terça-feira, 23 de julho de 2019

Você sabia disso ? - O homem que odiava Machado de Assis

Machado de Assis é arqui-inimigo de protagonista em romance que aborda racismo contra o escritor
Livro mistura ficção com fatos reais sobre o Bruxo do Cosme Velho
Jan Niklas
15/06/2019 


RIO — Quando o escritor José Almeida Júnior viu a mais clássica imagem de Machado de Assis recriada para revelar o original tom negro de sua pele, correu para interromper a produção do seu novo livro, “O homem que odiava Machado de Assis”, que já estava na gráfica.


— Essa foto era justamente a que estava na capa e, quando vi a campanha, achei necessário que eu não retratasse mais aquela imagem dele esbranquiçado — conta o autor potiguar que soube da iniciativa da Faculdade Zumbi dos Palmares com a agência Grey através da coluna de Ancelmo Gois .

O esforço deu certo e uma versão da foto estampa a capa da nova obra. Esse episódio dialoga diretamente com o Machado recriado por ele no romance que mistura pesquisa histórica com ficção. A questão racial em torno do Bruxo do Cosme velho, e todo preconceito enfrentado por ele em vida, é uma das guias da narrativa conduzida pelo olhar do personagem fictício Pedro Junqueira.

— Era o momento do darwinismo social, teoria dominante na época, e até amigos de Machado, como Euclides da Cunha, tinham a miscigenação como degradação de raças — conta Almeida Júnior, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2017 com “Última hora"— Críticos dele como Sílvio Romero não escondiam o preconceito em seus ataques. Assim como o protagonista do meu livro também encarna esse racismo.

Na trama, o narrador Pedro se muda aos seis anos para o Morro do Livramento, no Centro do Rio de Janeiro, após a morte de sua mãe. Ele vai morar com sua tia materna, D. Maria José (madrinha do autor de “Helena” na vida real). Lá, conhece o pequeno Joaquim Maria Machado de Assis, agregado da família, que viria a se tornar seu arqui-inimigo num enredo que sai do Livramento, passando por Portugal e volta ao Rio de Janeiro do final do século XIX.

A rivalidade com o “mulato”, expressão que o personagem usa para se referir a Machado no livro — hoje politicamente incorreta, ressalta Almeida — aflora em disputas na infância e ganha contornos de ódio eterno quando Carolina Novais, portuguesa que foi esposa do autor de “Dom Casmurro”, entra na história. Aliás, este foi o ponto de partida do projeto de Almeida Júnior.

O escritor conta que quando estava estudando a biografia do autor de “Dom Casmurro” descobriu um ponto obscuro na relação dele com Carolina. Antes de morrer, ele pediu que queimassem toda a troca de cartas com a esposa. Acabaram restando duas onde, segundo o potiguar, Assis dava a entender que a portuguesa estava com medo de se casar devido uma desilusão amorosa. Além disso, as circunstâncias da vinda de Carolina ao Brasil, então uma solteira de 30 anos (algo quase escandaloso para a época) era um assunto tabu na época.

— Em cima desse mistério percebi que havia uma história, uma ficção há ser escrita com a" pena da galhofa”,para usar a expressão de “Memórias póstumas de Brás Cubas” — afirma.

No livro, Pedro namora Carolina quando vai estudar em Portugal, porém a abandona quando descobre que ela está grávida. Tempos depois, ao retornar ao Brasil, descobre que ela está casada com seu adversário de infância, Machado de Assis.

O conflito entre Pedro e o escritor se torna especialmente cruel quando o Bruxo vai se consolidando como grande escritor de sua geração, enquanto Junqueira, tomado pela inveja, segue seu declínio pessoal.

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