quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Crônicas do Dia - Pela metade


 Denise Fraga
                                                                      
          Não estou dando conta. Eu era do tipo que esquecia o celular dentro da bolsa e o usava como um orelhão portátil. Agora carrego-o ao meu lado como um cachorrinho.


          Ainda consigo deixá-lo no silencioso, mas, cada vez que preciso usá-lo, vejo um mar de pontinhos verdes enfileirados na tela acusando mensagens e chamadas.
         Resolvo telefonar antes de checá-las e, num clique mágico, jogo lá pra dentro um monte de gente embrulhada que nem sempre lembro de tirar do pacote depois.
Tudo parece estar se complicando. Prometeram me ajudar e cada vez tenho mais trabalho pra fazer nesse negócio que só ia facilitar a minha vida. Se quero saber se alguém quis falar comigo, preciso abrir o SMS, o WhatsApp, ver as últimas chamadas, a caixa postal e os e-mails. Isso porque não tenho Facebook.
           Se fico com a campainha ligada pra responder as chamadas na hora, viro uma dessas pessoas que, a cada plim, olham suas telinhas e depois entram em câmera lenta, falando uma palavra por vez, parecendo ter tomado alguma coisa, porque simplesmente acreditam que podem mesmo digitar embaixo da mesa nos fazendo crer que continuam na conversa. E ninguém diz que o rei está nu. Estamos todos fingindo que é normal. Está ficando mesmo normal existir pela metade. A coisa é poderosa. É areia movediça. Mesmo nos debatendo, entramos até o pescoço.
            Nunca vi algo ser tão rapidamente assimilado como este tal de WhatsApp! WhatsApp é o Facebook disfarçado em SMS que entrou em nossas vidas com a mesma velocidade com que saiu o fax. Abri as portas pra ele, louvando suas virtudes. De repente, os grupos! Não quis ficar de fora do grupo formado por minha família. Mais serviço!
            Topei a parada porque é bem verdade que alguma parte dessa rede nos une de verdade, é bonito de ver. Mas, no último domingo, estávamos todos juntos, em carne e osso, e muitos de nós ainda postavam no grupo. Uns viam um vídeo perdido, outros uma foto... O que acontece? Vamos combinar? Está esquisito.

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/denisefraga/2014/03/1422181- pela-metade.shtml>. Acesso em: 11 mar. 2014.

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