quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Crônicas do Dia - Geração Cibernética - Walcye Carrasco

A filha de uma amiga tem 3 anos. Outro dia pegou o celular da mãe. Descobriu a senha (que deve ter visto ser digitada muitas vezes). E ligou para o pai. Foi uma surpresa e um susto na família. A menina lida tranquilamente com o celular, enquanto mãe e pai tentam descobrir como lidar com essa nova geração. Não é um caso único. Outro dia peguei um táxi. O motorista contou-me, orgulhoso, que seu menino de 5 anos é um ás no tablet.


– Até encontra jogos, compra com a nossa senha e se diverte. Vira aquele tablet de ponta-cabeça.

Lembrei, desconfortavelmente, que o tablet nunca se inseriu bem na minha vida. Compro as revistas em papel. Tenho dificuldade para encontrar livros no mundo virtual. E me confundo com programas. Subitamente, a realidade estava lá, na minha frente. Derrotado por um garoto de 5 anos! Sinceramente, eu me achava esperto. Já descobri senhas de celulares, só para brincar, observando algum amigo teclar. Igual a uma menina de 3 anos. Que orgulho!

Fui, há décadas, entre todos os meus conhecidos, o primeiro a ter computador pessoal. Sim, sou da época do computador a lenha. Eram umas carroças pesadas e lentas. O país, absurdo dos absurdos, lançou leis para fechar o mercado justamente nessa área que viria a mudar o mundo. Ou se comprava computador de um contrabandista ou se apostava nesses carroções nacionais. Eu passava noites em claro decifrando programas. Na redação de uma revista onde trabalhava, comentei com um colega, diante de um salão com mesas e máquinas de escrever.

– Um dia, as máquinas serão substituídas por computadores.

Ele riu diante da “bobagem” que eu dizia.

Mas os computadores ficaram mais fáceis. Parei de dissecar programas, o que lamento muito. Uso um computador como uma supermáquina de escrever. Para instalar programas mais complexos, vem um técnico. Recentemente, o filho de um amigo, de 11 anos, estava em casa. Deixei-me brincar com meu laptop. Em segundos, trocou a imagem de “papel de parede” (coisa que demoro horas para realizar). Descobriu jogos. Baixou arquivos. Apagou alguns, depois de mostrar-me que tornavam meu laptop mais lento. Impossível eu não me sentir um asno quando um moleque dá com simplicidade lições sobre uma máquina que me acompanha há anos. A verdade é que me sinto um asno até mesmo diante de um micro-ondas de última geração, com múltiplas funções. Giro o botão, tentando achar a função mais simples: aquecer meu prato. Sonho com os aparelhos antigos, capazes de uma única função. Bastava apertar um botão e pronto! (Tenho de aprender muita coisa na vida. Quero ler Proust em francês. Filósofos gregos. Cozinha vietnamita, meu último xodó. Ter pós-graduação e mestrado em micro-ondas não é minha prioridade.)

A questão é que as crianças hoje em dia já nascem sabendo. Ou quase. Qualquer uma pega um celular e aprende as funções em segundos! Tablet e laptop nem se fala. Pesquisam, descobrem jogos, quebram senhas. Para essa geração que vem aí, a cibernética é simples. Fico tentando achar explicações. Terá havido uma mudança cerebral? Não digo física, embora acredite na evolução das espécies. Mas na forma de usar os neurônios? Surgiram formas de pensar e analisar o mundo diferentes, a partir da cibernética? É um novo tipo de inteligência que desponta? Ou são simplesmente alienígenas atirados à Terra, para mais tarde comandarem uma invasão extraterrestre?

Seja o que for, essa ligação umbilical com celulares e computadores terá efeitos no futuro próximo. Como serão essas crianças quando adultas? Sem dúvida, mais informadas, com mais ferramentas de pesquisa e conhecimento. Quais serão, porém, seus valores, na medida em que a internet é uma terra de ninguém? (Não adianta proibir ou fechar o acesso a certos sites. Cedo ou tarde, descobrem um jeito de acessar.) Muitos ataques virtuais extremamente agressivos contra indivíduos partem de adolescentes. Garotos brincam de ser hackers. E a segurança absoluta é impossível, até para grandes corporações. Formada no caldeirão em que se transformou a internet, com uma mistura de fatos e mentiras, informações e versões, ferramentas úteis e perversões, como será essa geração?

Estamos diante de um novo jeito de ser, viver e pensar. E como tudo o que é novo, por mais correções que sejam necessárias, também implicará um passo à frente, em termos de civilização. Não tenha dúvidas: seu filho será muito diferente de você.

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