domingo, 28 de agosto de 2016

Artigo de Opinião - Porque é golpe! - João Batista Damasceno


É golpe quando a vontade popular é desrespeitada

O DIA


A Odisseia de Homero narra que, diante dos pretendentes à mão de Helena, a mulher mais bonita que o mundo conhecera, seu pai temia que a escolha pudesse resultar numa guerra entre eles. Ulisses sugeriu que todos jurassem respeitar a vontade que fosse manifestada e ao escolhido não causassem qualquer mal. Assim, Helena pôde casar com Menelau. A escolha foi respeitada. A Guerra de Troia se desencadeou porque Helena, depois de casada, fugiu de Esparta com Páris.

Numa festa, Éris, deusa da discórdia, jogou uma maçã de ouro entre as deusas, onde se lia “à mais bela”. Provocou-se uma disputa entre Hera, Atena e Afrodite. Zeus nomeou Páris para ser o juiz da disputa, porque era honesto, mas as deusas tentaram corrompê-lo. Hera lhe prometeu o poder sobre o mundo, e Atena, vitórias militares e honrarias. Afrodite lhe prometeu o amor de Helena.

Juízes honestos não são apenas os que não recebem vantagens materiais indevidas. Mas também os imparciais, os que não tiram proveitos indevidos do cargo e os que obedecem ao ordenamento jurídico, que lhes confere poder, e atuam de acordo com a consciência. Páris não se corrompeu por bens materiais, nem por glórias, mas pelo amor de Helena.

O processo de impeachment da presidente Dilma evoca o princípio de que a democracia somente épossível se todas as forças envolvidas nas disputas aceitarem respeitar a vontade que for manifestada e ao escolhido não causar qualquer mal. As tentativas de golpe no presidente Lula não encontraram o mesmo eco que com a presidente Dilma, menos suscetível às barganhas com um Parlamento corrompido. As forças que disputaram as eleições de 2014 não lhe reconheceram a vitória e tentaram o golpe até instalar o processo de impeachment, sem imputação de crime. Para tanto, corromperam o vice-presidente. O comando do país pelos golpistas derrotados eleitoralmente em 2014 demonstra o desprezo pelo resultado das eleições.

Num sistema de separação de poderes cabe também aos juízes garantir o Estado de Direito e a legitimidade democrática. Mas só agora, consumado o golpe e para encerrar a Operação Lava Jato, ouve-se ministro do STF dizer que proposta da ‘República de Curitiba’ é coisa de cretino. Antes juízes posavam de toga em homenagem a Sergio Moro. É golpe quando a vontade popular é desrespeitada.

João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito

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