Nacionalista exacerbado, Lobato causou polêmica ao publicar em 20 de dezembro de 1917 no jornal O Estado de S. Paulo o contundente artigo intitulado “Paranóia ou Mistificação – a propósito da Exposição Malfatti”, no qual ataca a arte moderna, de forma a rebaixar seu valor, caracterizando um dos episódios mais controversos na vida do escritor.
Em tal artigo Lobato critica a exposição de Anita Malfatti durante a Semana de Arte Moderna. Embora demonstrasse profundo desgosto pela nova estética que propunham os modernistas, o escritor não deixa de reconhecer as qualidades da artista.
São evidentes os elogios de Lobato a Malfatti, no que diz respeito ao seu talento, porém, sua crítica consistia em atacar a orientação estética a que a artista estava filiada, conforme excerto abaixo retirado do artigo:
Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. [...]. A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro.
Estas considerações são provocadas pela exposição da Sra. Malfatti, onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum. Poucas vezes, através de uma obra torcida para má direção, se notam tantas e tão preciosas qualidades latentes. Percebe-se de qualquer daqueles quadrinhos como a sua autora é independente, como é original, como é inventiva, em que alto grau possui um sem-número de qualidades inatas e adquiridas das mais fecundas para construir uma sólida individualidade artística. Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios dum impressionismo discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura.
Acontecimento de grande impacto na vida da jovem artista, ela teve grande dificuldade em manter seu estilo. Recolheu-se por um período após a crítica e passou a se interessar por naturezas-mortas passando a estudar com o pintor acadêmico Pedro Alexandrino.
O que se entende atualmente é que Lobato tenha se precipitado ao criticar a exposição modernista, uma vez que não compareceu ao evento, além de ter sido ele próprio moderno em sua produção literária. Moderno foi ao romper com os padrões vigentes de sua época, impondo uma linguagem coloquial, espontânea, afetiva; ao mostrar o ponto de vista da criança até então ignorada pela literatura infantil; ao criar novas expectativas e adequá-las à recepção de seus textos; ao impor nova ideologia, adotando uma visão crítica do Brasil.
Assim, embora criticasse os modernistas, que tentavam impor novos modelos estéticos inspirados nas vanguardas européias, Monteiro Lobato não percebeu que ele próprio havia sido moderno ao romper os padrões impostos em sua época.
Referências:
ACERVO. Roteiros de visita. São Paulo: MAC USP, 2004.
AGUIAR, João H. C. Monteiro. Crítica ou opinião? Os casos Anita Malfatti em 1917 e Ateliê do Engenho de Dentro em 1949. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 53-66, dez. 2008. Semestral. Disponível em: <
www.habitus.ifcs.ufrj.br>. Acesso em: 15 dez 2008.
KATINSKY, Julio Roberto. Anita Malfatti de Marta Rossetti Batista. Revista do IEB. Edição n. 45, setembro de 2007.
PARANÓIA ou mistificação? Disponível em: <http://www.artelivre.net/html/literatura/al_literatura_paranoia_ou_mistificacao.htm>. Acesso em: 18/10/09.
ZILBERMAN, Regina. Atualidade de Monteiro Lobato. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.
Nenhum comentário:
Postar um comentário