segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Você sabia disso ? - Brasil leva capoeira da paz a congoleses

Com a luta, cerca de quatro mil menores e jovens da República Democrática do Congo tentam superar violência e se reinserir na sociedade

POR CAROLINA JARDIM 18/09/2016 


RIO — Ao ritmo de berimbau e pandeiro, crianças e jovens da República Democrática do Congo tentam superar uma realidade de intensos conflitos armados, violações e vulnerabilidade. Elas se esquecem, pelo menos por um instante, da infância conturbada, dando espaço a sonhos e planos para o futuro. Desde que o projeto “Capoeira pela paz” desembarcou no segundo maior país da África, há três anos, cerca de quatro mil menores e jovens — de 6 a 25 anos — já foram apresentados à luta brasileira.

Idealizada pelo embaixador do Brasil na República Democrática do Congo, Paulo Uchôa, a iniciativa foi implementada primeiro em Goma, capital da província do Kivu do Norte (área mais violenta do país), para atender crianças desmobilizadas de grupos armados e em fase de reinserção na sociedade. Depois, a prática da capoeira se estendeu a outras localidades. Na capital, Kinshasa, o programa é destinado a menores de rua da periferia. E na região Norte, é aplicado para refugiados nos campos de Mole e Boyabu.

— Quando cheguei ao país, fui tomando conhecimento dos aspectos da realidade local e da situação das crianças. Busquei algum projeto que pudesse contribuir com a pacificação e a reintegração social — contou o embaixador, que praticou capoeira na adolescência. — Nos últimos 40 anos, a capoeira começou a ser abordada pela sua capacidade sociointerativa de promover inclusão e conter a violência. A atividade ajuda as crianças rejeitadas a superarem traumas e a tentarem encarar a ressocialização de maneira natural e suave.

Coordenador do projeto em Goma, o mestre de capoeira Flávio Saudade ressalta que a prática, utilizada como ferramenta social, também oferece a possibilidade de reconstrução da identidade e contribui para a formação humana.

— A criança entra em contato consigo mesma. Tentamos criar um círculo de interação e proteção com apoio da comunidade e das famílias. O objetivo é que elas se tornem multiplicadoras e possam espalhar a capoeira pelo país — destacou Flávio.

Natural de São Gonçalo, o mestre já havia trabalhado em favelas no Rio e no Haiti. Ele descreveu o drama enfrentado pelos capoeiristas congoleses aprendizes, a maioria vítima de violações e brutalidade. Rico em minerais, o país é palco da violenta disputa entre grupos rebeldes armados.

— Muitas das crianças foram raptadas, sofreram recrutamento forçado e tiveram suas escolas e vilas invadidas. A situação para as meninas é ainda pior, pois foram vítimas de abusos sexuais. Com a capoeira, elas aprendem a dominar suas emoções e a perdoar colegas que vieram de grupos armados rivais — complementou Flávio, que também coordenou o projeto "Gingado pela Paz" para haitianos em Porto Príncipe, da ONG Viva Rio.


Na roda, os capoeiristas congoleses demonstram familiaridade com a arte marcial, desenvolvida no Brasil principalmente por descendentes de escravos africanos. Eles relatam até mudanças de comportamento:

— A capoeira leva a raiva embora, tira o comportamento violento de mim. Antes, eu só queria lutar. Quando eu voltar para casa, vou ensinar aos meus irmãos mais novos. Meu sonho é me tornar professor de capoeira — relatou Aimé, de 17 anos, em um vídeo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Assim como Aimé, milhares de crianças foram sequestradas por grupos armados no país e atuam na linha de frente dos combates — estima-se que mais de três mil ainda estejam sob poder dos insurgentes. De acordo com o embaixador, a redução do comportamento violento dos capoeiristas foi atestada pelos próprios monitores.

— Os instrutores vêm observando uma melhora no comportamento. As crianças ficam mais estimuladas a retomar uma vida normal — acrescentou Uchôa.

Outro aspecto importante, segundo ele, é que o projeto tem ajudado a aliviar as tensões religiosas:

— Um dos problemas nos campos de refugiados são as diferenças religiosas. Cristãos e muçulmanos centro-africanos relatavam ter muito ressentimento. Com a capoeira, aprenderam que podem brincar juntos e se entender através da tolerância.



Além do Brasil, a iniciativa conseguiu apoio de diferentes entidades e países, incluindo Mônaco, Canadá e Suíça. É executada em parceria com o Unicef, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA). Já foram mobilizados cerca de US$ 1,2 milhão — o Brasil destinou US$ 85 mil por meio do Unicef.

Em visita ao país, em fevereiro, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chegou a arriscar alguns passos de capoeira com as crianças desmobilizadas de grupos armados. O Unicef também usou o esporte brasileiro em campos de refugiados palestinos na Cisjordânia, na Síria e no Iraque. Segundo a organização, a atividade ajuda no bem-estar físico e psicológico dos jovens afetados pelos conflitos no Oriente Médio.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/brasil-leva-capoeira-da-paz-congoleses-20132537#ixzz4LMWMPzLU

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