucanato não mostra as armas. Não pia. Silencia. Aécio dá as respostas de praxe às graves acusações de Machado, com a expressão cada vez mais contrita, lembrando a do protagonista de “Scanner, sua mente pode destruir”, clássico trash de David Cronenberg. Depois do fuzilamento da “pureza” petista e da nudez exposta dos coronéis do PMDB começa a ser bombardeada, pelas beiradas, a auréola de dignidade republitucana. À espera do efeito Cerveró, com detalhes dos R$ 350 milhões só na conta de propinas do PSDB (governo FH-2), todo silêncio é pouco. Enquanto isso, Dilma fala de flores no Nordeste, deixando Cardozo no front, e Lula, autoabduzido, deixa aos advogados a tarefa de preencher as trincheiras e levantar escudos para quando vier o dia D.



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