domingo, 27 de dezembro de 2015

Crônica do Dia - Da Amizade - Artur da Távola





Todo mundo adora falar bem da amizade, e com razão . Na essência, amizade é tão rara quanto possível profunda e redentora. Mas é frágil !!! A amizade é uma ligação que existe até ser posta á prova e quase sempre não resiste. Parece que é dos amigos que sempre se exige a perfeição. Amigo é o que não pode errar conosco .
         A amizade é a ligação que nasce da junção e atividade de quatro circunstâncias :
1.                 afinidade;
2.                 interesse comum;
3.                 expectativa ou esperança comum;
4.                 razões inconscientes ( necessidades psicológicas ).
O homem precisa da amizade, mas raramente sabe o que fazer com ela. Observo, ao longo dos anos, vendo amizades murchar; como se dá o fenômeno de junção ou coincidência dos quatro pontos acima citados e abaixo desenvolvidos.
Afinidade é uma adivinhação, um avanço dos mecanismos sub e inconscientes sobre a maneira de ser do próximo. É uma espécie de adiantamento de salário afetivo, percebido pelo outro numa fagulha de iluminação. É indispensável para o estabelecimento da amizade.
A palavra interesse é tida como maldita, porém não pode faltar quando se trata de amizade. E interesses os há de toda espécie. Dos nobres aos vis. Interesse comum é fundamental para o cimento, o fomento e o fermento da amizade.
Expectativa ou esperança comum é o outro ponto. Quem espera resultados idênticos; quem espera mudanças, quem vive com outrem uma esperança comum aos dois ( ou muitos ) , ou desfecho de negócios ou ideais ou propostas culturais ( tanto faz ) ; quem viaja junto e descobre afinidades; quem participa de movimentos afins; quem milita em qualquer organização destinada a salva os homens ou os países, vive maior possibilidade da amizade e esta cresce quando a espera propicia uma aproximação que muitas vezes a conquista ou a obtenção do almejado nem sempre mantêm.
Razões inconscientes ou necessidades psicológicas atendidas intuitivamente pela outra parte são determinantes profundas da amizade. Buscar no amigo a complementação de partes fracas ou mal desenvolvidas ( ainda que como tais desconhecidas ) é afã de todos. Tais razões e necessidades são, sempre, de difícil delimitação pois envolvem as fantasias mais obscuras de nossa mente. Mas selam amizades.
Basta que uma ou duas dessas categorias azedem ou infeccionem para que muda a circunstância determinante da amizade. Esta, até pode durar em nome da recordação do que foi, porém mesmo dizendo – se, considerando – se e sendo amigas, as pessoas nunca mais exercerão a amizade da mesma maneira. Haverá o sentimento , a recordação prazenteira, o reconhecimento das virtudes do outro, mas tudo eco, tudo passado, embora verdadeiro. O exercício da amizade não se fará igual. E sem exercício , a amizade é retrato da época ou saborosa saudade e não uma efetiva prática afetiva !
As pessoas tentam reter o tempo da amizade supondo que são amigas quando o correto é dizer que foram amigas sem que isso signifique que são inimigas.
Amizade é exercício das quatro precondições formadores da circunstância. Mudando a circunstância, as pessoas mudam , ainda que façam força para se manter amigas. São , apenas, ecos de amizade já vivida, um cansativo esforço de recordar sua vigência anterior.
Amizade, mesmo, no sentido em que a palavra amigo tem um radical de ama, de amor ( radical que lhe dá sentido oculto ) é aquela capaz de se manter quando muda a circunstância. Amizade é o afeto que não enfraquece quando os quatro pontos não mais coincidem . E esta é muito rara. Muito . Mas existe.
Amigo não é quem foi amigo. Amigo é quem está sendo amigo .


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