sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Crônicas do Dia - O prefeito que estimula a ignorância - Artur Xexéo


Uma visita à Bienal do Livro não seria uma prioridade na área de educação?


RIO — Sou ingênuo. Muito ingênuo. Tão ingênuo que até costumo acreditar no que dizem os políticos. Acreditei, por exemplo, no prefeito Marcelo Crivella. Sempre que a imprensa lhe cobra... bem, tenho que admitir que é difícil a imprensa cobrar alguma coisa do prefeito porque ele não dá entrevistas, vive se escondendo de todos, e nunca se sabe se ele está mesmo no Rio ou em alguma viagem internacional. Enfim, quando a imprensa consegue cobrar alguma coisa do prefeito, ele sempre diz que concorda com a cobrança, que vai cuidar disso e que “em breve” tudo será resolvido. O camelô, as calçadas, os arrastões, o carnaval, o réveillon... tudo “em breve”. O prefeito já assumiu o cargo há oito meses e continua anunciando tudo para breve. O breve nunca chega. Por quê, prefeito? “Porque a nossa prioridade é saúde e educação”, ele diz. Tudo o mais pode esperar. A Prefeitura está sem verba, e todo o dinheiro que tem deve ser investido na sua prioridade: saúde e educação. Como reclamar de alguém que se preocupa com saúde e educação? Diante da saúde e da educação, tudo o mais perde importância. Acreditei no prefeito.

Mas aí chega a Bienal do Livro, e uma de suas características mais evidentes, a presença alegre dos alunos da rede municipal de ensino, não chegou junto. A prefeitura suspendeu a ida de seus estudantes, os do ensino fundamental, ao evento. Muitas vezes, a Bienal é o primeiro contato do carioca com o livro. Os que já estão acostumados a ler têm a oportunidade de encontrar seus escritores preferidos. Crianças já têm seu ídolos literários. Mas não neste 2017. Neste 2017, a prefeitura resolveu nem se preocupar com a presença ou ausência dos alunos da rede pública na Bienal. Isso não tem a menor importância. E qual é a desculpa? Não há verba, é claro. De acordo com a Secretaria de Educação, não há verba para comprar ingressos, pagar estacionamento, alugar transporte... Mas, peralá, a prioridade não é a educação? E, aqui no Rio, uma visita à Bienal do Livro não seria uma prioridade na área de educação? O prefeito não considera o livro importante? Pior: a prefeitura parece nem saber do que está falando. Afinal, como falta verba para pagar ingressos se a Bienal não cobra de estudantes da rede pública municipal? E também oferece infraestrutura para estacionamento. Na hora de se explicar, a Prefeitura fala qualquer coisa, tentando enganar o contribuinte. O prefeito diz que sua prioridade é a educação. Mentira! Quando deixa de estimular a ida de crianças à Bienal, o prefeito, na verdade, está investindo na ignorância.

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Nesta aposta na ignorância, não se deve livrar a cara do secretário de Educação, Cesar Benjamin.

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No começo da semana foi realizada mais uma entrega do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. O principal prêmio da produção cinematográfica nacional continua defasado com sua data de entrega. Melhores do ano em setembro? É puxado! Os indicados deste ano foram lançados entre outubro de 2015 e outubro de 2016. Muito tempo já se passou. Muitos outros filmes foram lançados. Quem vai ligar, nesta altura do campeonato, para “Aquarius” ganhando o prêmio de melhor filme ou Andreia Horta (“Elis”) e Juliano Cazarré (“Boi neon”) sendo eleitos os melhores atriz e ator do ano? Pelo menos, a premiação chamou a atenção para um trabalho que passou quase despercebido: o de Laura Cardoso em “De onde eu te vejo”, de Luiz Villaça. Lançada em abril do ano passado, a produção é uma comédia romântica com pegada de filme argentino que narra os altos e baixos da vida de um casal interpretado por Denise Fraga e Domingos Montagner. Mas quem brilha mesmo é Laura Cardoso na pele de uma velhinha — Laura completa 90 anos na próxima quarta-feira — que mora, cercada por pássaros, numa mansão em ruínas, em São Paulo. Ela só tem três cenas, o suficiente para ganhar o merecido prêmio de melhor atriz coadjuvante. Laura enche a tela de poesia.

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Por falar em poesia, o Canal Curta! Está exibindo a série “Há muitas noites na noite”, de Sílvio Tendler, sobre Ferreira Gullar. São sete episódios recheados de bons depoimentos, com os quais se conhecem as circunstâncias em que foi escrito e lançado o “Poema sujo”. Mas, mais que isso, a série traça um perfil emocionante de um dos maiores poetas brasileiros e mostra que, quando o assunto é documentário, Sílvio Tendler ainda tem muito a dizer.

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Este colunista tem o doloroso dever de anunciar que está extinto o concurso de mala do ano. Depois de a Polícia Federal encontrar mais de R$ 51 milhões em dinheiro vivo no apartamento usado pelo anão do orçamento Geddel Vieira Lima, em Salvador, as malas que acondicionavam tal quantia merecem todos os títulos. As malas de Geddel são malas do ano, da década, do século. Ninguém conseguirá superá-las por muito tempo.

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A cidade está abandonada.



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