quinta-feira, 20 de abril de 2017

Diretamente da Bruzundanga de Lima Barreto

Na Bruzundanga de Lima Barreto (aviso que qualquer semelhança NÃO é mera coincidência), o financeiro/economista acredita que o decréscimo populacional solucionaria problemas econômicos, os políticos creem-se feitos de carne e sangue diferentes dos meros mortais e os “pistolões” garantem o sucesso dos escritores.


Lima cultuou esse humor corrosivo, que o levou a escrever o livro, de experiências próprias como jornalista e da proximidade com a elite intelectual da época, sempre disposta ao descarado puxa-saquismo para ascender socialmente.

A política

“A política não é uma grande cogitação de guiar os nossos destinos; porém, uma vulgar especulação de cargos e propinas”.

(trecho de Os Bruzundangas)



Em tom satírico, Lima desanca a oligarquia de doutores que dominava a política, “pobres e ricos corriam” em busca dos títulos de advogado, médico e engenheiro, o que lhes assegurava “certos privilégios e regalias”.

A primeira edição de “Os Bruzundangas” foi lançada em 1922 (ano da morte de Lima). No livro, o escritor escancara os vícios da República Velha (1889-1930), e que infelizmente continuam atuais na Nova (ou Sexta) República, iniciada após a ditadura militar. O livro é narrado por um visitante das plagas bruzundanguenses que divide sua percepção em capítulos temáticos como “Um grande financeiro”, “O ensino na Bruzundanga”, “A sociedade” etc.
Leia alguns trechos do livro:

 “Que financeiro!”

“Financista elegante e estudioso dos mecanismos financeiros do velho mundo, Dr. Karpatoso foi convocado pelo governo para solucionar o déficit de Bruzundanga, quebrou a cabeça e três dias depois, elaborou a proposta: “aumentava do triplo a taxa sobre o açúcar, o café, o querosene, carne-seca, o feijão, o arroz, a farinha de mandioca, o trigo e o bacalhau além de outros aumentos”. O governante Idle Bhras de Gramofone e Cinema exultou: “Que financeiro!”. Um deputado objetou: “Vossa excelência quer matar de fome o povo da Bruzundanga”. Karpatoso responde: “Não há tal; mas mesmo que viessem a morrer muitos, seria até um benefício, visto que o preço da oferta é regulado pela procura e, desde a procura diminua com a morte de muitos, o preço dos gêneros baixará fatalmente.”



Os políticos

“É que a vida econômica de Bruzundanga é toda artificial e falsa nas suas bases, vivendo o país de expedientes.

Entretanto , o povo só acusa os políticos, isto é, os seus deputados, os seus ministros, o presidente, enfim.

O povo tem em parte razão. Os seus políticos são o pessoal mais medíocre que há. Apegam-se a velharias, a coisas estranhas à terra que dirigem, para achar solução às dificuldades do governo.

A primeira coisa que um político de lá pensa, quando se guinda às altas posições, é supor que é de carne e sangue diferentes do resto da população.

O valo de separação entre ele e a população que tem de dirigir faz-se cada vez mais profundo.

A nação acaba não mais compreendendo a massa dos dirigentes, não lhe entendendo estes a alma, as necessidades, as qualidades e as possibilidades”.



Lima Barreto
Lima Barreto
Pobres x ricos

“A inteligência pobre que se quer fazer tem de se curvar aos ricos e cifrar sua atividade mental em produções incolores, sem significação, sem sinceridade, para não ofender seus protetores. A brutalidade do dinheiro asfixia e embrutece as inteligências”.



“Sobre os literatos

— Quantas cartas tem aí! — disse-lhe eu ao vê-lo abrir a carteira para tirar uma nota com que pagasse a despesa.

— São “pistolões”.

— Pra tanta gente?

— Sim; para os críticos dos jornais e das revistas. Não sabes que vou publicar um livro?”




Fernando do Valle
Sou blogueiro e jornalista. Pai de Lorena, santista e obcecado por literatura, cinema, música e política.



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