sábado, 30 de abril de 2016

Por Que a Lei Sobre “Assédio Ideológico” Interessa? por Jamile Chadud

No começo de Junho deste ano, o deputado Rogério Marinho (PSDB) propôs um projeto de lei que tipifica como crime de Assédio Ideológico quando, em âmbito escolar, um educador venha a expor temas políticos ou de qualquer ordem ideológica que possam vir a “interferir negativamente na vida acadêmica da vítima”, nesse caso, o aluno. Essa Lei do dia 6 de Junho define nos termos de “Assédio Ideológico”:“… toda prática que condicione o estudante a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou qualquer tipo de constrangimento causado por outrem ao aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente.” Ou seja, com as alterações sugeridas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Penal, a ideia geral que se pode extrair do PL 1411/2015  é a de que o/a professor(a) que abordar temáticas políticas em sala de aula corre o risco de ser denunciado e pegar de 3 meses a até 1 ano de cadeia.


De acordo com o deputado, “nenhum professor será preso” – mesmo que esteja prevista a alteração pela respectiva lei no código penal, sob a alegação de que o “direito de aprender” dos alunos estaria em situação de risco de constrangimento e deturpação de opinião. Entretanto, parece um tanto quanto irônico dizer que os que forem condenados poderão facilmente ter a pena transigida em “prestação de serviço comunitário ou pagamento de dias-multa” e ainda assim manter o caráter de julgamento penal à tal lei. No mais, o risco maior contido neste projeto não é especialmente relativo ao educador por si só, apesar deste também ser inaceitável. O que vejo aqui é um risco à liberdade de opinião e à formação intelectual dos nossos estudantes, o qual não corríamos desde a época da ditadura.

Grande parte das gerações que passaram pelos anos de chumbo sofreu danos em relação à sua capacidade de análise crítica dos fatos histórico

Em 1962, durante a breve estadia de João Goulart na presidência, o lema da política para a educação era “ler para entender o mundo”. As décadas de 50 e 60 foram voltadas para a erradicação do analfabetismo de adultos, e um nome muito importante nessa conquista é o de Paulo Freire. O mestre obteve visibilidade após alfabetizar em 45 dias cortadores de cana de açúcar no Rio Grande do Norte, e então foi convidado pelo governo de Goulart a reformular a educação de adultos no país. Com a chegada do regime militar, em 1964 Paulo Freire é exilado e a Lei Geral de Educação Nacional vem à tona, trazendo a restrição do acesso às universidades como solução para a falta de vagas, e substituindo as matérias de história e geografia (social) por Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política do Brasil (OSPB). Como resultado da ausência dessas matérias reflexivas, grande parte das gerações que passaram pelos anos de chumbo sofreu danos em relação à sua capacidade de análise crítica dos fatos históricos, aquilo que nos traz a possibilidade de refletir sobre o passado, absorver suas nuances, e interpretar de forma clara e consciente o presente.

Como justificativa da lei 1411/2015, o deputado Rogério Marinho argumenta que “A forma mais eficiente do totalitarismo para dominar uma Nação é fazer a cabeça de suas crianças e jovens”, e inclusive cita em seu PL o filósofo e político italiano Antônio Gramsci durante a passagem: “Para o totalitarismo vingar, é preciso destruir a coesão social e as tradições da sociedade. Por isso, partidos autoritários necessitam calar a imprensa e os meios de comunicação, dominar o sistema de ensino, estabelecer a voz única, enfim, a hegemonia decantada por Antônio Gramsci”. Sim, mas não deturpe o estudo do autor citando-o na justificação de uma lei autoritária que cala o professor e enfraquece o debate politico em sala de aula. O que Gramsci defende ao longo de sua obra é justamente a importância do acesso à educação para todos os cidadãos de forma que esta venha a formar seres humanos críticos e conscientes, sobretudo, o ambiente escolar deve ser orientado para a elevação das massas, e quando isso se consumar, elas estarão livres da assimilação acrítica da ideologia das classes dominantes. Não me parece esta a intenção de uma lei que prevê de 3 meses a 1 ano de prisão ao professor/a que for acusado de abordar “política com viés ideológico” em ambiente escolar.

O PL 1411/2015 mais me parece uma tentativa de obstruir o alcance do debate sobre temas politicos pelos cidadãos naquele ambiente que lhe seria o mais adequado: a escola. E isto vem embalado com a desculpa de evitar um “assédio ideológico” por professores “mal-intencionados” e sem qualquer ética na sua prática educacional. Sendo este o caso, talvez seja mais adequado reformular o processo de formação de novos educadores, dando foco ao esclarecimento de como assumir a posição de mestre da forma mais imparcial possível, sem tomar partido de A ou de B, e estimulando o debate de opiniões, e não a sua supressão.

O momento político delicado do país no qual surge um projeto de lei como este, me traz particularmente à mente a definição de fascismo dada pelo ilustre falecido professor de história da Universidade de Roma, Renzo de Felice: “O fascismo é uma ideologia revolucionária e modernizadora da classe média com origem no Iluminismo”. Felice é considerado o maior historiador do fascismo italiano e chama atenção para o modo como essa ideologia se alastra facilmente pelas mentes do povo, dizendo que tudo se inicia a partir de um determinado grupo que age de forma grandiloquente para surpreender a opinião pública. Tal grupo opera a partir de “ondas” moralizadoras sobre um Estado que já se encontra enfraquecido ideologicamente perante as massas. Estas, por sua vez, não esboçam reação ao avanço da nova ideologia, pois já não estão satisfeitas com a fraca hegemonia que ainda se encontra no poder, e, portanto, tendem a apoiar os extremismos e as ideias conservadoras que se apresentam como opção. O resultado dessa equação é o que alguns exemplos na história nos contam.

Por fim, é bom lembrar também a frase do economista britânico Arnold Toynbee, “O maior castigo para aqueles que não se interessam por política, é que serão governados pelos que se interessam”. E existirão sempre os que se interessam, e eles desejarão insistentemente que você não se interesse.

http://vinte.press/index/lei-sobre-assedio-ideologico/

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