domingo, 3 de abril de 2016

Entrevista - Renata Libório

Fotos tiradas em frente ao espelho, hashtags contando como foi o passeio com a turma e comentários sobre o status de um amigo. Nas redes sociais, muita gente - principalmente os adolescentes - compartilha conteúdos o tempo todo. 
Renata Libório Psicóloga, pós-doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano e docente da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), é pesquisadora e orienta educadores sobre violência sexual



O uso constante de redes como Facebook, Instagram e Twitter não é necessariamente um problema. Preocupante é a exposição intensa, sem precaução ou filtro do que é pertinente ou não ser divulgado. Práticas como sexting (envio de material erótico pelo celular) e revenge porn (publicação na internet de material do mesmo gênero, sem autorização de quem aparece, como forma de vingança) têm se tornado comuns e causam problemas sérios. Compartilhadas com conhecidos ou estranhos, as cenas chegam a destinatários inimagináveis e perigosos, como pedófilos. 

Para Renata Libório, os adolescentes são um grupo vulnerável quando o assunto é exposição na internet e raramente têm preparo emocional para lidar com a questão. Por isso, ela defende que a escola esteja aberta e preparada para abordar o problema. "Proibir o uso da internet está fora de cogitação. Diálogo, informação e segurança são as chaves para viver em uma sociedade que valoriza o exibicionismo sem limites", ela diz.


RENATA LIBÓRIO Vivemos em uma época de culto à imagem, à celebridade. Sem pensar nas consequências, as pessoas se expõem e desejam o tempo todo ser vistas e curtidas virtualmente. Hoje, estar em evidência é sinal de status, dá sensação de importância. A maneira como os adolescentes atuais se relacionam é mediada pela tecnologia. Uma pesquisa da ONG norte-americana Safernet feita com brasileiros entre 9 e 23 anos revelou que 20% já receberam um conteúdo de sexting. É claro que gerações passadas também viveram a descoberta da sexualidade. Mas antes tudo ficava restrito à intimidade dos casais. Não havia a possibilidade de aparecer, como agora. Quando uma menina envia uma foto sem roupa para o namorado pelo celular, eles também estão vivenciando a sexualidade. O problema é que, ao fazer isso, correm o risco de tornar algo pessoal acessível a outras pessoas. 

Que perigos essas práticas apresentam?
RENATA Quando um conteúdo erótico é divulgado na internet, o controle sobre ele se perde: todo mundo pode acessá-lo, e o jovem se torna motivo de piada, a ponto de começar a sofrer cyberbullying, difamação e humilhações. É provável ainda que rompa com os amigos e brigue com a família porque está emocionalmente abalado. Ele ainda pode passar a não dar conta dos conteúdos curriculares. No mais, o material pode ser usado em sites de pornografia infantojuvenil e alimentar redes de pedofilia. 

Os adolescentes têm dimensão dos perigos desse tipo de divulgação? 
RENATA Tenho dúvidas se todos têm clareza dos males. Muitos vivem alienados - não no sentido marxista do termo, mas no que diz respeito aos porquês e às consequências dos seus atos. Publicam e compartilham materiais eróticos simplesmente porque acham bacana e porque todo mundo faz. Não reconhecem que estão sendo manipulados por uma sociedade que estimula relacionamentos superficiais. À medida que replicam conteúdos na rede, reforçam essas ideias, ainda que sem intenção. Tem jovem que nem sabe por que posta fotos eróticas na web. Simplesmente isso. 

As consequências das exposições na rede são diferentes para meninos e meninas? 
RENATA Sim. Por exemplo: geralmente, a figura central do sexting é feminina. Ela é mais vulnerável. As garotas são tachadas, julgadas por se exibirem, mesmo não sendo as autoras da publicação. As pessoas vão dizer que ela fez por maldade, quis se insinuar, que deveria ter se precavido etc. Já o menino que aparece sem camisa em uma foto ou mostra de alguma forma se relacionar com várias pessoas ao mesmo tempo é valorizado. Ele é considerado bonito, forte, viril. 

Por que o desejo de se vingar faz um jovem divulgar cenas do parceiro nu ou fazendo sexo?
RENATA Muitas pessoas não aceitam ser traídas ou não concordam com o rompimento do relacionamento, principalmente os homens. Nesse caso, eles exercem uma nova forma de violência contra as mulheres: expõem imagens íntimas delas na internet para que sejam recriminadas.

Diante de tantos perigos, é válido proibir os jovens de usar o computador? 
RENATA Não. Além de não fazer sentido, proibir é impossível e não resolveria o problema porque a superexposição não é culpa da ferramenta. Precisamos formar os jovens para que saibam o que podem e o que não podem publicar e os porquês. É assim que eles vão aprender a usar bem a tecnologia que têm à disposição. 

Se um vídeo ou uma foto de um aluno é publicado na internet e a turma toda fica sabendo, o que o professor pode fazer?
RENATA Ele tem obrigação de tomar providências por questões éticas. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que é dever do profissional da Saúde e da Educação denunciar ao Conselho Tutelar suspeita ou confirmação de abuso, maus-tratos ou qualquer tipo de violência sexual. Se uma aluna tem fotos sem roupa ou fazendo sexo com alguém sendo vistas por outras pessoas, está sendo violentada. É preciso acionar medidas de proteção. Ou seja, encaminhar o caso para o serviço adequado, que pode ser um psicólogo ou o Conselho Tutelar, responsável por instaurar um processo contra quem divulgou. É importante conversar em particular com a vítima, ouvir o que ela tem a dizer sem julgá-la nem insinuar que a culpa é dela. É fundamental também escutar e oferecer ajuda, ainda que ela mesma tenha sido responsável pela divulgação do material na rede. Se a vítima consentir, vale planejar e desenvolver um trabalho de esclarecimento com a classe, as demais turmas da escola e até as famílias. Se o caso se torna público, não vale varrer para debaixo do tapete. Isso só aumenta a fofoca. Um escândalo na internet pode levar a escola a falar sobre sexo. 

A escola, mesmo já com muitas responsabilidades, tem de pôr em discussão questões como sexting e revenge porn? 
RENATA Sim. É comum a escola não fazer nada justificando que tem muitas demandas, falta tempo e é impossível dar conta de tudo. Mas não dá para fechar os olhos e achar que a família ou a mídia vão esclarecer os estudantes e mostrar que precisam se preservar e usar a internet com segurança. Até existem algumas ações de Secretarias de Saúde e de Educação e iniciativas federais que buscam interlocução com adolescentes para discutir o uso inseguro das tecnologias e a exposição excessiva na internet. Mas são pontuais. Para piorar, nossa sociedade é conservadora, nem todo mundo se sente à vontade para falar sobre sexo - e isso inclui os educadores. A escola teme a represália dos pais, que podem confundir Educação sexual com estímulo à sexualidade precoce, por exemplo. Mas ela é um agente importante: toda criança e todo adolescente a frequentam. Podem não ir ao médico ou a um equipamento cultural, mas vão à escola. 

O que os educadores podem fazer para alertar os adolescentes dos perigos que envolvem sexo e o mundo virtual? 
RENATA Adotar medidas preventivas investindo em Educação sexual, um dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). O debate pode estar inserido em algumas disciplinas também. Em História, é possível problematizar a questão de gênero, falar sobre machismo e a respeito de a mulher ser vista como objeto ao longo do tempo. Ainda é possível organizar grupos de discussão no contraturno para abordar o uso das tecnologias e a exposição do corpo nas redes sociais. Nesse caso, os pais precisam ser comunicados com antecedência, embora a participação dos alunos seja voluntária.

Revista Nova Escola

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