quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Crônicas do Dia - Uma vez por ano - Artur Xexéo


A lembrança mais antiga que guardo na memória é a de um carnaval


A lembrança mais antiga que guardo na memória é a de um carnaval. Lembro-me de meus pais e eu, na porta de uma pensão, no Recife, vendo um bloco de frevo passar. É da mesma época a voz de minha mãe cantando uma marchinha:

“Vovô não gostava de carnaval

E quando ouvia samba até passava mal.”

Depois, a memória salta para um baile infantil no Hotel Quitandinha, em São Paulo. O salão pegava fogo, as crianças ficavam mais animadas quando a orquestra tocava uma marchinha lançada por Dircinha Batista:

“A índia vai ter neném

Mais um, mais um, mais um que vem”

E aí vêm as batucadas da Miguel. Por falar nisso, que fim levaram as batucadas? Houve um tempo em que o carnaval de rua carioca se limitava às batucadas, uma espécie de baile de salão ao ar livre. Muitas ruas do Rio armavam um tablado, cercavam-no, contratavam uma orquestra e promoviam o que era chamado de “batucada”. Na da Miguel, como os íntimos chamavam a Rua Miguel Lemos, em Copacabana, lembro-me de um ano em que pulávamos uma marchinha inspirada num personagem famoso de Moacyr Franco na televisão:

“Ei, você aí,

Me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí”

Depois veio uma fase sem bailes, sem marchinhas, quando eu morava em São Paulo. Era naquela época em que Vinicius de Moraes chamou a cidade de túmulo do samba. Não tinha carnaval nem na televisão. Angelita Martinez fantasiada de gueixa com as pernas de fora era só no Rio de Janeiro.

“Coitada da Madame Butterfly

Ficou com o menino esperando pelo pai”

Em São Paulo, tinha uma maratona de dança no Ginásio do Ibirapuera. Tipo “A noite dos desesperados”, lembra? Só que os desesperados paulistas tinham que se fantasiar e dançar sem parar ao som de marchinhas e sambas carnavalescos. Tudo transmitido pela TV Record. Uma tristeza!

Depois vieram os carnavais no Clube Militar em Juiz de Fora. Aí já se brincava até ao som de sambas-enredo, mas a gente gostava mesmo era de uma boa marcha-rancho:

“Quanto riso, oh, quanta alegria

Mais de mil palhaços no salão”

O primeiro desfile de escolas de samba a gente nunca esquece. O meu foi naquele ano em que a Maria Augusta ensinou que o carnaval podia ser bom, bonito e barato.

“No Rio colorido pelo sol

As morenas na praia que gingam no samba e no meu futebol”

Meu carnaval é cada vez mais longe dos sambas e das marchinhas. Já não peguei essa onda de blocos, por exemplo. Baile do Sarongue? Nem sei onde é isso. Sou do tempo de Uma noite no Havaí. Mas, uma vez por ano, a trilha sonora dos carnavais da minha vida me volta à cabeça. Costuma ser hoje. Todo domingo de carnaval, eu revejo minha mãe na porta da pensão em Recife e tenho a impressão de que sua voz está aqui do meu lado:

“Um dia eu não sei o que aconteceu

Vovô saiu de casa e desapareceu”

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Por alguma razão inexplicável, escrevi a coluna de domingo passado baseado no fato de o filme “A senhora da van” já ter estreado no Brasil e ter ficado pouco tempo em cartaz. Nada disso. O filme só estreará no próximo dia 10 de março. Muitos leitores reclamaram, pois sabiam que o filme ainda não tinha passado. Outros escreveram tristes, acreditando que tinham perdido a oportunidade de ver mais um trabalho de Maggie Smith. Outros aproveitaram para fazer fofoca, como aquele que diz que Maggie só ganhou o Oscar em “A primavera de uma solteirona” porque Elizabeth Taylor fez campanha contra Geneviève Bujold, que teria tido um caso com Richard Burton no set de “Ana dos mil dias”. O colunista bobeou, mas, pelo menos, agora dá tempo de todo mundo ver uma interpretação impecável de Maggie Smith.

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Logo depois do carnaval, na quinta-feira que vem, estreia “Brooklyn”, o patinho feio dos candidatos ao Oscar. Dirigido por John Crowley (realizador de dois dos episódios da mal- sucedida segunda temporada de “True detective”), o filme, como se esperava, ganhou uma indicação de melhor atriz para sua protagonista de nome impronunciável Saoirse Ronan. A surpresa foi a produção estar incluída entre os oito candidatos a melhor filme. Não tem a menor chance. Mas vale a pena ser visto. Uma história de amor bem narrada e com uma reconstituição de época de encher os olhos (como “Carol”, também é ambientado nos anos 50), “Brooklyn” é encantador. Se eu fosse eleitor do Oscar, o filme teria o meu voto.

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Leio no jornal que cada jurado do desfile de escolas de samba vai receber um cachê de R$ 4 mil. Receber? Bem, este carnaval é organizado por um governo que não paga médicos, atrasa o salário de professores, está tentando parar de pagar o subsídio do transporte. Dá pra acreditar que ele vai pagar jurado de escola de samba?

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Bom carnaval!

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