quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Crônica do Dia - Adolescer - Adriana Komives



Brincar com uma realidade que radicaliza o que há de pior na humanidade é talvez uma maneira de se afastar de sua nocividade ameaçadora

Verbo no infinitivo. Dizem que vem do latim, ad = em direção a, olore = crescer, adolescer é portanto crescer. Estar em pleno crescimento. Adolescer é crescer e crescer dói. É de uma tocante fragilidade este período de transformação da criança em adulto (adultus = aquele que já cresceu). No melhor dos casos, o adolescente aprende a largar a mão segura do pai, sai debaixo da asa quentinha da mãe, dá os primeiros passos em direção à vida adulta e…

Mas que mundo é este que os espera na saída?

Na terça-feira, seis dos mais prestigiosos colégios da capital francesa foram esvaziados pois receberam chamados telefônicos com ameaças de bomba. Concomitantemente, na Inglaterra, 14 colégios também foram ameaçados. Trote ou djihadismo ? O que importa é que os adolescentes naquela manhã tornaram-se alvo de um exército invisível em uma realidade impalpável.

Então, que mundo é este nosso mundo adulto ?


Lendo um livro sobre adolescentes superdotados, descubro que uma das vertentes de sua inadaptação provem de sua sensibilidade exacerbada frente à nossa violenta sociedade de consumo, onde tudo é medido em termos de eficiência e rentabilidade, inclusive as relações sociais. Esses adolescentes sofrem com a indiferença de seus próximos em relação aos desastres do mundo e à destruição do planeta, que eles sentem em sua própria carne. Seu comportamento acaba sendo o de recusa deste mundo. Pudera! Encaramujados, nossos jovens encontram na tecnologia um refúgio e na realidade virtual uma maneira de controlar aquilo que lhes escapa. Brincar com uma realidade que radicaliza o que há de pior na humanidade é talvez uma maneira de se afastar de sua nocividade ameaçadora. Ficção científica apocalíptica, violência espantosa mas totalmente banalizada, manipulação da realidade banhando na antiutopia. Eis o alimento de nossos filhos.





Acho interessante pensar que adolescentes mais inteligentes do que a média são mais sensíveis também. Isto indica que o homem evoluído é um homem mais compassivo, mais empático. E que se hoje, por ser minoria, o superdotado sofre de inadaptação, amanhã talvez a sociedade precise se adaptar a estes novos dotes e dons que a evolução indica como sendo o caminho.

Talvez devêssemos prestar bem atenção nesta adolescência. Encostar o ouvido no peito da juventude para escutar pulsando em seus corações o segredo de uma mudança.

Em novembro passado, fui ao Théâtre de Chaillot ver uma peça de Pascal Rambert. Estava na primeira fila, de cara com os atores suando as palavras muito fortes do texto, que termina mais ou menos assim :

“… e então era a vez daqueles que tinham-se vendido que tinham renunciado que não acreditavam em mais nada,

também rolavam em seu próprio sangue, diziam nós nos vendemos

nós trocamos objetos contra idéias, contra uma idéia do Homem, e nós não temos mais nada, e rolamos no sangue,

nós rolamos e caímos sangrando na grande escadaria de Odessa

Levantem-se, levantem-se, acordem

Acorda juventude

Juventude, Juventude

Acorda, levanta

É preciso recomeçar o mundo

A História não morreu, ela vai nos acordar.”

*Adriana Komives, brasileira de origem húngara, 51 anos, 31 em Paris onde estudou cinema e exerce desde então as profissões de montadora e roteirista. Consultora em montagem de documentários nos Ateliers Varan, la Femis, DocNomads, ensina o ofício de montagem no Institut National de l’Audiovisuel e roda o mundo trabalhando em oficinas de realização documentária.

Link curto: http://brasileiros.com.br/ctm1Q

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