Política de drogas é responsável pela superlotação de cadeias
19/02/2017
Alfredo Sirkis, O Globo
O sistema carcerário brasileiro é perverso e converteu-se no quartel-general das facções do tráfico.
Lá, os criminosos mais inteligentes, violentos e cruéis mantêm seus postos de comando mais bem protegidos dos rivais nas comunidades ou dos policiais do arreglo ou extermínio.
A solução que o governo anuncia para o futuro são novos presídios.
O Brasil se recusa a olhar para o elefante na cela: uma política de drogas responsável pela sua superlotação com meliantes pé de chinelo que vendiam drogas, sem prática de violência ou posse de armamento. Sem as conexões que permitem aos violentos, organizados, explorar as brechas do sistema, são calouros na universidade do crime. Sairão “formados”: conectados e dispostos a matar.
As prisões deveriam ser primordialmente para os violentos. Para os não violentos, com algumas poucas exceções, outros tipos de penas serviriam melhor à sociedade.
Há uma renovada discussão sobre a legalização da maconha ou sua descriminalização, que defendíamos nos anos 80: um cidadão deveria ter livre-arbítrio, não cabendo ao Estado puni-lo por algo que faz com — ou até contra — si próprio.
A legalização da cannabis, já adotada por oito estados americanos, não enfrenta o que mais afeta o conjunto da sociedade: o morticínio em massa e o solapamento das instituições resultante da enorme economia ilegal regulada pela violência.
Quantas pessoas morrem por overdose e quantas nas guerras das drogas? A desproporção é abissal.
A polícia acaba com a droga ou é a droga que vai acabando com a polícia?
Encarar essa realidade leva à mui impopular posição pela legalização das drogas. Sim, até mesmo do odioso crack, que deveria ser ministrado gratuitamente, com acompanhamento médico, em postos assistenciais, para evitar que viciados, ensandecidos, em crise aguda de abstinência, assaltem e matem pessoas inocentes por uns míseros reais.
O necessário combate às drogas fracassou rotundamente pelo caminho da algema, do camburão e do presídio superlotado. Só pode prosperar pelo viés da saúde pública e das campanhas — aquelas inteligentes — de prevenção, que vêm obtendo tanto sucesso contra o tabaco, fortemente viciante.
Sejamos claros: essa visão não tem, no momento, a menor chance de prosperar. A maioria no Congresso Nacional gostaria de agravar a penalização dos usuários, atendendo seu eleitorado.
As famílias temem — e isso merece consideração — que, se legais, as drogas se tornem mais acessíveis aos filhos. Não têm ideia do quanto elas já o são e ainda não se perguntaram o que vem a ser pior: o jovem comprando droga legalmente, à luz do dia, com a substância controlada e passível de ouvir conselhos ou, clandestinamente, da mão de bandido, financiando seu armamento, abastecendo uma economia que mata por ano dezenas de milhares de pessoas?
O elefante se agita com seus urros medonhos, sua tromba zune pela cela da masmorra superlotada, mas permanece invisível, ignorado.
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