quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Crônicas do dia - A pinguela e o teto

Gustavo Müller, O Globo

Há poucos dias o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que o governo Temer seria “uma pinguela que, se quebrar, caímos na água”. Por outro lado, já se vê uma enorme manifestação contra a Proposta de Emenda Constitucional do gasto público. Entre esses dois pontos há o fator Lava-Jato e a possível cassação da chapa Dilma-Temer.


À boca pequena, cogitamse nomes para uma eventual eleição indireta para presidente, sendo Fernando Henrique um desses. O que podemos depreender desse cenário? Como foi dito neste espaço, o impeachment da presidente Dilma Rousseff não necessariamente conduziria o país para a estabilidade política. E a razão era muito simples: o sistema político estava, e está, a reboque dos órgãos investigativos.

Em outras palavras, a elite política deixou de conduzir e passou a ser conduzida. Michel Temer assumiu a Presidência da República tendo como objetivo de primeira hora reverter as expectativas dos agentes econômicos. Para tanto, resolveu iniciar a reforma literalmente pelo teto. Talvez a estratégia dele tenha sido a de que, em aprovando o limite de gasto público, constranger a sua base aliada a aprovar outras reformas que darão suporte para a efetividade do limite de gastos.

Porém, como diz a sabedoria popular, não se deve iniciar a reforma pelo teto... Os especialistas em finanças públicas mostraram que, mesmo sem acréscimo no gasto público, o simples movimento demográfico já implica numa elevação da despesa previdenciária. Se a pouca aptidão dos parlamentares para aprovar medidas impopulares já cria um ambiente nebuloso para o futuro das demais reformas, o provável conteúdo explosivo da delação da Odebrecht e o andamento do processo contra a chapa Dilma/Temer no Supremo Tribunal Federal se encarregam de turvar mais ainda o horizonte.

Se Temer já assumiu com legitimidade questionada pelas viúvas do lulopetismo, tal legitimidade pode tornar-se ainda mais frágil ao sabor do imponderável. Em uma eventual eleição indireta, teremos um período razoável para que as incertezas dos agentes econômicos façam com que os parcos sinais de recuperação da economia voltem à estaca zero.

Não resta dúvida de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso seria o nome adequado para um mandato tampão, visto que o mesmo tem demonstrado um posicionamento acima dos partidos políticos e além dos interesses eleitorais. No entanto, Fernando Henrique já fez o “trabalho sujo” com a estabilização econômica nos anos 1990.

Teria ele disposição para fazer o “trabalho sujo” outra vez?

Gustavo Müller é professor de Ciência Política na Universidade Federal de Santa Maria

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