sábado, 11 de novembro de 2017

Artigo de Opinião - Você sabe falar javanês ? - Conrado Adolpho


No conto “O Homem que sabia javanês”, de 1911, Lima Barreto conta a história do senhor Castelo, um malandro que fingia saber javanês para conseguir um emprego. É lógico que, como ninguém sabia falar javanês, ele acaba ficando famoso por ser o único tradutor de tal idioma. Um embuste.


Se javanês era o idioma desconhecido em 1911, o internetês é o javanês de hoje em dia. Porém, com uma mudança. Todo mundo fala internetês, menos as empresas que não conseguem traduzir o idioma. Uma novilingua às avessas.

Se o idioma organiza o pensamento, segundo Lev Vygotsky, o novo idioma está mudando não só a maneira das pessoas se comunicarem com também das pessoas pensarem e se comportarem.

O que a internet trouxe para o imberbe mundo do século XXI foi, principalmente, a capacidade de interação em um novo idioma entre pessoas de uma forma nunca antes sequer imaginada. Nem Julio Verne, com sua inventividade à flor da pele imaginaria aonde chegaríamos em tão pouco tempo com o meio digital.

O hipertexto ampliou a leitura de qualquer meia dúzia de palavras a esferas enciclopédicas. O Google nos mostrou de forma prática que informação é poder, tal qual Toffler falara na década de 80. A web 2.0 e seus ícones – tendo na Wikipédia e o Blogger como seus líderes – nos fez ver que o conhecimento construído em rede é menos etnocentrista e mais acessível do que a irretocável Barsa.

A economia do século XXI é a do compartilhamento e a da geração de informação. O poder está na criação e na propagação, não mais na informação pura e simples. Essa, qualquer um tem acesso por meio da fechadura minimalista do Google. Basta escolher uma chave qualquer, ou melhor, uma palavra-chave qualquer, para abrir as portas do mundo.

Ao mesmo tempo em que o ser humano tem o universo a seus pés podendo estar presente de maneira virtual em qualquer lugar por meio de um Google Maps ou de uma conference call, externalizando e ampliando sua individualidade, ele se volta para si mesmo na tentativa de descobrir soluções para seus dramas existenciais.

Compra-se livros de auto-ajuda como jamais se comprou. O Yahoo! Respostas funciona como uma ferramenta para perguntas de cunho pessoal e filosófico. A era da Renascença Digital une paradoxalmente o micro e macro parecendo um resgate de dois extremos da física – a quântica e a relativística.

Faculdades de jornalismo entram em crise devido a não mais exigência do diploma de jornalista para se exercer a profissão, amadores dominam a internet e produzem notícias, fotos e vídeos. A crise global faz com que empresas seculares quebrem e a nova economia transforma empresas que dão prejuízo em marcas bilionárias.

Sem dúvida, existe uma mudança acontecendo sob nossos narizes. A Internet é apenas a ponta do iceberg, o reflexo, não a causa.

Quem mudou foi o consumidor. Uma massa de quase 7 bilhões de indivíduos querendo mudanças e pressionando o sistema como uma massa invencível governada por suas próprias leis.

A ONU estima que a população mundial chegue a 9,2 bilhões de pessoas em 2050, daqui a apenas 40 anos. O montante representado pelos países em desenvolvimento será de 7,9 bilhões em 2050.

No meio de tudo isso está a internet. O meio que faz com pessoas compartilhem informações e opiniões sem a incômoda barreira geográfica. O meio que faz com que pessoas somem conhecimento multiplicando-o e reconstruindo-o. A destruição criativa de Schumpeter elevada a potências de 10 algarismos.

O consumidor está apenas começando sua senda em direção á promessa digital de sermos todos um. O ideal de Martin Luther King expresso em “I have a dream”, um discurso em nome da liberdade e da união dos povos. O sonho de uma época em que as pessoas não serão julgadas pela cor da sua pele, mas pelo conteúdo do seu caráter.

Na internet nós somos o que produzimos e compartilhamos. Somos medidos em bits. Ela é o reflexo e o pano de fundo de nossos anseios e necessidades. A web é o reflexo do que uma população cada vez maior e mais conectada sussurra em blogs e buscas no Google. O uníssono sussurrado por cada um dos mais de 1,5 bilhões de internautas atuais se transforma em uma voz que nenhuma empresa ou governo pode mais ignorar.

O complexo mundo do novo consumidor faz com que conflitos éticos e morais venham à tona desafiar-nos. A mudança de cenário pede novas regras. O que hoje é considerado ilegal, amanhã pode ser normal e cotidiano. A lei é mutável, uma tendência, não.

É o povo que dita como será o mundo, não as leis. No novo e complexo mundo em que as regras parecem caducar, é preciso repensar em novos modelos e visões de mundo. A sociedade vista pelas lentes da web não é a mesma vista pelas lentes da velha economia.

Para quem ainda tem dúvidas sobre o papel social da internet e seu impacto na vida cotidiana, basta refletir um pouco em como a energia elétrica mudou nosso modo de viver. Como ouvi em uma entrevista, ninguém diz mais “eu me conectei à rede elétrica e fiz um café na cafeteira”. A energia elétrica é algo cotidiano assim como a internet será daqui a muito pouco tempo.

Na China, as pessoas já se unem pela internet para comprar eletrodomésticos com desconto em lojas de departamentos. A Índia se transformou no escritório do mundo graças à rede. Pequenos empreendedores têm criado negócios a partir de suas casas e mudado suas vidas apenas com um computador ligado à internet e uma idéia na cabeça.

O consumidor mudou e as empresas ainda estão tentando se encontrar em meio à essa turbulência. Não entendem o pensamento não linear que hoje impera. Ainda acham que pelo fato de boa parte da população ainda não estar conectada, não vale a pena investir em internet.

O comportamento do consumidor mudou como um todo, esteja ele conectado ou não. A internet é só uma resposta a essa mudança e o fato de não estar acessível a todos, ainda, não quer dizer que seu conceito de participação e socialização não esteja presente no consumidor do século XXI.

O conceito da internet é de promover uma enorme fogueira digital em que a conversa é o principal motor da nova economia. As empresas devem aprender a conversar, não repetir o discurso de sempre ignorando a reação do público. Um discurso que tende a ser míope e pouco relevante.

Quais serão as conseqüências de todas essas mudanças em uma conversa interativa entre bilhões de pessoas falando um idioma que as instituições ainda não entendem direito?

A conversa está apenas começando e ainda dá tempo de aprender javanês.

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