Aspectos Históricos e Culturais da
Literatura Greco-Romana
O estudo da Literatura de um povo proporciona o mapeamento de toda a sua cultura, considerando que a literatura reflete as crenças, temores, nível de desenvolvimento científico, tecnológico e hábitos de seus criadores. Além disso, a obra literária de determinada civilização evidencia o tipo de relações existentes entre estes e outras civilizações contemporâneas, propiciando uma visão geral de quais fatores históricos influenciaram a formação e desenvolvimento desta cultura e que tipo de influência exerceram.
A Literatura Romana é reflexo da Literatura Grega que, por sua vez, reflete a cultura que gerou o padrão cultural e intelectual do mundo ocidental. Assim, o conhecimento e interpretação dos fatores históricos, culturais, filosóficos e psicológicos que regeram a Literatura Grega permitem aos ocidentais do século XXI um mergulho profundo em suas raízes.
A importância do estudo da Literatura Greco-romana não se restringe ao simples conhecimento histórico, já que o contato com a Literatura mais influente do mundo ampliará, certamente, a visão que temos de toda a literatura mundial, do seu berço até a atualidade.
Entender os significados históricos e culturais da literatura de uma determinada civilização requer, primeiramente, considerar quais fatores históricos foram determinantes na formação desta civilização e as possibilidades de influências culturais externas.
Os conflitos entre modos diferentes de se organizar em sociedade marcam o desenvolvimento da humanidade desde os primórdios de sua história. Povos separados geográfica ou cronologicamente divergem tanto sobre a utilização ou transformação de recursos naturais quanto sobre a concepção e expressão da realidade. A cultura desenvolve-se, portanto, a partir de diversos fatores, tornando-se única em cada época ou região e refletindo diversos aspectos da vida de uma sociedade. Percebemos então que “é sempre fundamental entender os sentidos que uma realidade cultural faz para aqueles que a vivem.” (SANTOS, 1981, p. 11)
A literatura, por sua vez, apresenta-nos o panorama cultural da sociedade que a produziu, ora de forma direta, ora de forma indireta, já que, em determinados textos literários ficam explícitas as intenções do escritor, enquanto em outros é necessário um conhecimento prévio do contexto histórico e social que envolve a criação do texto para que este seja verdadeiramente compreendido. Precisamos ainda considerar que “a obra literária é um objeto social. Para que ela exista, é preciso que alguém a escreva e que outro alguém a leia. Ela só existe enquanto obra neste intercâmbio social.” (LAJOLO, 1982, p. 101)
Diante desta estreita relação entre sociedade, cultura e literatura, analisaremos a Literatura Grega e Romana, a partir dos fatores históricos que determinaram as características culturais destas civilizações e, consequentemente, influenciaram em suas crenças religiosas.
A capacidade de ver vida em quase tudo o que os cercava e a necessidade de encontrar respostas para os dilemas da vida e fenômenos da natureza, levou a civilização grega a criar seres mitológicos que viviam histórias incríveis, capazes de explicar de forma poética todas as questões até então inexplicadas.
Para ROCHA (1981, p. 175),
O mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se refletir sobre a existência, o cosmos, as situações de “estar no mundo” ou as relações sociais.
Assim, para os gregos antigos, cada força da natureza é um deus poderoso que interage com outros deuses e com os humanos. Estes seres celestes, apesar de imortais, têm a forma física humana, o que denota a necessidade de identificação com essas forças superiores sentida por seus idealizadores.
Outro fator importante a ser observado é que os imortais compartilhavam também das fraquezas psicológicas dos seres humanos, sentindo inveja, ciúmes, apaixonando-se, traindo e, até mesmo, cometendo atos de violência.
Atribuindo tais características humanas aos deuses mitológicos, os gregos encontravam explicação não apenas para os fenômenos naturais, mas também para os fenômenos psicológicos intrínsecos ao ser humano.
É neste cenário de mitologia e de busca pelo conhecimento que ganha vida a Literatura Grega. As cidades-nações que compunham a Grécia Antiga eram independentes e mantinham sistemas políticos e econômicos distintos. Porém, um fator de extrema importância os unia: a língua. Compartilhando o mesmo idioma, tornava-se fácil a interação religiosa, cultural e, consequentemente, mitológica.
A Literatura Grega surge, então, primeiramente como literatura falada, sendo transmitida de geração a geração, sempre carregada de elementos filosóficos e científicos que eram, com muita propriedade, explicados por elementos mitológicos.
A partir do desenvolvimento da escrita através do alfabeto, as indagações, suposições e conclusões dos grandes pensadores gregos passaram a ser registradas em um conjunto de obras literárias que é, até a atualidade, estudado e referenciado. A valorização dos padrões estéticos da cultura grega, presente nas suas obras plásticas e na música, é marcante também na literatura, tornando-a a mais forte referência para toda a literatura ocidental e, possivelmente, mundial.
Com a ascensão do Império Romano e declínio da Grécia, a cultura romana, de grande potencial militar e pouco conhecimento artístico, assimilou aspectos culturais gregos. Artistas e pensadores gregos foram levados para Roma, levando consigo os padrões estéticos desenvolvidos na Grécia por séculos.
As artes plásticas não interessavam muito aos romanos, que limitaram-se a manter os padrões de qualidade alcançados pelos gregos durante séculos, sem nenhum acréscimo. Da mesma maneira procederam em relação aos conhecimentos científicos alcançados pelos gregos nos campos da matemática, física, astronomia, música e filosofia. A posição de Roma em relação a estas áreas do conhecimento é “que se deixe a outros o cuidado de dar ao bronze e ao mármore suas mais belas formas; que aos outros se entregue o estudo da astronomia e da matemática, porquanto aos romanos cabe apenas aprender a governar o mundo.” (VIRGÍLIO, apud CHENEY, 1995, p. 91)
Apesar do pouco interesse por assuntos plásticos, utilizando as obras artísticas para fins unicamente decorativos, a literatura despertou o interesse dos romanos que, “não possuindo uma mitologia própria, adotaram a dos gregos.” (MÉNARD, 1991, vol. 1, p. 14)
Utilizando então os elementos mitológicos da cultura grega, modificando-lhes apenas os nomes, os romanos passaram a escrever longas narrativas inspiradas em suas incursões militares aos países que dominavam e agregavam ao seu vasto império.
A cultura grega, a partir de então, funde-se com a romana, originando o que hoje denominamos cultura Greco-romana.
Esta cultura que, observada superficialmente, parece estar enterrada há séculos, já que os Impérios que a originaram não existem mais, está, no entanto, presente em todos os âmbitos da cultura ocidental atual, tamanha a força intelectual daquelas que a geraram.
A primeira grande herança grega para a civilização ocidental é o alfabeto grego. Apesar de não ser o primeiro alfabeto criado, é um dos mais antigos, sendo contemporâneo do alfabeto hebraico e precedido apenas pelo alfabeto fenício. Data aproximadamente do século X a.C. e foi o primeiro alfabeto a utilizar o sistema de vogais, adotado mais tarde pelo latim e, consequentemente, presente em todas as línguas neolatinas.
Atualmente, não utilizamos o alfabeto grego para fins literários. No entanto, todo estudante do ensino fundamental utiliza elementos deste alfabeto como símbolos matemáticos, já que esta ciência também é um legado da civilização grega, assim como a física, que também utiliza esse alfabeto.
Os avanços físicos e matemáticos alcançados na Grécia antiga possibilitaram o desenvolvimento do sistema musical que, na atualidade, domina todo o cenário musical mundial. Baseando-se em seus conhecimentos sobre logaritmos, o físico Pitágoras dividiu a escala musical em partes iguais, dando origem ao sistema de doze notas predominante em todo o mundo. Mesmo em países orientais que cultivam uma cultura musical diferente, com escalas de tamanhos variados, o sistema de Pitágoras é predominante. Da mesma forma, a ideia grega de representar notas musicais com letras do alfabeto perdura até hoje nas populares cifras.
Outro aspecto da cultura atual que está repleto de elementos Greco-romanos é a linguagem cotidiana, falada ou escrita. Diversas expressões inspiradas na mitologia incorporam-se à linguagem popular, fazendo referência a personagens ou ideais Greco-romanos. Como exemplo, podemos citar a expressão “deus grego”, utilizada para indicar um tipo físico dentro de padrões estéticos clássicos, valorizados pelos gregos e os personagens Cupido e Atlas, que estão no vocabulário popular, o primeiro com significado tal qual o que lhe é atribuído na mitologia e o segundo para nomear livros de mapas, já que na mitologia, trata-se de um Titã condenado por Zeus a sustentar os céus sobre os ombros. Além destes, personagens como o rei Midas e Baco, o Deus do vinho são muito conhecidos popularmente.
A presença Greco-romana na poesia não se restringe à estrutura, ainda adotada por muitos escritores, mas aparece também como citação de personagens mitológicos. Nos versos da música Olhar 43, Paulo Ricardo faz menção a Diana, Afrodite, Brigitte (referindo-se a Brigitte Bardot) e Sthefani de Mônaco, apresentando as personagens mitológicas juntamente com personagens reais e atuais, sugerindo assim que façam parte da mesma realidade.
As artes plásticas, que sempre mantiveram estreita relação com a literatura, retratam ao longo de séculos as aventuras dos moradores do Monte Olimpo descritas pelos escritores Greco-romanos. São inúmeros os quadros retratando os imortais. O cinema não poderia ficar de fora, apesar da grande exploração dos temas mitológicos, eles não se esgotam e, vez ou outra, reaparecem em um novo filme, contando de forma nova uma das velhas histórias.
Diante das evidentes influências Greco-romanas na civilização ocidental atual, não podemos deixar de analisar as estreitas relações entre conceitos religiosos do cristianismo, religião predominante no mundo ocidental, e a mitologia.
O primeiro conceito a ser analisado é a descrição do que havia antes da criação. Segundo a cultura cristã, “no princípio criou Deus os céus e a terra. A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o espírito de deus pairava sobre a face das águas”. (BÍBLIA, Tradução: Almeida, Gênesis capítulo 1, versículos 1 e 2).
Segundo MÉNARD (1991, vol. 1 p. 33),
Antes dos deuses, o espaço apresentava apenas uma confusa massa, em que se confundiam os princípios de todos os seres. “O sol, diz Ovídio, ainda não esparzia a sua luz pelo universo; a lua não estava sujeita às vicissitudes; a terra não se achava suspensa no meio do ar, em que se sustenta pelo seu próprio peso; o mar não tinha margens; a água e o ar mesclavam-se à terra que não tinha solidez; a água não era fluida, o ar não tinha luz, tudo era confusão.
Observando os textos citados acima, percebemos nitidamente a semelhança entre as duas teorias. São imensas as coincidências entre conceitos religiosos e mitologia, porém vamos citar apenas mais duas.
Segundo a mitologia Greco-romana “os irmãos de Júpiter, Plutão e Netuno são simples desdobramentos da sua personalidade. Proclo fala de uma tríade demiúrgica cujos três membros, Júpiter, Plutão e Netuno, constituem um deus único e triplo simultaneamente.” (MÉNARD, 1991, vol. 1 p. 19)
Percebemos aqui um paralelo com o conceito de Deus triplo apresentado pela Bíblia, onde Deus Pai, Jesus Cristo e o Espírito Santo são três e são um ao mesmo tempo. Há também, na Literatura Mitológica Greco-romana, a descrição de um dilúvio semelhante ao bíblico. São evidentes, portanto, as influências mitológicas na maior estrutura religiosa atual.
Se percebemos na atualidade a presença de elementos difundidos pela literatura Greco-romana na cultura e na religião, não seria diferente com as organizações políticas. “A democracia, governo do povo, na antiguidade grega, mais particularmente em Heródoto, é uma forma de governo entre duas outras: a monarquia, ou o governo de um só e a aristocracia, ou governo de alguns”. (ROSENFIELD, 1982, p. 13)
Notamos então que a visão que temos de política e possibilidades para a organização de um Estado são as mesmas que nos deixaram nossos antepassados culturais, que, a partir desses conceitos básicos nos possibilitam organizarmo-nos em sociedade com base em sistemas que são testados no decorrer de milênios.
Os elementos culturais e estéticos Greco-romanos tornaram-se padrão de perfeição e símbolo de civilização. No decorrer da História, os artistas e pensadores retomaram os padrões clássicos em diversos momentos, sendo o mais marcante deles o Renascimento, marco das mudanças culturais que romperam as limitações impostas durante a Idade Média para alicerçar definitivamente os padrões conhecidos atualmente como cultura ocidental.
Dois séculos depois do Renascimento, os padrões clássicos são novamente retomados, no período Neoclássico, quando as artes plásticas e a literatura foram determinantes na Revolução Francesa, acontecimento que marcou de forma definitiva a História Mundial.
A cultura Greco-romana, portanto, não apenas proporcionou os alicerces da civilização ocidental da atualidade, mas, com seus padrões de equilíbrio e lógica, serve, ao longo de séculos de apoio e guia, para que se encontre novamente a direção a seguir.
Viviane Bitencourte
P.S. Este texto foi escrito por mim, porém é resultado de uma pesquisa feita em conjunto com os amigos Genefisson Fagundes e Sirlei Gonçalves.
REFERÊNCIAS
http://educacao.uol.com.br/historia/ult1690u6.jhtm acesso em 10/06/2011
http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0024 acesso em 08/06/2011
http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0044 Acesso em 08/06/2011
http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/25/artigo160259-2.asp acesso em 10/06/2011
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http://www.consciencia.org/a-literatura-da-grecia-e-de-roma. acesso em 10/06/2011
http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=914&sid=7. Acesso em 10/06/2011
http://www.on.br/glossario/alfabeto/m/mitologia.html#greco-romana. Acesso em 08/06/2011
http://www.paralerepensar.com.br/salvatore_mitoepsiquehumana.htm. Acesso em 12/06/2011
http://www.suapesquisa.com/literatura/ Acesso em 10/06/2011
LAJOLO, Marisa. O que é literatura. São Paulo, SP: Círculo do Livro S.A., 1982. (Coleção Primeiros Passos, 7).
MÉNARD, Réne. Mitologia greco-romana v. 1. São Paulo, SP: Opus, 1991.
MÉNARD, Réne. Mitologia greco-romana v. 2. São Paulo, SP: Opus, 1991.
NARDINI, Bruno. Mitologia: primeiro encontro. São Paulo, SP: Círculo do Livro S.A., 1982.
ROCHA, Everaldo P. G.. O que é mito. São Paulo, SP: Círculo do Livro S.A., 1981. (Coleção Primeiros Passos, 5).
ROSENFIELD, Denis L.. O que é democracia. São Paulo, SP: Círculo do Livro S.A., 1981. (Coleção Primeiros Passos, 25).
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo, SP: Círculo do Livro S.A., 1981. (Coleção Primeiros Passos, 14).
https://impressoesepalavras.wordpress.com/literatura/literatura-greco-romana/
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