domingo, 27 de dezembro de 2015

Crônica do Dia - Como eliminar índios - Frei Betto

Método atual é o descaso do poder público, também conhecido popularmente como vista grossa

O DIA


Rio - Há muitos modos de acabar com os índios, como querem aqueles que os consideram inúteis ou atrasados e acreditam que suas grandes extensões de terra seriam mais lucrativas em mãos do agronegócio, de mineradoras ou madeireiras.

Um modo eficaz é divulgar, como se fez no passado, que são desprovidos de alma. A Igreja utilizou com sucesso esse método ao colonizar o que hoje se conhece como continente americano.

Outro modo, sobejamente usado pelos colonizadores espanhóis, é esquartejá-los por mordidas de cães. Os cães são adestrados a temer roupas. Ao verem um corpo nu, sem movimento e cores de tecidos, atacam ferozmente e, nesse caso, devem ser recompensados com as mais saborosas porções dos corpos indígenas.

Os heroicos bandeirantes do Brasil, que dão nomes a rodovias e logradouros e merecem monumentos em nossas cidades, costumavam exterminá-los com métodos de fácil aplicação: submetê-los à escravidão, ainda que considerados inaptos para o trabalho imposto pelos caras-pálidas; cercá-los, impedindo-os de ter acesso a alimentos e às fontes de água; instigar a inimizade entre aldeias, de modo que uma guerreasse contra a outra.

Hoje em dia existem modos mais modernos e igualmente eficazes, como reduzir drasticamente os recursos da Funai, sem inclusive prejudicar a sigla, que passaria a ser conhecida como Funerária Nacional dos Índios. Boa receita é urbanizá-los, de forma que, na cidade, sintam vergonha da nudez e aprendam que, graças ao mercado, produtos necessários à sobrevivência têm valor de troca, jamais de uso.

Método atual é o descaso do poder público, também conhecido popularmente como vista grossa. Deixar que empreendedores, como fazendeiros, madeireiros e mineradores, invadam suas extensas terras, tornando-as economicamente produtivas. Enfim, um novo modo de exterminar índios, ora em debate, e que promete excelente resultado, é retirar das mãos do Executivo a demarcação de suas terras e passá-la ao Legislativo, que, com muita habilidade, tem feito retroceder os chamados direitos humanos.

Quem sabe seja oportuno preservar dois ou três casais de indígenas para, em jaulas, exibi-los ao público no ‘Playlarmento’ a ser construído como anexo do Congresso, ao custo inicial de R$ 400 milhões — valor a ser regiamente multiplicado ao longo da obra, para a boa saúde do bolso de nobres representantes do povo e de seus financiadores de campanhas.

Frei Betto é autor do romance ‘Minas do Ouro’ (Rocco)

Nenhum comentário:

Postar um comentário