quarta-feira, 11 de maio de 2016

Crônicas do Dia - O filho de Capitu -

O filho de Capitu
Não é possível achar que o mar seja o único vilão da história. Nem que se pense em construir uma ciclovia naquela costa, sem levar em conta a possibilidade de ressaca


A tragédia na ciclovia da Niemeyer é imperdoável. Seja quem for o responsável, tem que ser punido com severidade, embora nenhuma punição seja capaz de trazer de volta a vida de suas vítimas. É um absurdo, a essa altura do século XXI, em uma cidade como o Rio de Janeiro, que as tecnologias contemporâneas não sejam capazes de garantir a segurança de uma simples ciclovia. Alguma coisa ali foi planejada e/ou executada com ignorância e descaso, é preciso que os culpados paguem por esse desinteresse pela vida dos outros. Ao menos como exemplo para o futuro de outras obras e por respeito aos mortos.

Não tenho conhecimentos que me façam capaz de julgar a medida de responsabilidade da prefeitura diante da tragédia. Mas não é possível achar que o mar seja o único vilão da história. Não é possível que se pense em construir uma ciclovia naquela costa, sem levar em conta a possibilidade de ressaca.

No livro “Nunca fomos modernos”, o antropólogo francês Bruno Latour escreve que a cultura é um artefato criado para pôr entre parênteses a natureza. No nosso caso, a cultura era a ciclovia que se tentou construir sem um acordo conveniente com as ondas do mar, como se a natureza estivesse a nosso serviço. E não é que nunca tivéssemos ouvido falar de ressacas na Niemeyer. Eu ainda era estudante na PUC quando, com alguns colegas, fugia de certas aulas para curtir o barato das ressacas na Gruta da Imprensa. Uma viagem.

O desprezo pela precisão tecnológica está na origem desse drama. Se essa precisão tivesse sido contemplada por seus engenheiros, a ciclovia não teria para nós a amarga imagem de uma assombração à nossa espreita no horizonte do Leblon. Um fantasma de conto de terror. Meu amigo L.G.Bayão, excelente roteirista, costuma dizer que as novas tecnologias estão inviabilizando o melodrama. Se escrito hoje, no “Dom Casmurro” de Machado de Assis um simples teste de DNA diria de quem era o filho de Capitu.

Quando praticada pelo serviço público, essa negação do correto desempenho tecnológico é tão criminosa quanto um assassinato a sangue frio. Ou quanto um latrocínio, em que o serviço mal prestado só é útil para tomar dinheiro das vítimas através dos impostos que elas pagam para serem bem tratadas.

Mas não acho que a boçalidade e a selvageria que fizeram cair a ciclovia devam servir de pretexto sombrio para manifestações contra as Olimpíadas, como parece estar ameaçando acontecer. A cidade física e humana não é responsável pelo desastre, não merece pagar com mais frustração e tristeza por aquela calamidade.

Gosto do Eduardo Paes. Ele redesenhou a cidade com alegria e espírito solar, numa reedição moderna de administradores da primeira metade do século XX, como os prefeitos Pereira Passos e Carlos Sampaio, que fundaram o Rio de Janeiro moderno. O Porto Maravilha, a nova Avenida Rio Branco, o prático VLT e o BRT popular, o Parque de Madureira e o da Praça Mauá, as oito unidades de Escolas do Amanhã no Complexo da Maré, o Elevado do Joá, as novas estações de metrô, tanta coisa que está servindo ou vai servir à população de todas as zonas da cidade, são obras de respeito.

Segundo caderno especial da “Folha de S.Paulo” sobre o evento, “as obras diretamente ligadas à Olimpíada, em geral, estão em bom ritmo, o que revela planejamento mais eficaz que o da Copa do Mundo de 2014”. E estamos falando de um momento em que o Brasil atravessa uma das piores recessões de sua história, um momento de enorme instabilidade política. Ainda segundo a “Folha”, o Parque Olímpico da Barra está com 98% de suas obras concluídas; a cem dias de sua inauguração, a Copa tinha apenas 20% de suas obras de infraestrutura prontas. No dia em que o prefeito encerrar seu mandato, esqueceremos a política e lembraremos de tudo o que ele fez pela cidade, como Carlos Lacerda, no início dos anos 1960.

Às vésperas da Copa de 2014, graças ao entusiasmo sadio provocado pelas manifestações de rua no ano anterior, alguns militantes erraram o alvo de sua justa cólera difundindo slogan pessimista: “Não vai ter Copa”. Teve. E o único vexame que demos foi em campo, tomando aquela goleada da Alemanha. O prefeito não deve deixar passar impune esse desrespeito criminoso para com a vida da população carioca na ciclovia da Niemeyer. O rigor nessa apuração é o preço mínimo de nossa confiança em sua administração. Não queremos tomar uma goleada cívica.

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Nessa história da Miss Bumbum, a esposa do ministro do Turismo, o que mais me impressiona são as fotos em que a bela Milena aparece no escritório do marido. Em todas elas, sem exceção, o ministro Alessandro Teixeira está sempre a olhar encantado para Milena, em estado de evidente e comovente paixão. Milena deve ser mesmo uma esposa exemplar — bela, recatada e do lar.

Cacá Diegues é cineasta




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