quinta-feira, 26 de maio de 2016

Crônicas do Dia - "André Moura para quê?" - Ruth de Aquino

Nunca pensei que usaria aspas de Renan Calheiros num título. Mas, desta vez, o presidente do Senado perguntou o óbvio. De todos os erros atribuídos ao presidente interino Michel Temer nessa semana de estreia, o mais grave foi a escolha de André Moura como líder do governo na Câmara. Sua nomeação foi um tiro de bazuca no governo. Sem defesa.


André Moura é acusado de tentativa de homicídio e de roubo de verba pública para financiar churrasco e bebida alcoólica. Usou sua cota parlamentar para contratar uma empresa que forneceria notas frias em contratos de locação de carros e de assessoria jurídica. A empresa se chama Elo Consultoria. Mas o verdadeiro “elo” de André Moura é com o vilão-mor da República, o suspenso Eduardo Cunha, que ameaça voltar com força total à Câmara, sob o argumento de que as contas secretas no exterior são de um “trust”. O beneficiário é ele mesmo, mas isso não passa de mero detalhe.

André Moura é classificado como “um dos expoentes da bancada religiosa no Congresso”. Não tenho nada contra a fé, que move montanhas. Mas a fé de Moura parece mover montanhas de conchavos e preconceitos. É católico, porém lidera o PSC, de maioria evangélica. Seu projeto de lei mais conhecido, assinado com Eduardo Cunha, dificulta o aborto até em casos de estupro. Isso denota não conservadorismo, mas crueldade. André Moura (vou repetir sempre nome e sobrenome, para não ofender nenhum outro “Moura” e para que fique gravado até ele renunciar ou ser afastado por Temer) se esmera em restringir direitos de homossexuais. André Moura é investigado no Supremo Tribunal Federal, junto com Eduardo Cunha (sempre ele), por supostas pressões a empresários na Lava Jato. Ah, André Moura é do “Centrão”, o novo bloco que abarca 12 partidos na Câmara para dar sustentabilidade a Temer.

“As pessoas perguntam sempre: o André Moura para quê? É isso que tem de ficar claro. Quais são os compromissos? O que é que ele vai fazer para colaborar com o Brasil no aperfeiçoamento institucional? O que vai poder fazer?”,  perguntou Renan Calheiros.

O que pode fazer André Moura em prol de um bom relacionamento entre o Executivo e o Legislativo? Não terminaria nem com aperto de mão um encontro entre ele e a nova secretária de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, professora da PUC-SP que promete lutar pela descriminalização do aborto em todos os níveis e combater a violência contra a mulher, o racismo, a homofobia e a desigualdade.

Diante da polêmica suscitada por seu afilhado, Eduardo Cunha falou em terceira pessoa: “Não tem um alfinete indicado neste governo por Eduardo Cunha”. Bizarro tratamento a si mesmo. Mas, sim, André Moura não é só um alfinete no paletó de Temer. André Moura é uma cunha no coração do governo, com perdão do trocadilho. “Cunha” significa “peça de ferro ou madeira, cortada em ângulo agudo, para rachar lenha, pedras”. Eduardo Cunha continua a custar R$ 120 mil mensalmente aos cofres públicos. Com broche de deputado, informou que ocupará segunda-feira seu gabinete 510, em clara provocação à decisão unânime do Supremo. Todos os benefícios dados a Cunha deveriam ser anulados. Já. Residência oficial, carro oficial, avião da FAB.

Quanto tempo levará para se exigir de deputados e senadores uma cota de sacrifício na crise? Na Câmara Federal, eles têm salário de R$ 33.763, auxílio-moradia de R$ 4.253 ou apartamento de graça, verba de R$ 92 mil para contratar até 25 funcionários, de R$ 30.416,80 a R$ 45.240,67 por mês para alimentação, aluguel de carro e escritório. Dois salários no primeiro e no último mês da legislatura como ajuda de custo, ressarcimento de gastos médicos. Juntos, os 513 deputados federais custam, em média, R$ 86 milhões ao contribuinte todo mês. Ou R$ 1 bilhão por ano. Os dados são copiados do Congresso em Foco. O Congresso parece viver num universo paralelo.

A quem diz ser impossível mexer nessa caixa-preta, lembro que, em 2012, quando François Hollande assumiu o poder na França, determinou que presidente e ministros reduzissem em 30% seus salários, “para dar o exemplo”. E divulgou um código de conduta com várias regras. Entre elas: ministros teriam de recusar todos os convites particulares, de empresários ou amigos influentes. Devolver qualquer presente com valor superior a €150 (R$ 600). Em trajetos inferiores a três horas, teriam de usar trem. Ficava proibida “qualquer intervenção envolvendo um parente ou amigo próximo”.

Que Temer não se iluda. Aceitar André Moura como líder do governo é um erro muito mais sério que rebaixar a Cultura a secretaria. E não vai embora com o tempo nem o vento.

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