quinta-feira, 17 de março de 2016

Artigo de Opinião - Moro, herói pela metade


Sérgio Moro merece ser chamado de herói. Está mandando empresários e políticos para a cadeia. Outro dia, ele declarou que a corrupção assola o Estado e o mercado. Tem razão. É parceria público-privado.


Qual o problema, se problema há?
Posso falar com tranquilidade. Já fui muito antipetista. Já perdi emprego por causa do PT. Já fui odiado pelos petistas. Já fui considerado pelos petistas como um reacionário. Quase um coxinha. Eu atacava o marxismo, ou o stalinismo, de muitos petistas. Os coxinhas me viam como um igual e me amavam.
Fui o primeiro a escrever Lulla. Um dos primeiros a grafar CorruPTo em jornal. Fui impiedoso com a roubalheira do mensalão. Como busco a complexidade, critiquei o julgamento do mensalão pelo STF. A tal teoria do domínio do fato foi um casuísmo para condenar sem provas materiais. Tenho criticado a seletividade do MP, da mídia e da justiça. Por que o mensalão tucano ainda não julgado? Por que foi mandado para a primeira instância? Só os cegos ideológicos não percebem a incoerência nisso.
Por outro lado, passei a reconhecer que Lula foi um excelente presidente. Pela primeira vez, desde Getúlio e Jango, uma política de inclusão social saiu do papel. A desigualdade social diminuiu um pouquinho. Uma façanha. Seis pontos me encantaram nos governos Lula/Dilma: Bolsa-Família, cotas, ProUni, valorização do salário mínimo, criação de empregos (infelizmente este ponto está em refluxo) e criação de uma classe C com direito a consumo e cidadania. Algumas dessas políticas existem há muito tempo, com outros nomes, nos grandes países desenvolvidos como a Alemanha e a França. Políticas que a direita brasileira chama de populistas, de assistencialistas e de estímulo à vagabundagem.
Volto a criticar intensamente o petismo pela desonestidade que mina o governo. Vejo, porém, nas manifestações dos seus adversários uma alegria estranha. Comemora-se a corrupção. Por quê? Pelo simples fato de que se vislumbra na corrupção o pretexto para liquidar os “comunistas” e acabar com o assistencialismo das políticas da inclusão. Critica-se o “eles contra nós” na base do “nós contra eles”. É pura ideologia. Poucas vezes, salvo na questão da abolição da escravatura, o Brasil esteve tão atolado numa divisão de visões de mundo. A luta de classes ronca nas ruas. As manifestações do último domingo reuniram 76% de eleitores de Aécio Neves, maioria esmagadora branca e de classe média para cima. O problema está em que se finge combater a corrupção, mas não se leva ao extremo essa bandeira.
A Operação Mãos Limpas, na Itália, devastou direita e esquerda. A operação Lava-Jato parece seletiva. Tem poupado a oposição. Quantas vezes Aécio Neves foi citado e nada aconteceu? Só agora, com a delação de Delcídio Amaral, é que se fala em investigá-lo. Aécio tem conta num paraíso fiscal? Alega que sua mãe abriu uma fundação no Liechtenstein. Delcídio não abalou o governo. Abalou a República.
Delcídio fala a verdade ou mente? Quando cita Lula, Dilma e Mercadante, para a oposição, fala a verdade. Quando cita Aécio Neves, mente descaradamente. Do ponto de vista do governo, ele mente quando cita Lula e Dilma e fala a verdade quando entrega Aécio. A impressão é que ele só fala a verdade.
O STF entregou para Moro o julgamento da família de Eduardo Cunha. Será um constrangimento? Parece que não havia pressa em ouvir a mulher do presidente da Câmara dos Deputados.
O Brasil lambe as suas contradições. Disfarça as suas incoerências. Sérgio Moro ainda é um herói pela metade. Condena corretamente um lado. Não parece mobilizado em relação ao outro. As delações premiadas, tão úteis, suscitam um questionamento: alguém vai ficar longo tempo na cadeia ou todo mundo será beneficiado e voltará para casa imediatamente? Quem passará 20 anos em cana? Lula?
Ninguém mais? Basta devolver o dinheiro roubado? É só essa a punição? Parece pouco.
A esquerda, desesperada, racionaliza. A direita, eufórica, lixa-se para os malfeitos do seu campo. Interdita-se o passado. Dizer que Lula foi um bom presidente passa a ser defesa de corrupto.
O Brasil é um país cruel: o japonês da Federal, herói por um mês, está condenado por corrupção. O que fazer das camisetas com a sua estampa e frases do tipo “chega de corrupção” ou “mãos limpas”?
Como ficará o Brasil depois disso tudo? Limpo, honesto, expurgado de seus partidos corruptos? Dificilmente. O mais provável é que fique livre de políticas sociais e corrupto como sempre.
A mídia tem um papel nisso. Adotou o campo da oposição como em 1954 e 1964. Tem um álibi confortável: luta contra a corrupção. Faz metade do serviço. Encobre a outra sem disfarçar.
Há uma conspiração contra o PT? Em parte. O maior conspirador contra o PT é o petismo.
Lula e o PT desperdiçaram uma oportunidade, pisotearam as apostas de muita gente, jogaram a esquerda no lixo e comprometeram o futuro. O Brasil avançará para trás. A direita agradece.
O álibi do PT era a sua política de inclusão social. Não basta. É preciso ser honesto.
Resta esperar que Moro se torne um herói por inteiro e não perca a oportunidade de limpar o Brasil por inteiro, da esquerda à direita, de Lula a Aécio, de Cunha a Temer, do PP ao PSDB, impiedosamente.
Os jornalistas furiosamente independentes como eu criticarão e elogiarão conforme os fatos.
Estamos na luta política: se o PSDB estivesse no governo, acusado de tudo o que afeta o PT, o petismo já teria pedido o impeachment até do cachorro do Aécio Neves (não estou adjetivando o mineiro).
Depois da delação de Delcídio Amaral, o impeachment de Dilma é um imperativo moral.
Ela não mandou Mercadante comprar Delcídio? Não é isso que mais importa. Determinante é tudo o que Delcídio entregou sobre manobras para barrar a Lava-Jato. Deve ter mais. O poder é capaz de tudo.
Resta uma pergunta que me acorda no meio das noites de melancolia e desesperança como todo cidadão honesto: como foi que tantos jornalistas que conheci pobres e idealistas se tornaram raivosos direitistas defensores de todas as falácias ideológicas de um campo que tem seus corruptos de estimação?
Terá sido por espaço e elogios fáceis?
Nunca saberei. Sempre escolho o pior caminho, o da complexidade.
Goebbels ensinou que na guerra simbólica é preciso simplificar.
A mídia brasileira nunca esquece essa lição.

http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=8378

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