sábado, 2 de julho de 2016

Crônicas do Dia - Conservadores em alta - Walcyr Carrasco

Um rapaz, que vive em Mato Grosso, revelou à família que é gay. Os pais evangélicos o expulsaram de casa. Fizeram com que interrompesse o curso de medicina pela metade. Só o aceitam de volta se prometer casar com uma mulher, ter filhos e constituir família nos moldes da religião. Abrigou-­se em um apartamento emprestado por uma amiga. Tenta sobreviver de bicos. Procura juntar os cacos, emocionalmente arrasado com a reação familiar. Essa história acontece todos os dias. Ecoa o atentado em Orlando, que continua a ser comentado e discutido nas redes sociais. O filho de afegãos que matou os frequentadores da boate GLS, segundo notícias, também tinha relacionamentos homoafetivos. Estava em um site para encontros. E já havia frequentado algumas vezes a casa noturna que atacou. Mas era filho de uma família islâmica, rígida em princípios de comportamento. Nós, aqui, analisamos seu ato como fruto do terrorismo islâmico. Mas a radicalização e o conservadorismo estão aqui também. Que diferença há entre a postura de alguns setores evangélicos e católicos em relação à homoafetividade? A sociedade tenta avançar com a discussão de gênero, a aceitação da união e a adoção de crianças por casais gays e lésbicos. Mas há outra corrente, fortíssima, que tenta impedir esses avanços. A lei brasileira é até confortável. Nenhum casal homoafetivo pode ser agredido por se beijar em público. Tem até o direito de denunciar os agressores. Na prática, os casais continuam a trocar carícias somente em lugares específicos. Há casos de bibliotecas públicas que disponibilizam às crianças livros que tocam na sexualidade de forma delicada, específicos para a faixa etária. Recentemente, dei uma palestra em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo. Boa parte das escolas foi obrigada a recolher esses livros, pressionada pelos pais. Uma boa percentagem de pais aceitou os livros. Os grupos radicais pressionaram mais. Venceram.


Atores, artistas, escritores expressam visões liberais a respeito da sexualidade. Um dos ídolos masculinos mais fortes do país, o ator Cauã Reymond, acaba de fazer um filme em que interpreta um travesti. Tentam avançar, em uma sociedade que se mostra cada vez mais conservadora. Nós, os artistas – eu me incluo entre eles, como escritor –, acreditamos ingenuamente que ainda há um movimento de liberação, de evolução social. Muitos políticos também abrem espaço para a diversidade. De fato, uma corrente forte da sociedade expressa abertamente o conservadorismo. Evangélicos e católicos que levam ao extremo suas convicções não são muito diferentes, na questão moral, de islamitas. Mas os islamitas mostram claramente quem é quem, têm seu modo de vida. Aqui, onde a questão islâmica não é forte (embora exista), conservadores radicais se misturam no todo social. Mas ganham votos. No primeiro mandato de Dilma Rousseff, o Ministério da Educação tentou implementar um “kit tolerância”, com livros e aulas para as crianças aceitarem a diversidade. Por pressão da bancada evangélica, a ideia foi sufocada. Não falo mal dos evangélicos. Há católicos radicais, como a ex-deputada e atriz Myrian Rios, da Renovação Carismática, que conseguiu instituir uma lei para “o fortalecimento da família”, no Rio de Janeiro, seja lá o que isso queira dizer. Causou escândalo ao misturar homoafetividade com pedofilia. Duas questões completamente diferentes. Myrian Rios tem expressão na Rede de Televisão Canção Nova, católica. Em contrapartida, há evangélicos liberais, embora sejam raros.

Direito a ser conservador, qualquer um tem. Mas quem entende a sociedade de forma religiosa pouco acredita nos direitos individuais. Há uma lei divina, a ser implementada. Não importa se islâmica, católica ou evangélica. No Brasil, há um governo laico. Humm.... bem... É laico, mas quantas vezes cede à pressão de grupos conservadores?

Vivi minha adolescência na década de 1960. Acreditei no grito de liberdade individual que essa década deixou marcado na sociedade. Estava enganado. A palavra “família” transformou-se em uma máscara para os conservadores. No Brasil matam-se continuamente homossexuais. As estatísticas são tão altas que um conhecido conseguiu a cidadania americana declarando sofrer riscos no país devido a sua sexualidade. Não sei se fez bem, diante da tragédia de Orlando. Os conservadores estão dispostos a radicalizar, e a sociedade aceita isso passivamente. A década de 1960, definitivamente, acabou.

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