sexta-feira, 3 de julho de 2020

Artigo de Opinião - Não podemos respirar - José Vicente


O músico negro Elivaldo Rosa foi morto dentro de seu veículo com oitenta tiros disparados por soldados do exército, no Rio de Janeiro. O jovem negro Pedro Gonzaga foi asfixiado e morto por seguranças do hipermercado Extra, no Bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. O jovem negro, João Pedro, de 14 anos, foi morto e teve sua casa cravejada por 70 tiros efetuados por policiais civis e federais, em São Gonçalo/RJ. Um jovem negro de 17 anos foi despido, amarrado, amordaçado e chicoteado por seguranças do supermercado Ricoy, na periferia da zona sul de São Paulo.

No dia 13 junho, no bairro do Jaçanã/SP, um jovem negro foi rendido, agredido e espancando com socos, pontapés e cassetetes por PMs, e os parentes e amigos que foram em sua defesa, da mesma forma foram agredidos pelos policiais. No dia 14 deste mês, um PM de São Bernardo do Campo/SP, foi preso preventivamente, suspeito de haver sequestrado e assassinado com dois tiros na cabeça, o jovem negro Guilherme de 15 anos. Nenhuma dessas cruéis e brutais agressões foi suficiente para produzir qualquer tipo de indignação ou comoção social que levasse as pessoas às ruas, ou mesmo, que estimulasse um pedido protocolar de desculpas aos familiares e amigos das vítimas
e à própria sociedade, por parte dos diversos agressores.

No Brasil, os George Floyds são mortos e violentados aos borbotões pela segurança pública e privada em qualquer hora e lugar. As estatísticas do IBGE e do IPEA são um importante farol para iluminar a irracionalidade da indignidade seletiva que nunca contemplou as vidas negras. De 2012 a 2017, 255 mil negros foram assassinados; e, em 2019, dos mais de 60.000 assassinatos, 75,5 das vítimas foram negros, jovens na sua maioria.

Na prática real e objetiva da republica brasileira, alguns cidadãos passaram a valer mais que os demais, e os mais diversos grupos de interesses dos “homens brancos e de olhos azuis” que operam seus desejos e privilégios, através da estrutura do Estado, transformaram o racismo, o preconceito e a discriminação racial contra negros em arma política de garantia do alcance, manutenção e proteção da maioria dos benefícios e oportunidades sociais. Um verdadeiro Apartheid racial estratégico e preordenado que mantém negros e brancos separados e desiguais, e que usa a violência e a força bruta para manter seu status quo.

Sem desmontar esse maquinismo silencioso, dissimulado, perverso e criminoso, estaremos incapacitados de realizar o inexorável salto civilizatório, e continuaremos todos, com um joelho no pescoço, sufocados, asfixiados e impedidos de livremente respirar.


Revista IstoÉ - 26 de junho de 2020 

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