sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Crônicas do Dia - E agora, pai? - Nelson Motta

Nelson Motta, O Globo

Muitas vezes, quando não sei o que fazer diante de uma situação, penso no que meu pai faria. E faço. Quando eu estava furioso e indignado com injustiças e torpezas, querendo quebrar tudo, ele aconselhava serenidade e tolerância, não como submissão e resignação, mas como prova de superioridade moral e força dos meus argumentos.


Como grande advogado e conhecedor do sistema judicial brasileiro, com todas as suas mazelas e atrasos, sempre me dizia que brigar era o pior negócio, pela perda de tempo e dinheiro, e buscava acordos que contentassem as partes. Desde pequeno, ele me buzinava que se leva uma vida para construir um conceito — e que basta um erro para perdê-lo.

Recuperar um bom conceito custa muito mais tempo e sacrifícios do que construí-lo. Ele e eu não somos santos, temos muitas falhas e fraquezas, mas entre elas não estão a covardia e a prepotência: “Você tem que ser humilde com os humildes e altivo com os poderosos.” Tratava empregados melhor do que patrões, sempre nos dizia que qualquer pessoa que trabalhava para ganhar a vida era superior a nós, que só estudávamos e vivíamos às suas custas.

Quando crianças, eu e minha irmã às vezes disputávamos o último guaraná, ou o último pedaço de bolo, e ele lançava a sentença fatídica: “Um divide, e o outro escolhe”. Eram horas contando gotas e grãos para não dar vantagem ao que escolhia, fazendo justiça sem querer. Ultimamente, tenho solicitado bastante o que seriam as suas possíveis opiniões diante da loucura que se tornou o Brasil, para não sair xingando e distribuindo inúteis coices e cusparadas verbais.

“Calma, meu filho, assim você não vai conseguir nada. Os que te inspiram ódio vão seguir em frente, eles não ligam de serem odiados, e você fica com o ódio lhe envenenando a alma e confundindo seu pensamento.” A última vez que estive com ele, já com 92 anos e muito debilitado, “de saco cheio de viver”, perguntei-lhe como estava, e ele respondeu: “E você, como está?”. “Eu estou bem, é você que interessa”. “Ah, meu filho, ficar velho é uma merda.” “Mas, pai, não ficar é pior ainda.”

E rimos juntos pela última vez.

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