segunda-feira, 9 de abril de 2018

Crônicas do Dia - Em 2018, caras? Sério ? - Martín Fernandez



Enquanto a Uefa arquiva caso de racismo contra jogador belga, em São Paulo ainda gritam ‘bicha’ nos tiros de meta do rival


Para a Uefa, a poderosa confederação europeia de futebol, acender fogos de artifício ou bloquear as escadas de um estádio são atos mais graves do que chamar um homem negro de macaco. É difícil chegar a outra conclusão depois de ler o mais recente relatório disciplinar da entidade, publicado nesta quinta-feira.


Um pouco de contexto: no dia 22 de fevereiro, o Borussia Dortmund viajou à Itália para enfrentar a Atalanta pela Liga Europa. O empate por 1 a 1 classificou o time alemão, mas o que atraiu a atenção do mundo foi o desabafo do belga Michy Batshuayi, que defende o Dortmund.

“2018 e ainda temos que ouvir barulho de macaco vindo das arquibancadas? Sério?! Espero que vocês se divirtam assistindo ao resto da Liga Europa pela TV enquanto nós seguimos em frente. Diga não ao racismo. Vão assistir ‘Pantera Negra’”, escreveu o atacante no Twitter.

Batshuayi foi atacado na internet. “Vitimismo”, “mimimi”, “racismo reverso”, as redes do belga foram inundadas pelos mais toscos argumentos. Fosse brasileiro, o atacante do Dortmund ouviria que “o futebol está chato”. Nesta semana a Uefa finalmente anunciou suas decisões sobre os incidentes ocorridos naquele jogo.

Pelas acusações de acender fogos de artifício, arremessar objetos ao campo e bloquear as escadas do estádio, o clube italiano foi multado em € 34 mil. A acusação de comportamento racista da torcida foi arquivada sem nenhuma explicação. Procurada pela coluna, a Uefa informou que arquivou o caso por falta de provas. Por acusações semelhantes (acender fogos e bloquear escadas) o Dortmund foi multado em €40 mil.

Michy Batshuayi foi de novo ao Twitter protestar. “Deve ser minha imaginação”, comentou em relação a uma notícia do arquivamento do caso. E arrematou em seguida: “É só barulho de macaco, gente. Quem se importa? 2018, caras”.

Na América do Sul, a Conmebol recentemente multou em US$ 15 mil o Independiente, da Argentina, porque seus torcedores fizeram gestos imitando macacos na direção da torcida do Flamengo. Multas são a saída perfeita para quem não quer ver o problema resolvido. Por quatro motivos: 1) Dão a aparência de que algo foi feito; 2) Engordam o caixa de quem “pune”; 3) Os “punidos” sabem que escaparam de pagar apropriadamente por algo grave; 4) Permitem que os criminosos repitam o comportamento.

Três dias depois de anunciada a punição pelos “incidentes” do jogo contra o Flamengo, a torcida do Independiente fez o mesmo contra fãs do Grêmio que estavam em Buenos Aires para um jogo da Recopa Sul-Americana. “Se os clubes não forem punidos, nunca vão participar efetivamente do combate à discriminação”, diz Marcelo Carvalho, coordenador do Observatório Racial do Futebol Brasileiro.

No Brasil, o único caso de punição com efeito prático em casos desse tipo se deu em 2014, quando o goleiro Aranha, então no Santos, foi alvo de insultos racistas por parte de alguns torcedores do Grêmio. O clube gaúcho foi eliminado da Copa do Brasil. A punição esportiva funcionou: quem frequenta a Arena do Grêmio diz ser quase impossível ouvir esse tipo de coisa desde então.

Enquanto estádios de futebol forem tratados como territórios em que a lei não se aplica, as demonstrações de comportamento preconceituoso vão se multiplicar. Aqui do outro lado da Dutra, por exemplo, torcedores dos quatro grandes ainda se sentem à vontade para gritar “bicha!” quando o goleiro rival cobra um tiro de meta. Como diria o Batshuayi: “Sério? 2018, caras”.



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